Pular para o conteúdo principal

Carnaval, uma Carta De Mário de Andrade

Mário de Andrade passou o Carnaval de 1923 no Rio de Janeiro, encantou-se com a folia carioca e nãofoi visitar Manuel Bandeira em Petrópolis. No final de fevereiro, enviou uma carta ao amigo, argumentando a sua ausência.

"Meu Manuel… Carnaval!… Perdi o trem, perdi a vergonha, perdi a energia… Perdi tudo. Menos minha faculdade de gozar, de delirar… Fui ordinaríssimo. Além do mais: uma aventura curiosíssima. Desculpa contar-te toda esta pornografia. Mas… que delícia, Manuel, o Carnaval do Rio! Que delícia, principalmente, meu Carnaval! […] Meu cérebro acanhado, brumoso de paulista, por mais que se iluminasse em desvarios, em prodigalidades de sons, luzes, cores, perfumes, pândegas, alegria, que sei lá!, nunca seria capaz de imaginar um Carnaval carioca, antes de vê-lo. Foi o que se deu. Imaginei-o paulistamente. […] Admirei repentinamente o legítimo carnavalesco, o carnavalesco carioca, o que é só carnavalesco, pula e canta e dança quatro dias sem parar. Vi que era um puro! Isso me entonteceu e me extasiou. O carnavalesco legítimo, Manuel, é um puro. Nem lascivo, nem sensual. Nada disso. Canta e dança. Segui um deles uma hora talvez. Um samba num café. Entrei. Outra hora se gastou. Manuel, sem comprar um lança-perfume, uma rodela de confete, um rolo se serpentina, diverti-me 4 noites inteiras e o que dos dias me sobrou do sono merecido. E aí está porque não fui visitar-te. Estou perdoado.” 

Fonte: Revista Arara


Sobre a imagem: integrante da escola de samba paulista Camisa Verde e Branco no desfile de 2018

100% Camisa Verde e Branco Carnavalizando Mário de Andrade, o Berço do Samba, o Poeta e o Herói Na Paulicéia Desvairada. A.C.S.E.S.M. ...



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Aprenda a Chamar a Polícia, Luis Fernando Veríssimo

          Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro.                   Como minha casa era muito segura, com  grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali,espiando tranquilamente. Liguei baixinho para a polícia, informei a situação e o meu endereço. Perguntaram- me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa.            Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível. Um minuto depois liguei de novo e disse com a voz calma: - Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guard