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Mostrando postagens de março, 2023

Canção de Outono, Fernando Pessoa

No entardecer da terra, O sopro do longo outono Amareleceu o chão. Um vago vento erra, Como um sonho mau num sono, Na lívida solidão. Soergue as folhas, e pousa As folhas volve e revolve Esvai-se ainda outra vez. Mas a folha não repousa E o vento lívido volve E expira na lividez. Eu já não sou quem era; O que eu sonhei, morri-o; E mesmo o que hoje sou Amanhã direi: quem dera Volver a sê-lo! mais frio. O vento vago voltou. Imagem: Outono, Tânia Drouet

Poesias da M.P.B: Amigo É Casa, Hermínio Bello de Carvalho e Capiba

Amigo é feito casa que se faz aos poucos E com paciência pra durar pra sempre Mas é preciso ter muito tijolo e terra Preparar reboco, construir tramelas Usar a sapiência do João-de-barro Que constrói com arte a sua residência Há que o alicerce seja muito resistente Que às chuvas e aos ventos possa então a proteger E há que fincar muito jequitibá E vigas de jatobá E adubar o jardim e plantar muita flor toiceiras de resedás Não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar Que os cabelos brancos vão surgindo Que nem mato na roceira Que mal dá pra capinar E há que ver os pés de manacá Cheínhos de sabiás Sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis Choro de imaginar! Pra festa da cumieira não faltem os violões! Muito milho ardendo na fogueira E quentão farto em gengibre Aquecendo os corações A casa é amizade construída aos poucos E que a gente quer com beira e tribeira Com gelosia feita de matéria rara E altas platibandas, com portão bem largo Que é pra se entrar sorrindo nas horas incert

Vamos Conversar Sobre Incidente Em Antares: de 27/3 até 31/3

  Escrito em 1971, um dos últimos livros da obra de Érico Veríssimo,   Incidente em Antares   é marcado por um forte tom político, além de trazer características do Realismo Fantástico, já que coisas reais e irreais acontecem com a mesma naturalidade. A obra se passa em uma pequena cidade do Rio Grande do Sul, tão pequena que nem consta no mapa, Antares. Com uma linguagem irônica, perpassada de humor e ao mesmo tempo de crítica social, Érico Veríssimo traz neste romance uma análise da sociedade de Antares em uma comparação à própria sociedade brasileira. Em 1963, as famílias mais tradicionais da cidade, os Campolargo e os Vacariano, lutam pelos privilégios de sua classe oligárquica ao mesmo tempo que tem confrontos com as novas ideias políticas que estão surgindo, principalmente o comunismo, crescente na classe operária de Antares. O livro é dividido em duas partes. Na primeira parte, temos um panorama da situação política e social da cidade, os grupos políticos, a apresentação dos pe

Poema IV - O Guardador de Águas, Manoel de Barros

O que ele era, esse cara Tinha vindo de coisas que ele juntava nos bolsos - por forma que pentes, formigas de barranco, vidrinhos de guardar moscas, selos, freios enferrujados etc. Coisas Que ele apanhava nas ruínas e nos montes de borra de mate ( nos montes de borra crescem abobreiras debaixo das abobreiras sapatos e pregos engordam...) De forma que recolhia coisas de nada, nadeiras, falas de tontos, libélulas - coisas Que o ensinavam a ser interior, como silêncio nos retratos. Até que de noite pôs uma pedra na cabeça e foi embora Estrelas passavam leite nas pedras que carregava. Vagou transpedregosos anos. Se soube que atravessou Paris de urina presa. Estudou anacoreto. Afez-se com as entradas e o cheiro de ouro dos escaravelhos. Um dia chegou em casa árvore. Deitou-se na raiz do muro, do mesmo jeito que um rio fizesse para estar encostado em alguma pedra. Boca não abriu mais? Arbora em paredes podres. Em: O Guardador de Águas, Manoel de Barros, Alfaguara 2017, pág. 18 Imagem: desen

Tudo Nela Brilha e Queima, Ryane Leão

sou de manifestar aquilo que sinto gosto de sentimentos em ebulição e se alguém se assusta se acha absurda a urgência do afeto se vê como loucura carregar o coração também do lado de fora então que se afaste entre a expectativa e a monotonia escolho o agora. Em: Tudo Nela Brilha e Queima , poemas de luta e de amor. Ryane Leão,  Ed. Planeta 2017 pág.23

Primeira Leitura do Ano: Incidente Em Antares, Érico Veríssimo - 27 a 31 de março

 O romance se estrutura em duas partes. A primeira, “Antares”, conta a história dessa cidade fictícia, do início dos tempos até o presente dos fatos. A segunda, “O incidente”, narra os acontecimentos do final de 1963 e dos anos seguintes, durante e após o golpe militar de 1964. Antares começa como o “Povinho da Caveira”, nome dado por um viajante francês que, já naqueles tempos, ali encontra um representante da família Vacariano. Depois da Guerra dos Farrapos, por volta de 1860, aparece o primeiro Campolargo, representando a família rival na disputa pelo controle político do lugar. Os dois clãs viverão em conflito ao longo de gerações. A cidade obtém sua emancipação após a Guerra do Paraguai.      Ganham as ruas a campanha abolicionista e a propaganda republicana, em meio a lutas entre as famílias, que sempre tomam partidos opostos. Há mortes e episódios de truculência inominável. Mas Antares muda. Surgem jornais, usina elétrica, automóveis, o futebol conquista o seu lugar. Os filhos

Ser Poeta, Florbela Espanca

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Áquem e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma, e sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente! Imagem: caricatura de Jorge Santos

O Que Estou Lendo: Oeste, Carys Davies

  CARYS DAVIES  nasceu no País de Gales e á autora de dois livros de contos. Oeste é seu primeiro romance. Vencedora dos prêmios Frank OÇonnor e Jewood Fiction Uncovered, ela também recebeu a bolsa da Biblioteca Pública de Nova York. Atualmente vive na Inglaterra. ( orelha do livro Oeste)      Ao mesclar uma saga familiar com a história americana, Carys Davies cria um retrato impactante e singelo do amadurecimento, da amizade e da busca por um sonho.    Por meio da história do fazendeiro Cy Bellman e de sua filha Bess, conhecemos não só o deslumbramento de um ser humano diante do desconhecido, mas também o desamparo de todos que se  encontram subitamente em um mundo hostil. Ao desenvolver a mais inusitada amizade com seu companheiro de viagem nativo americano, Bellman não sabe que está também cravando o próprio destino.      A jovem Bess tem apenas dez anos quando o pai parte em busca das gigantescas ossadas encontradas no interior do país, e deve enfrentar sozinha as muitas mudanças

Anjos da Paz*, Joaquim Cardozo

Aos mortos de Lídice e de                Coventry Aos mortos de Hiroshima e                 Nagasaki                                                                  Serão os anjos da paz                                                                  Estes seres nebulosos                                                                 Surgidos da noite enorme                                                                 – Noite de luto e mortalha. . . Vestidos de dor, manchados Da lama de terra e sangue Que há nos campos de batalha? Serão os anjos da paz? Eles vieram da noite No sopro da tempestade Trazendo nas vestes negras Do lado do coração Uma camélia tão branca De um branco muito mais branco Que as asas de uma ave branca Que as asas de uma ave mansa Passando na claridade Num vôo só de esperança Sem sombra deixar no chão. Mas eles têm sobre o peito Têm sobre o peito a couraça Feita de ferro e marfim. . . Feita do plasma candente Que restringe e que amordaça. . . Feita de fluido

A Noite Estrelada, Anne Sexton - tradução Nelson Santander

A aldeia não existe, exceto quando uma árvore de cabelos escuros desliza no ar abrasador como uma mulher afogada.  aldeia está em silêncio. A noite fervilha com onze estrelas. Ó, noite estrelada! É assim que eu quero morrer. Movimento. Elas estão todas vivas. Até a lua incha em sua rigidez alaranjada para, como um deus, afastar os filhos de seus olhos. A velha serpente invisível engole as estrelas. Ó, noite estrelada! É assim que eu quero morrer: nessa fera da noite veloz, sugada por esse grande dragão, para me separar de minha vida sem qualquer bandeira, sem entranhas, sem lamento .   Texto original: The town does not exist except where one black-haired tree slips up like a drowned woman into the hot sky. The town is silent. The night boils with eleven stars. Oh starry starry night! This is how I want to die. It moves. They are all alive. Even the moon bulges in its orange irons to push children, like a god, from its eye. The old unseen serpent swallows up the stars. Oh starry starry

As Guerreiras da Esperança, Aluízio Falcão. Por que recomendo a leitura?

     O título já anuncia o teor deste livro, no qual, em mais de 300 páginas, Aluízio Falcão nos entrega grande parte da vida de mulheres extraordinárias: aquelas que construíram seus destinos visando causas nobres e com as quais ele se encontrou no exercício de sua profissão de jornalista, pessoalmente ou pelas marcas por elas deixadas na memória coletiva. Ao longo dos anos, Aluízio coletou dados, realizou pacientes e atentas pesquisas, refletiu, tirou conclusões e redigiu este excelente texto ao leitor curioso.      Já pressentindo o que o aguarda, o leitor mergulha em vastos mundos de sonhos, desejos realizados ou não, dessas 20 grandes mulheres, escolhidas entre atrizes e cantoras, como Fernanda Montenegro, Clara Nunes e Chiquinha Gonzaga; entre cientistas, como Nise da Silveira e Naíde Teodósio; pintoras como Tarsila do Amaral; políticas como Zuzu Angel, Marielle Franco e Dilma Rousseff; e educadoras como Anita Paes Barreto e Gilda de Mello e Souza. Essas e outras mulheres que fiz