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Mostrando postagens com o rótulo Adélia Prado

Com Licenca Poética, poema de Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. Em: Bagagem Imagem: tela de Françoise Gilot A poeta mineira faz referência ao Poema das Sete Faces do também mineiro Carlos Drummond de Andrade: "Quando eu nasci, um anjo torto desses que vivem na sombre Disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida..."

Momento, poema de Adélia Prado (Prêmio Machado de Assis de 2024)

Enquanto eu fiquei alegre, permaneceram um bule azul com um descascado no bico, uma garrafa de pimenta pelo meio, um latido e um céu limpidíssimo com recém-feitas estrelas. Resistiram nos seus lugares, em seus ofícios, constituindo o mundo pra mim, anteparo para o que foi um acometimento: súbito é bom ter um corpo pra rir e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo alegre do que triste. Melhor é ser. Do livro: Bagagem. Adélia Prado é a vencedora do Prêmio Machado de Assis de 2024 Obras: Bagagem (1975) O Coração Disparado (1978) Soltem os Cachorros (1979) Cacos para um Vitral (1981) Terra de Santa Cruz (1981) Os Componentes da Banda (1984) O Pelicano (1987) A Faca no Peito (1988) Poesia Reunida (1991) O Homem da Mão Seca (1994) Duas Horas da Tarde no Brasil (1996) Oráculos de Maio (1999) Estreia do Monólogo Dona da Casa (2000) Quero Minha Mãe (2005) A Duração do Dia (2010) Miserere (2013)  

O Vestido, Adélia Prado

No armário do meu quarto escondo do tempo e traça meu vestido estampado em fundo preto. É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas à ponta de longas hastes delicadas. Eu o quis com paixão e o vesti como um rito meu vestido de amante. Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido. É só tocá-lo, e volatiza-se a memória guardada: eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão. De tempo e traça meu vestido me guarda. Fonte: Escritas

Dona Doida, Adélia Prado

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora. Quando se pôde abrir as janelas, as poças tremiam com os últimos pingos. Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema, decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos. Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, trinta anos depois. Não encontrei minha mãe. A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha, com sombrinha infantil e coxas à mostra. Meus filhos me repudiaram envergonhados, meu marido ficou triste até a morte, eu fiquei doida no encalço. Só melhoro quando chove.

Crônica de Eduardo Afonso

  Às vezes eu penso que ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém abre meu fecheclér - ops, ninguém me chama de Baudelaire. Que ninguém liga pra mim. Aí me lembro de que há quem ligue, sim. Todos os dias. Alguém de São Paulo. Que me ama em segredo, em silêncio, como um rio subterrâneo, com a delicadeza sonora das girafas. Que insiste, dia após dia, mas ainda não consegue dizer o indizível, falar do seu amor infalível que todo dia a faz digitar meu número e encontrar conforto em ver meu nome no visor do telefone. Eu, insensível, fujo desse afeto impossível. Mas ela/e/o cria um novo número a cada dia. Hoje ligou do 011 3556 4850. Ontem, do 011 3215 1350. Anteontem, do 011 3201 0663. Tresantontem, do 011 2162 3051. Não sei o que vem antes do tresantontem, mas dia 20 foi do 011 97659 0484 Dia 19, do 011 5601 9732. Dia 18, do 011 3469 7700. E assim, como a águia tentando provar a Prometeu o seu insaciável desejo, como a pedra lembrando Sísifo de que há uma razão para viver, os números se...

Nascida em 13 de dezembro: Adélia Prado

      Sem Enfeite Nenhum          A mãe era desse jeito: só ia em missa das cinco, por causa de os gatos no escuro serem pardos. Cinema, só uma vez, quando passou os Milagres do padre Antônio em Urucânia. Desde aí, falava sempre, excitada nos olhos, apressada no cacoete dela de enrolar um cacho de cabelo: se eu fosse lá, quem sabe?      Sofria palpitação e tonteira, lembro dela caindo na beira do tanque, o vulto dobrado em arco, gente afobada em volta, cheiro de alcanfor.      Quando comecei a empinar as blusas com o estufadinho dos peitos, o pai chegou pra almoçar, estudando terreno, e anunciou com a voz que fazia nessas ocasiões, meio saliente: companheiro meu tá vendendo um relogim que é uma gracinha, pulseirinha de crom’, danado de bom pra do Carmo. Ela foi logo emendando: tristeza, relógio de pulso e vestido de bolér. Nem bolero ela falou direito de tanta antipatia. Foi água na fervura minha e do pai....

Não Leio Mulheres?

                                            Me fiz essa pergunta por causa do movimento nacional "Leia Mulheres" que conheci recentemente. Na  minha lista de leitura de 2015, apenas 8 mulheres:                         Adélia Prado, Chimamanda Adichie, Doris Lessin. Elisa Lucinda, Jane Austen, Lygia F.Telles, Marianne Fredriksson, Muriel Barbery.               Por que apenas 8 de uma lista de 30 livros lidos até agora ? Sei lá! Não faço a menor ideia.  Indicação de amigos, capa, título sugestivo, autoria conhecida (os afro lusitanos, por exemplo), vários motivos me levam a um livro, JAMAIS o gênero.  Sinceramente não sei a raz...

Livro Encalhado Nunca Mais.

          Quando meus filhos ainda eram crianças, comprei uma pequena estante de livros. Era uma promoção de uma editora renomada. A pequena estante, em madeira, de aproximadamente 55cm vinha com alguns livros. Sim!  Era estante COM livros. Infantil e adulto.        Lembro que todos foram lidos por eles, sendo que os exemplares do Manual do Escoteiro Mirim fizeram mais sucesso.       De minha parte ficou um, Babbit de Sinclair Lewis, que jamais consegui chegar à metade.     Com o passar dos anos todos foram doados.         Segundo Austin Kleon, um dos segredos para ler muitos livros é não insistir em um que não esteja agradando. Na matéria que li aqui ,  ele até sugere jogar  o livro na parede.         Não cheguei a tanto com Babbit. Deixei o exemplar  num banco de  praça no b...

Rodando, Adélia Prado

Depois de muita e boa chuva, Célia voltava de Belo Horizonte para sua casa no interior do Estado. Era bom viajar de ônibus, vendo, parecia-lhe que pela primeira vez, o verde rebrotando com força. Ouviu um passageiro falando pra ninguém: que cheiro de mato! Sol farto e os moradores desses conjuntos habitacionais de caixa de papelão e zinco, que brotam como grama à margem das rodovias, aproveitavam pra esquentar o couro rodeados de criança e cachorro.     Os deserdados desfilavam, a moça e seu namorado com bota de imitação de peão boiadeiro iam de mãos dadas, com certeza à casa de uma tia da moça, comunicar que pretendiam se casar. Uma avó gorda com seu neto também passou, ela de sombrinha, ele de calcinha comprida de tergal. Iam aonde? Célia fantasiou, ah, com certeza na casa de uma comadre da avó, uma amiga dela de juventude. O menino ia sentir demai...

Brasil na Alemanha

Acabo de descobrir o quanto desconheço do cenário literário do Brasil. Constatei o fato, vendo a relação dos autores brasileiros que representarão o país na Feira de Livros de de Frankfurt (a maior do mundo).  Nesta  edição de 2013 a feira  homenageia o Brasil. Para o evento, que acontecerá em outubro, a Fundação Biblioteca Nacional, anunciou o nome dos 70 escritores que representarão o país em Frankfurt, na Alemanha. A lista contempla a poesia, o ramance, a prosa, literatura infantil, infanto -juvenil, crítica, conhecimento e biografia, quadrinhos e romance gráfico.  Desconheço mais da metade dos autores, e você? A d élia Pra d o (MG) A d riana Lisboa (RJ) Affonso Romano d e Sant'Anna (MG) Age d e Carvalho (PA) Alice Ruiz (PR) Ana Maria Macha d o (RJ) Ana Miran d a (CE) An d ré Sant’Anna (MG) An d rea d el Fuego (SP) Angela-Lago (MG) Antonio Carlos Viana (SE) Beatriz Bracher (SP) Bernar d o Ajzenberg (SP) Bernar d o Carvalho (RJ) Carlos Heitor Cony (RJ) Caro...

Retrospectiva 2011:a blogueira esqueceu (2) Adélia Prado

Amor Feinho Eu quero amor feinho. Amor feinho não olha um pro outro. Uma vez encontrado, é igual fé, não teologa mais. Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo e filhos tem os quantos haja. Tudo que não fala, faz. Planta beijo de três cores ao redor da casa e saudade roxa e branca, da comum e da dobrada. Amor feinho é bom porque não fica velho. Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é: eu sou homem você é mulher. Amor feinho não tem ilusão, o que ele tem é esperança: eu quero amor feinho. Amor Feinho deveria ter sido postado em agosto e eu esqueci de programar.