Todo dia ela pensava apenas sobre as questões práticas da vida. Tem pão pro café? O filho devolveu o livro da biblioteca? A roupa tá passada? Os relatórios do trabalho prontos? O chefe satisfeito? O ingresso pro teatro comprado? O dinheiro na poupança? Sim, sim e sim. Era muito organizada. Tudo no esquadro. Pé mais do que no chão. Quando lia o jornal pulava sem pestanejar a seção do horóscopo. Nem sabia seu ascendente. Nunca entrava em loja de artigos esotéricos. Não amarrava fitinha só senhor do Bonfim. Aliás, amarrou só uma vez porque estava vindo de uma temporada na praia e aquele amarelo ia bem. E sem nenhum constrangimento cortou-a com a tesourinha quando começou a ficar embolada. Religião? Não tinha. A família era católica e ela gostava de cantar musiquinhas de igreja, mas nem crismada foi; quando achou que aquele mundo não fazia sentido disse "não", para desgosto da mãe e das tias, que acreditavam eu tudo. Tudo mes...