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Mostrando postagens com o rótulo Ronaldo Wrobel

Aqui Não É Banheiro, Ronaldo Wrobel

Me deparei com isto num posto de gasolina antes de viajar de uma cidade para outra. Passei 1:30h na estrada indagando se não seria mais fácil escrever "banheiro" na outra porta (caso ela fosse efetivamente um banheiro, é lógico). Com isso, a porta da esquerda - presumivelmente sem nada escrito - estaria isenta da suspeita de ser banheiro. Além do mais, avisar que "aqui não é banheiro" não gera a presunção óbvia de que a outra porta seja banheiro, haja vista a falta do artigo definido "o". Teríamos outro cenário se o aviso informasse que "aqui não é 'O' banheiro". Do jeito que está, é lícito supor que nenhuma das duas portas leve necessariamente a algum banheiro ou até mesmo que o posto de gasolina sequer tenha banheiro. O aviso passa a sensação de legítima defesa, como a criança que adverte "não fui eu" para acusar outra (ou outras) de alguma imputação potencialmente condenatória. Mas ser banheiro não é demérito para n...

Ponga-La-Márcara! Ronaldo Wrobel.

Eu tinha sete anos quando minha tia resolveu levar a criançada para a praia e outro carro bateu na nossa traseira. Nada grave, apesar do estrago. Minha tia não teve culpa, mas o motorista do outro carro foi grosseiro com ela e a cena juntou gente. Cheguei em casa alvoroçado: meu primeiro acidente de carro! Contei os minutos para o Jornal Nacional, na esperança de ser notícia. O descaso do Cid Moreira me abalou até meu pai explicar que milhares de carros batiam uns nos outros e que acidentes só viravam notícia quando envolviam gente famosa ou muitas vítimas. Conclusão: eu deveria ficar famoso para ver meus acidentes na televisão. Enquanto a fama não chegava, tive que me contentar com dramas alheios. Terremotos, incêndios, atentados terroristas, catástrofes que deixavam o Cid Moreira triste e preocupado. Aos domingos, o Fantástico mostrava o Hélio Costa e a Sandra Passarinho de cachecol no inverno europeu, muito sérios, soltando fumaça pela boca, falando sobre Guerra Fria, mísseis n...

A Maçã de Mariana, Ronaldo Wrobel

O metrô parou na estação Botafogo enquanto a criança mordiscava a maçã no colo da mãe: come a frutinha, Mariana! Come a frutinha! Estávamos todos cansados, vagã o lotado, sete da noite. Quando o alto-falante avisou que as portas iam se fechar, a menina não perdeu tempo. Atirou a maçã lá fora. Gesto certeiro, estudado. Portas fechadas, assunto encerrado. A mãe ainda teve tempo de ver a fruta rolando na plataforma, perplexa. Nada a ser feito. O que não tem solução, solucionado está. Tchau frutinha! Risada geral. Até a mãe riu, meio constrangida. Mariana olhou a plateia, toda-toda, envaidecida. Alguém comentou qualquer coisa sobre crianças e a mãe admitiu que a menina era “terrível”. Outro alguém contou a última travessura do neto, gargalhadas de auditório. Me lembrei de um menino no ombro do pai, tempos atrás, metrô abarrotado, hora do rush. A cada freada o menino berrava: estamos chegandoooo!!! Graças a Mariana éramos uma alegre irmandade de estranhos. Em Copacabana, o v...

As Tardinhas Caem, Ronaldo Wrobel

     Há poucos anos fui convidado para um evento literário em Monte Alto, no interior paulista, e tomei um voo até Ribeirão Preto. Para meu espanto, quem me esperava no aeroporto era uma dupla sertaneja paparicada por fãs. Entre autógrafos e fotografias, os dois disseram que tinham sido contratados pelos promotores do evento literário porque trabalhavam com transportes durante a semana e só se apresentavam de sexta a domingo.      Embarcamos numa van colorida com o nome da dupla. Na estrada, carros piscavam e buzinavam para seus ídolos, que retribuíam alegremente. A emocionada cobradora do pedágio ganhou um CD de presente. Quarenta minutos depois, passamos pelo segundo pedágio e deu-se algo estranho: o cobrador não mostrou qualquer interesse pelos dois, se é que chegou a reconhecê-los. É que aqui não somos famosos, explicaram. Meus condutores só faziam sucesso no entorno imediato de Ribeirão Preto e em algumas cidades perto de Minas Gerais, numa ár...

Fábula da Cidade Mascarada, Ronaldo Wrobel

Era um lugar onde todos andavam mascarados. Ninguém podia mostrar o rosto naquela cidade, Sempre tinha sido assim e sempre seria assim. Regras são regras. Quem as violasse morreria apedrejado. Até que um dia aconteceu.      Um homem parou no meio da rua e tirou a máscara. Escândalo na cidade: aquilo nunca havia acontecido! Faltaram pedras para atirar no homem, que fugiu da multidão enfurecida. Qual fim levou? Uns disseram que tinha morrido; outros, que tinha escapado. Com ou sem vida, o homem desmascarado sumiu e a paz voltou à cidade.      Mas nada seria como antes. No princípio, o gesto do homem desmascarado serviu par assustar criancinhas até uma delas perguntar por que todos tinham de usar máscaras na cidade. Ninguém conseguiu responder.      Um dia, um grupo de pessoas decidiu se reunir para discutir ouso das máscaras na cidade. Havia um único consenso no grupo: a admiração pelo homem desmascarado. Fo...