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Mostrando postagens de agosto, 2022

Essa Eu Conheço, Leandro Karnal

 “Estava à toa na vida, o meu amor me chamou, pra ver a banda passar, cantando coisas de amor.” Você sorriu e cantarolou esses versos? Provavelmente possui certa idade. Músicas revelam muita coisa da nossa trajetória e idade. Por que uma música de 1966 - que não está entre as mais elaboradas de Chico Buarque - tem o poder de me fazer sorrir? Gosto dialoga com memória, sempre. Os pratos da minha infância embasam minhas afinidades afetivas com a culinária. Minha mãe seria uma sofisticada chefe de cozinha, capaz de assombrar os grandes mestres de Paris? Não, com certeza, porém os cozinheiros franceses não me serviram feijão em um prato fumegante com um sorriso na Rua São João, em São Leopoldo (RS). Se eu tivesse sido exposto a escargots à provençal na primeira infância, teria o mesmo apreço? Não sei... Na minha infância, as lesmas nunca subiam à mesa.   Como aprendemos com Marcel Proust e sua cena famosa dos bolinhos Madeleine, o cheiro de uma comida evoca recordações e reconstrói memória

O Patife, Nelson Rodrigues

Chegou, furioso: – Vem cá, Luzia, vem cá! Foi, com a noiva, para a varanda, sentou-se lá, e apanhando um cigarro, começou: – Quero saber de ti o seguinte, é verdade que viajaste, ontem, com o Chaves, de lotação? – Por quê? – Responde. Admitiu: – Viajei, sim. É verdade. Cantuária atira fora o cigarro: – Bem. O negócio é o seguinte, tu sabes que eu não sou ciumento, não sabes? – Sei. Continuou: – Pois é. Mas tudo tem um limite. E o meu limite é, justamente, o Chaves. Tu podes viajar, de lotação, com qualquer outro; viajar de bonde, de lotação e, até, de taioba. Mas o Chaves, não. Com o Chaves não quero. – Ué! Cantuária ergue-se. Em pé com as duas mãos enfiadas nos bolsos, disse a última palavra: – O Chaves é um canalha. Basta dizer o seguinte, não respeita nem as cunhadas! O miserável Espantada com a indignação do noivo, Luzia caiu na asneira de objetar: “Mas o Chaves parece tão bonzinho!” Foi um deus nos acuda. Diante da noiva em pânico, ele armou um barulho tremendo; e repetia: “Qualqu

Vozes-Mulheres, Conceição Evaristo

A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem – o hoje – o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade. Imagem: Geledés

Voz Que Se Cala, Florbela Espanca

Amo as pedras, os astros e o luar Que beija as ervas do atalho escuro, Amo as águas de anil e o doce olhar Dos animais, divinamente puro. Amo a hera que entende a voz do muro, E dos sapos, o brando tilintar De cristais que se afagam devagar, E da minha charneca o rosto duro. Amo todos os sonhos que se calam De corações que sentem e não falam, Tudo o que é Infinito e pequenino! Asa que nos protege a todos nós! Soluço imenso, eterno, que é a voz Do nosso grande e mísero Destino!... Fonte: Cultura Genial

Minhas Leituras em 2022

O Olho Mais Azul , Toni Morrison é a leitura de setembro  do Clube Errante.  Toni Morrison foi a primeira escritora negra a receber um Premio Nobel de Literatura (1993). O que vamos ler conjuntamente em setembro é seu livro de estreia.  Ainda não conheço nada da autora e vou começar por O Olho Mais Azul.  Abaixo, todos os livros que li esse ano. Como sempre variei entre história, crônicas, romances, poesia. Literatura nacional e estrangeira, livro com edição dos anos 50  e livro bem novo. A maioria me agradou muito, de certeza ficou o aprendizado. Uns mais outros menos, mas com todos eles aprendi algo. E você? Leu algum desses? O que me diz? MEUS  LIVROS  DE 2022 really liked it really liked it really liked it really liked it

Encoberto, Natascha Duarte

  aquilo que está oculto, escondido Da janela do banheiro Antônia espia o vizinho na hora do banho outra vez. Pela pequena fresta que se forma entre o vidro basculante e a parede aparecem os olhos e o tampo da cabeça dele. Expostos também ficam o tampo da cabeça e os olhinhos dela. Os dois moram no mesmo prédio, em torres diferentes e paralelas, de forma que a dele fica de frente pra dela e assim os respectivos banheiros se contemplam à distância de alguns metros - o da menina no segundo andar, o do rapaz no primeiro. Para ver o vizinho Antônia se lança até a janela subindo no vaso sanitário e fica nas pontas dos pés. Olha sem ser vista. Os pés doem mais que a unha encravada. Latejam. Se a mãe descobrisse agora o que faria? Aos 11 anos de idade, a menina entende tudo de olhos e tampos de cabeça. E elabora teses sobre o assunto para os amigos da escola, sem, claro, revelar a fonte de tal sabedoria. Os que portam tampos redondos certamente têm olhos fartos e concordam com esse governo qu