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Mostrando postagens com o rótulo injustiça

A Lei, Lima Barreto

     Este caso da parteira merece sérias reflexões que tendem a interrogar sobre a serventia da lei. Uma senhora, separada do marido, muito naturalmente quer conservar em sua companhia a filha; e muito naturalmente também não quer viver isolada e cede, por isto ou aquilo, a uma inclinação amorosa.      O caso se complica com uma gravidez e para que a lei, baseada em uma moral que já se findou, não lhe tire a filha, procura uma conhecida, sua amiga, a fim de provocar um aborto de forma a não se comprometer.       Vê-se bem que na intromissão da “curiosa" não houve nenhuma espécie de interesse subalterno, não foi questão de dinheiro. O que houve foi simplesmente camaradagem, amizade, vontade de servir a uma amiga, de livrá-la de uma terrível situação.       Aos olhos de todos, é um ato digno, porque, mais do que o amor, a amizade se impõe.      Acontece que a sua intervenção foi desastrosa e lá vem a lei...

O Julgamento da Ovelha, fábula de Monteiro Lobato

Um cachorro de maus bofes acusou uma pobre ovelhinha de lhe haver furtado um osso. - Para que furtaria eu esse osso - alegou ela - se sou herbívora e um osso para mim vale tanto quanto um pedaço de pau? - Não quero saber de nada. Você furtou o osso e vou já levá-la aos tribunais. E assim fez. Queixou-se ao gavião-de-penacho e pediu-lhe justiça. O gavião reuniu o tribunal para julgar a causa, sorteando para isso doze urubus de papo vazio. Comparece  a ovelha. Fala. Defende-se de forma cabal, com razões muito irãs das do cordeirinho que o lobo em tempos comeu. Mas o júri, composto de carnívoros gulosos, não quis saber de nada e deu a sentença: - Ou entrega o osso já e já, ou condenamos você à morte! A ré tremeu: não havia escapatória!... Osso não tinha e não podia, portanto, restituir; mas tinha vida e ia entregá-la em pagamento do que não furtara. Assim aconteceu. O cachorro sangrou-a, espostejou-a, reservou para si um quarto e dividiu o restante com os juízes famint...

María de la O Lejárraga, Talento por Tras de Um Nome Masculino

       Escreveu em silêncio, na solidão entre quatro paredes, longe dos aplausos para as peças que saíam de sua pluma. Seu nome é uma ausência, uma sombra, um vazio e uma história dolorosa. María de la O Lejárraga (San Millán de la Cogolla, 1874 - Buenos Aires, 1974) atravessou um século inteiro e foi uma dessas mulheres brilhantes e pioneiras da Idade de Prata da cultura espanhola. Romancista, dramaturga, ensaísta, tradutora, feminista e, no entanto, ausente das capas de seus livros. O nome que lemos é o de seu marido, Gregorio Martínez Sierra, que recebia elogios nas estreias de Canción de Cuna , El Amor Brujo e El Sombrero de Tres Picos , de Manuel de Falla, enquanto a autora e libretista esperava em casa.      Nestes tempos em que a história da criação parece estar reparando esquecimentos e variando a bússola do cânone oficial, a figura de María Lejárraga retorna com sede de justiça poética. A recupera...

Senhoras, Anton Tschecov

                                                            Feodor   Petrovitch, diretor dos educandários do município N..., que se tinha na conta de homem justo e generoso, certo dia recebia em seu escritório o professor Vremenski.      - Não, senhor Vremenski – dizia ele – a aposentadoria é inevitável. Com uma voz como a sua é impossível continuar no emprego de professor. Mas como foi que sumiu sua voz?      - Tomei cerveja gelada, estando suado... rouquejou o professor.     - Mas que lástima! Um homem trabalha e serve catorze anos, e de repente um azar destes! É o diabo, a pessoa ter de quebrar uma carreira por causa de um...