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Lições, Mia Couto

Não aprendi a colher a flor sem esfacelar as pétalas. Falta-me o dedo menino de quem costura desfiladeiros. Criança, eu sabia suspender o tempo, soterrar abismos e nomear as estrelas. Cresci, perdi pontes, esqueci sortilégios. Careço da habilidade da onda, hei-de aprender a carícia da brisa. Trêmula, a haste me pede o adiar da noite. Em véspera da dádiva, a faca me recorda, no gume do beijo, a aresta do adeus. Não, não aprenderei nunca a decepar flores. Quem sabe, um dia, eu, em mim, colha um jardim? - Mia Couto, em "Idades cidades divindades".  Lisboa:  Editorial   Caminho, 2007. Imagem: Regina Porto

Haverá o Dia, César Feitoza

Haverá um dia em que as flores do nosso jardim murcharão Por falta de água ou amor ou os dois E este jardim apenas existirá na minha memória pois Dele veio o nosso mais belo fruto Um rebento forte, inteligente e arguto Que prova ao mundo que o jardim não terá sido em vão. Haverá um dia em que o teu cheiro Será apenas como o cheiro de alguém na rua E que a silhueta do teu corpo inteiro Jazendo nu em meio à cama nua Será apenas um passado distante De alguém que um dia se fez teu amante Haverá um dia em que o lirismo, a dor e a poesia Não rimarão mais o amor, você e eu Não haverá sofrer e tampouco fantasia Como alguém que era cego e agora via Como um músico que tocasse com maestria E percebesse então um dia que seu público morreu Haverá um dia em que Montenegro, Russo ou Belchior Ou mesmo Chico “trocando em miúdos” Não farão mais sentido como fazem agora E ao cantar não me deixarão mudo Por que para cada arrebol tem uma aurora ...

Sexta poética - 1

Furtos Francisco Oliveira Neto (Frank) Quem você pensa que é? Que vem sentir os meus passos Na calçada Que fita os meus olhos E não diz nada Que cheira o meu perfume Sorrateiro E ronda a minha casa O dia inteiro Quem você pensa que é? Que ouve os meus pássaros Cantando Que abre a minha janela Imaginando Que debruça em minha cerca Pensativo E pisa em minha grama Sem motivo Afinal Quem você pensa que é? Que se esconde em meu jardim Que rouba a flor do meu jasmim E entrega a outra mulher