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Mostrando postagens de junho, 2021

Cantiga do Tomara, Padre Daniel Lima

As aves voam e as palavras. Com o tempo, todos voamos. Voo eu, tu voas, ele voa. E nos dissipamos.   Vamos, vamos e vimos choramos, rimos, sorrimos. Sem saber porque nem como, mal chegamos, e partimos.   Como? Por quê? Por onde? E onde? E quando? E daí? E o quê? E mais: com quê? Para quê, se tudo é  se ?   Se tudo é  se . Deus quisera, talvez possa, vamos ver, tomara, espero, vejamos, acho que sim, pode ser;   se é tudo assim no palpite na torcida, só com a cara, sem saber porque nem como, eu quero voar... Tomara! Leia também: Minha Mãe

Velho Caxombo Sonhou Com O Mar, José Eduardo Agualusa

  Ataque de Quissondes – um dos laboratórios experimentais do ilustre professor Carlos Eduardo Noronha de Mello e Silva Franco, na Quissama, foi completamente devastado por um ataque de formiga vermelha. Segundo o professor Silva Franco, que se encontra em Angola ao serviço da Real Sociedade Britânica de Zoologia, os quissondes devoraram uma colecção de ofídios embalsamados que lhe haviam demorado oito anos a completar. No desastre pereceu ainda o guarda do laboratório. in “A Gazeta de Loanda” de 20 de Março 1901 Na última tarde da sua vida, quando depois do costumeiro almoço de fungi e quizaca se estendeu na esteira para gozar a sesta, o velho Caxombo sonhou com o mar. Mas ao acordar já não se lembrava disso, e mesmo que se lembrasse não teria atribuído ao facto importância alguma. Para ele, que fora criado por um branco e pensava em português, o mar era apenas o mar. Assim, e até quase à hora do sol-pôr, esse dia foi para o velho Caxombo igual a todos os outros. Já há oito anos tinh

Não Sou Rosa, Natascha Duarte

Para a Mãe Aqui vai uma lembrança da minha infância. Andam a falar tanto em infância. Sei por quê. Esta é uma reação coletiva esperada quando os homens estão à beira do fim dos tempos. Tenho a impressão de que estamos vendo o mundo acabar, você não?! Eu tive uma infância e tanto, pais inseparáveis e festivos que me levavam a passear pela vida carinhosamente talhada por eles com o cuidado maior de todos. Assim, com desvelo, apresentaram-me o carnaval, solenemente, em um lindo baile matinê no Jockey Clube da cidade. Eu tinha 9 anos. Havia à época alguma tradição em bailes carnavalescos e participar de dois ou três foi um prêmio para mim. (Vão dizer que copio Clarice, a insuperável. Vão dizer? Bom para mim que não sou rosa e espero, ainda que tardiamente, pelo meu desabrochar. Ela já nasceu flor. De uma prontura pra tudo o que era coisa, sempre preparada; é possível que ela tivesse algumas dúvidas, mas eram poucas, bem poucas. Mulher daquela não titubeia). Eu não, sou a mesma do carnaval,

Estrela Azul do Céu, Gilberto Gil ( Poemas da MPB)

Do céu do meu balão De antigamente Sumiu de repente Da noite de São João Azul do céu na noite só Papel de seda faz Balão era isso Magia, feitiço Milagre que não tem mais Papel de seda azul e vermelho e amarelo E verde a cintilar Translúcido vitral O balão se elevava, súbito pairava lá no ar Ser sobrenatural Aquela estrela azul do céu O tempo carregou O tempo não falha O tempo atrapalha O tempo não tem pudor A fila anda, a vida vai Propondo a mutação Então de repente Ficou diferente A noite de São João Álbum: Fé na festa , 2010

Cordel do São João, Gustavo Dourado

São João arrasta-pé: Forró, fogueira, baião… Xote, xaxado e quadrilha… Foguete, bomba, balão… Caruaru-Campina Grande: São João bom é no Sertão… São João lá na Bahia: Na festa do interior… Irecê, Ibititá… Cruz das Almas, Salvador… Em Recife dos Cardosos: Fogueira, paz e amor… Arraiá, queima de espada: Cará, milho, animação… Festa junina e joanina: No Brasil é tradição… Santo Antônio e São Pedro: O quente é o São João… Sortes e adivinhas: Simpatia e acalanto… Pai-Nosso, Salve-Rainha: A festa é um encanto… Santo de cabeça pra baixo: Atrás da porta no canto… Crisma, batismo de fogo: Dançar e pular fogueira… Asssar batata na brasa: Cantar a Mulher Rendeira… Baião de Luiz Gonzaga: Com forró a noite inteira… Latada, pamonha, canjica: Mel, cuscuz e macaxeria… Cachaça de alambique: Cana quente de primeira… São João é no Nordeste: Pra curar a pasmaceira… Mês de junho, 24: O Dia de São João… É festa da cristandade: É antiga tradição… Até no Antigo Egito: Já tinha celebração… Pular fogueira, dança

Um Pouco Sobre As Festas Juninas

  No Brasil, desde pelo menos o século XVII, no mês de junho, comemoram-se as chamadas “ Festas   Juninas ”, que possuem esse nome por estarem associadas ao referido mês. Sabemos que, além daquilo que caracteriza tais festas, como trajes específicos, comidas e bebidas, fogueiras, fogos de artifício e outros artefatos feitos com pólvora (como bombinhas), há também a associação com santos católicos, notadamente:   São   João ,   Santo Antônio   e   São Pedro . Mas quais são   as raízes das festas juninas ? Origem das festas juninas Os pesquisadores especializados em festividades e rituais costumam apontar as origens das festas juninas nos rituais dos antigos povos germânicos e romanos. Os povos que habitavam as regiões campestres, na antiguidade ocidental, prestavam homenagens a diversos deuses aos quais eram atribuídas as funções de garantir boas plantações, boas colheitas, fertilidade etc. Geralmente, tais ritos (que possuíam caráter de festividade) eram executados durante a passagem

Com Certeza Correnteza, Letrux

com certeza já dei mais agora dou pouco a conta chega e não consigo já consegui já fui boa em 348 dividido por mesa com nove já fui nobre em brigas destemperadas já fui razoável em falhas cidadânicas já fui altruísta com desconhecidos já fui sã com quem me conduzia ao manicômio já fui elegante com mulheres competindo hoje em dia nem aqui nem na china dou conta da trolha não dou conta da vida a seco e se num dia viro álcool no outro tomo um passe semana que vem tem magnified healing até lá tiro uma carta do tarô pra saber se devo ir mesmo sábado combinei lisergia com amigues na natureza óbvio mas isso se eu não tiver um sonho ruim segunda tomo o avião rivotrilizada mas combinei um reiki e água de coco assim que chegar e de noite tem três garrafas de vinho com as meninas certamente já fui melhor em termos de vida já bati no peito mais forte e gritei que forever young i wanna be forever young mas aí a própria música me perguntou do you really want to live forever? me curo me engano me cu

A Infância, Ariano Suassuna

  Sem lei nem Rei, me vi arremessado bem menino a um Planalto pedregoso. Cambaleando, cego, ao Sol do Acaso, vi o mundo rugir. Tigre maldoso. O cantar do Sertão, Rifle apontado, vinha malhar seu Corpo furioso. Era o Canto demente, sufocado, rugido nos Caminhos sem repouso. E veio o Sonho: e foi despedaçado! E veio o Sangue: o marco iluminado, a luta extraviada e a minha grei! Tudo apontava o Sol! Fiquei embaixo, na Cadeia que estive e em que me acho, a Sonhar e a cantar, sem lei nem Rei! Fonte: Cultura Genial Imagem: Quinho ( O Estado de Minas)

A Coruja e a Águia, Monteiro Lobato

Coruja e águia, depois de muita briga, resolveram fazer as pazes.- Basta de guerra - disse a coruja. - O mundo é grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra. - Perfeitamente - respondeu a águia. - Também eu não quero outra coisa. - Nesse caso combinemos isto: de agora em diante não comerás nunca os meus filhotes. - Muito bem. Mas como posso distinguir os teus filhotes? - Coisa fácil. Sempre que encontrarem uns borrachos lindos, bem-feitinhos de corpo, alegres, cheios de uma graça especial que não existe em filhotes de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus. - Está feito! - concluiu a águia. Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três mostrengos dentro, que piavam de bico muito aberto. - Horríveis bichos! - disse ela. - Vê-se logo que não são os filhos da coruja. E comeu-os. Mas eram os filhos da coruja. Ao regressar à toca, a triste mãe chorou amargamente o desastre e foi ajustar contas com a rainha das aves. - Quê? - disse est

Futuro Longe, Marcelo Valença

Somos passado Estilhaços de histórias como pó de memória revoada em fina névoa ressoada na lembrança Quisera meu futuro hoje fosse, sobre que legados haveriam de pisar meus descendentes? Eis que somos, todos nós apenas passado, algoz. Feitos dos sonhos antepassados Costurados das suas honras servis seus medos sutis seus méritos pueris seus atos vis Tudo o que teimaram embevecidos em plantar raiz Quisera eu fazer o mesmo — e quero sobre que caminhos farei mansos os passos dos meus descendentes? Pois somos contudo futuro longe Retalhos das nossas histórias Enredos de vidas diárias renovados na suave esperança de quem deseja voltar a ser assim porvir Conheça o autor

Clube Errante. Leitura de Junho: Timbuktu, Paul Auster

     Mr. Bones sabia que Willy já não ia andar muito tempo neste mundo. A tosse não o largava havia mais de seis meses e agora é que ele já não tinha nem a mais remota hipótese de se ver livre dela. Lenta e inexoravelmente, sem nunca dar mostras de abrandar, a coisa ganhara uma vida própria, avançando de uma vaga farfalheira nos pulmões, cheia de muco, no dia 3 de Fevereiro, para as convulsões escarrentas e os arquejantes terramotos de monco e pus, no pino do Verão. Tudo isso já era suficientemente mau, mas, nas duas últimas semanas, infiltrara-se na música brônquica uma nova tonalidade — uma coisa tensa, silicosa, percussiva — e os ataques sucediam-se agora com tal frequência que eram quase constantes. Sempre que um desses ataques começava, Mr. Bones ficava quase à espera que o corpo de Willy explodisse à mercê daqueles paus de dinamite que rebentavam na sua caixa torácica. Imaginava que o sangue seria o próximo passo. Quando esse momento fatal finalmente chegou, na tarde de sábado, f

Conhecendo e Recomendando Novos Autores: Ladyce West

     Conheci Ladyce West  há mais de uma década no bom e velho Orkut. Grande leitora e dona de um blog formidável que criou para compartilhar cultura Ladyce West é ativa no grupo de leitura Livro Errante até hoje. Dá ótimas indicações, posta no blog resenhas muito interessantes. Não sabia, apesar de tanto tempo de convívio,  que tinha o talento da poesia.  Quando me mostrou os originais do livro À Meia Voz tive uma surpresa enorme! Na verdade degustar o livro   me deu  foi uma felicidade misturada com orgulho.     Falei de À Meia Voz, aqui no blog  e no começo deste ano postei Cerimônia Matinal , um dos belos poemas  do livro A primeira edição do livro está esgotada, mas já tem outra saindo brevemente.  Recomendo a leitura.  Encomende seu exemplar                                                 Amazon   Livraria Travessa   Ed. Autografia

Orquídea Selvagem, Natascha Duarte

Anete me desencoraja a escrever. Vulgar demais. Sempre falando alto. Dizem que se deita com qualquer um. É verde quando passa na rua e toda gente olha, mulheres, homens, crianças até. É que tem balanço aquele quadril, e carne, muita carne fresca. Gente madura não é assim, não tem carne e é preferível passar despercebido quando se é velho. Anete não, ela quer uma vitrine para se colocar perenemente. A conheço de vista desfilando a intimidade que tem consigo mesma pelas ruas do bairro. Pelas ruas do bairro ela se conhece no jeans apertado com detalhes rasgados que evidenciam suas coxas morenas e duras. Ah, Anete, se você não era assim eu fosse sua! Meu Deus, o que estou dizendo? Léguas nos diferenciam. Eu sou uma dama elegante que quase não mais se vê. Ela é o dedo de Deus na ferida do homem. Valha-me! Valha-me! Esse licor. Esse calor. Esse tudo dentro de mim. É porque eu sou sem me conhecer que estou assim confusa. É porque quando chove e vou me deitar Anete se junta a mim. É por

Emergência e Relógio, Mário Quintana

  Emergência Quem faz um poema abre uma janela. Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela. Por isso é que os poemas têm ritmo — para que possas profundamente respirar. Quem faz um poema salva um afogado. Relógio O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família.

30 Melhores Livros Infantis de 2021, Revista Crescer

 Os melhores de 2021 -  de 6 meses a 4 anos: Tralalá Tem Trem , Gilles Eduar Jujuba Editora A partir de 6 meses   Em 2007, chega à França um livro sanfonado sobre um casamento um tanto maluco. A cerimônia propriamente dita não conseguimos ver, mas a diversão está em observar noivos e convidados na ida e na volta (no verso das páginas). Se na ida o leitor observa tudo contando de 1 a 10, na volta, a ressaca é clara, tudo parece um tanto bagunçado e o desafio é ver se os convidados estão todos no trem.  A Caçada, Guilherme Karsten  Harperkids/Leiturinha A partir de 18 meses A imagem da capa parece assustadora, e junto com o nome do livro, como prever algo bom? Encare mesmo assim, afinal, trata-se de uma obra de um autor que está conquistando prêmios aqui e fora do Brasil. Guilherme Karsten nos apresenta um sapo aflito na página esquerda e uma só palavra na da direita: “Corra.” Conforme continuamos a folhear, mais tensão, sempre no mesmo projeto gráfico, e uma porção de animais se escond