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Mostrando postagens de janeiro, 2021

O Rato do Campo e o Rato da Cidade, Fábula de Esôpo.

   Um Rato do Campo convidou seu amigo, o Rato da Cidade, para jantar. Só havia ervas e grãos de trigo para comer. – Sabes, amigo, que levas uma vida de formiga? – perguntou o Rato da Cidade. – Eu, pelo contrário, tenho bens em abundância. Estão todos à tua disposição. Combinaram então um jantar na cidade. O Rato da Cidade recebeu seu amigo com os mais deliciosos alimentos. Os pratos estavam postos sobre um rico tapete. Foi uma festa. O amigo estava encantado e maldizia a sua sorte. De repente, um homem abriu a porta. Apavorados, nossos ratos correram para dentro das frestas. Passado algum tempo, voltaram devagarinho, para pegar passas de figo. Foi quando uma outra pessoa entrou no quarto. Os dois amigos mal tiveram tempo de se precipitar para dentro de um buraco. Então, o Rato do Campo, esquecendo a fome, decidiu-se: – Basta! Tu comes do bom e do melhor, mas ao preço de mil sustos. Por mim, vou continuar roendo trigo cru e cevada, mas sem ter que me defender de ninguém. Quando quisere

Monteiro Lobato, Jeca Tatu e Biotônico Fontoura

     O Biotônico Fontoura que, quando eu era criança, foi apresentado como um componente que daria “fome de leão”, possui uma grande quantidade de curiosidades relacionadas ao seu surgimento, desenvolvimento e, até mesmo, exportação. Vamos a essa boa história!      O nome Biotônico Fontoura é uma homenagem ao seu criador, o farmacêutico Cândido Fontoura. Silveira. Segundo a lenda urbana mais conhecida, ele teria criado o fortificante para sua esposa, que reclamava muito de cansaço e do físico debilitado.      Com o sucesso de seu tônico, Cândido, com 25 anos fundou em São Paulo, no ano de 1910, uma fábrica/farmácia para produzir seu remédio em uma escala um pouco maior. Vale dizer que, no começo do século XX, era normal que cada farmacêutico produzisse seu próprio remédio, sendo meio que uma “assinatura” daquele profissional. O fármaco era, entre outras coisas, rico em ferro.      Diz a história que Cândido não tinha uma ideia boa para nomear o fortificante e, ninguém menos do que José

Lugar Algum, Marcelo Valença

Eu vim de longe. Já pertenci a um lugar muito longe daqui. Hoje pertenço a lugar nenhum. Tenho minhas raízes e meus galhos e dilemas. Mas não permanecerei muito. Quando menos esperares, cá não mais estarei. Eu passei fome, vi a miséria nos olhos da minha mãe. Passei vergonha. Pobre do pobre que ousa verbalizar seus pensamentos. Sujeito subversivo sujo. Conheci cedo a velhice e a morte e entendi que uma é a liberação da outra. Viramos estrelas e paramos de pesar nas contas da casa. Deixamos de ser fardo ao atingirmos a expectativa. Morrer de fome não é digno. Morrer sem procurar seu lugar na terra também não é. Morrer sem ser capaz de cavar sua própria cova. Quem morre de fome não morre de doença. Morre de crime. Morre de genocídio de estado, premeditado, corrupto e interminável. Eu vim de longe, dizia. Já pertenci a outros lugares entre lá e aqui. Alguns me foram convite enquanto outros me foram recusa. Quando a terra não te aceita, nela não podes criar raízes. Toda terra é controlada

Moro Na Possibilidade, Emily Dickinson

Imagem: Baptistão - Jornal Estadão Casa melhor do que a Prosa  Bem superior em Portas  Em Janelas – numerosa  E Câmaras, como os Cedros  Ao olho, impenetrável  Tem por Teto sempiterno As Mansardas do Céu  Visitantes – só as leais  Sua Ocupação – é Isto  Abrir anchas as mãozinhas Pra colher o Paraíso. Do original: I dwell in Possibility A fairer House than Prose – More numerous of Windows – Superior – for Doors — Of Chambers as the Cedars – Impregnable of Eye – And for an Everlasting Roof The Gambrels of the Sky – Of Visitors – the fairest – For Occupation – This – The spreading wide my narrow Hands To gather Paradise. Em Poesia Completa , Vol. 1 Emily Dickinson Tradução: Adalberto Müller Editoras: Unicamp e UnB  Fonte: Estadão

Vó Barnabé, Antonio Neto

Debret Quando a mãe conseguia um trabalho, como diarista, para auxiliar nas despesas da casa, meu pai logo perguntava: - Quem vai ficar com as crianças? As crianças éramos eu e meus irmãos. Eu sou o filho da empregada, tenho histórias para contar. A mãe, então, partia para negociações delicadas, envolvendo preços e condições. A primeira a cuidar de nós foi a minha avó paterna, Dina. Estávamos acostumados com ela, pois morava bem perto.  A Vó Dina já era idosa e tinha lá as suas enfermidades que a idade trouxe. Ela possuía todos os traços dos indígenas dos filmes da televisão:  a cor da pele, os cabelos da cor da graúna - longos e lisos - e os traços fisionômicos dos primeiros habitantes do Brasil, como mostravam as ilustrações dos livros da escola. Naqueles dias, nos quais a Vó tomou conta de nós, aproveitávamos para ouvir as histórias da infância dela, vivida no Norte de Minas Gerais, na divisa com a Bahia. Ela gostava de ficar de cócoras. E acocorada, pintava, na tela do tempo, histó

Você Não Deve Ser Feliz o Tempo Todo, Suzana Valença

Anotei em um lugar visível para não esquecer: existem diferentes tipos de felicidade . No fim de dezembro e começo de janeiro, desejamos “feliz ano novo”, mas o que queremos dizer com “feliz”? Uma das formas de felicidade é a eudaimonia que, resumidamente, pode ser entendida como um sentimento de realização. Na newsletter de Austin Kleon , semana passada, ele recomendou um artigo do The Guardian que falava sobre um equívoco que cometemos quando pensamos sobre felicidade. O texto , assinado pelo colunista Oliver Buckerman, traz a proposta de trocarmos alegria por realização em alguns momentos. Ele diz: “Quando estiver assustado com uma escolha de vida, escolha “alargamento” em vez de felicidade. Estou em dívida com o terapeuta junguiano James Hollis pelo insight de que as principais decisões pessoais não devem ser feitas perguntando: "Isso me deixará feliz?", mas sim, "Essa escolha me aumentará ou me diminuirá?" . Somos terríveis em prever o que nos deixará felizes

Ponga-La-Márcara! Ronaldo Wrobel.

Eu tinha sete anos quando minha tia resolveu levar a criançada para a praia e outro carro bateu na nossa traseira. Nada grave, apesar do estrago. Minha tia não teve culpa, mas o motorista do outro carro foi grosseiro com ela e a cena juntou gente. Cheguei em casa alvoroçado: meu primeiro acidente de carro! Contei os minutos para o Jornal Nacional, na esperança de ser notícia. O descaso do Cid Moreira me abalou até meu pai explicar que milhares de carros batiam uns nos outros e que acidentes só viravam notícia quando envolviam gente famosa ou muitas vítimas. Conclusão: eu deveria ficar famoso para ver meus acidentes na televisão. Enquanto a fama não chegava, tive que me contentar com dramas alheios. Terremotos, incêndios, atentados terroristas, catástrofes que deixavam o Cid Moreira triste e preocupado. Aos domingos, o Fantástico mostrava o Hélio Costa e a Sandra Passarinho de cachecol no inverno europeu, muito sérios, soltando fumaça pela boca, falando sobre Guerra Fria, mísseis n

Porque Livro Lido Tem Vida, Regina Porto

      Anos atrás, disse gostar de livro de sebo. Fiz uma postagem a esse respeito e mostrei algumas imagens do que encontrei nos livros que já comprei. Santinho, dedicatórias, recibo de transferência bancária, rabiscos, destaques, exercício escolar, mofo, orelha de burro.. Para mim tudo isso faz parte da vida do livro. Por isso que gosto. O livro comprado em sebo, vem com uma história paralela. O autor difere do da capa,  conta ou deixa a entender parte de sua própria vida.         Pois descobri no Peregrina Cultural ,  que Miguel Sanches Neto,  também gosta de livros usados.  Ele, em seu Herdando Uma Biblioteca ,  diz preferir  os livros com folhas gastas, páginas amareladas das bibliotecas públicas. Não as frequento. A razão dele e a minha, são as mesmas, porém. Eu encontro o mesmo que ele nos livros de sebos.   Oito anos atrás eu divaguei nos livros que tinha na minha estante. Há cinco, voltei ao assunto dos sebos .          Ontem recebi um livro que comprei baratíssimo. Veio sem

Quis Ser O Sol, Natascha Duarte

     Para Fátima que havia acabado de se separar do marido a chuva era pouco. Entreviu na paisagem parada da manhã de sábado algo importante no ar. O que seria? Adiantou-se ao mercado com uma lista nas mãos: camarões, café de máquina, shampoo. Nada de trovão. Era manhã azul. Usou a água caída como desculpa e lavou a alma do ressentimento fluido de mulher descasada. Deixou-se molhar e foi com vagar até onde precisava ir, com moderação, porque é assim que queria viver. Tinha essa utopia com ela. Só ia se fosse feliz. Em casa fez café da manhã para tomar ao meio dia. Nem almoço bom nem ruim. A camisola ficou inteira no corpo de dia até de noite. Ninguém havia por lá pela primeira vez em anos, então aprimorou e fez nada com gosto. Sem demora viu-se brava com o mundo, lugar frio e sem compaixão. Aglutinou pensamentos pesados e em um ensaio, algo entre ser forte e fraca, entre seguir e desistir, viu que a rondavam a desconfiança e a apatia. Ficou tênue como um desmaio. Ela era igual ao senho

Mary Shelley, escreveu Frankenstein aos 18 anos

  Filha do filósofo  William Godwin  e da feminista e escritora  Mary Wollstonecraft ,  Mary Shelley ,  nasceu em 30 de agosto de 1797, em Somers Town, em Londres. Autora do clássico romance gótico,  F rankenstein : ou O Moderno Prometeu , lançado originalmente em 1818,  Mary Shelley , casou-se ainda jovem com o poeta romântico e filósofo  Percy Bysshe Shelley. Nascida  Mary Wollstonecraft Godwin , a escritora perdeu a sua mãe ainda criança, sendo criada pelo seu pai e, posteriormente, pela sua madrasta  Mary Jane Clairmont . Desde pequena, seu pai a influenciou a consumir cultura e a incentivou a escrever. Já em 1814, a jovem iniciou o relacionamento amoroso com  Percy Bysshe Shelley , um dos seguidores políticos de  William . Pouco tempo depois, o casal viajou pela Europa, ao lado da irmã adotiva de Mary, Claire Clairmont. Mais tarde, ao retornar à Inglaterra, a jovem engravidou de Percy, mas a criança veio a falecer pouco depois do parto. Em 1816, ainda de luto pela morte da filha,

Frankenstein ou o Prometeu Moderno, Introdução da Autora

Ao escolher Frankenstein para integrar   uma de suas séries, os editores de romances clássicos expressaram o desejo de que eu lhes fornecesse algumas informações sobre as origens da história. Estou disposta a atendê-los, sobretudo porque assim posso dar uma resposta geral à pergunta que me é feita com frequência: por que eu, que era então uma moça jovem, cheguei a ter uma ideia tão terrível e a desenvolve-la? É bem verdade que não me agrada muito falar  publicamente de minha intimidade, mas já que meu relato não será mais do que um suplemento para uma produção anterior e que há de se restringir  aos tópicos que dizem respeito exclusivamente à minha posição autoral, seria talvez um exagero de minha parte considera-lo uma invasão. Não é de admirar que eu, filha de duas célebres personalidades literárias, tivesse desde muito cedo inclinações para a escrita. Já fazia minhas primeiras tentativas na infância, e meu passatempo favorito durante as horas que me eram concedidas para recreação er