Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de novembro, 2021

A Lei, Lima Barreto

     Este caso da parteira merece sérias reflexões que tendem a interrogar sobre a serventia da lei. Uma senhora, separada do marido, muito naturalmente quer conservar em sua companhia a filha; e muito naturalmente também não quer viver isolada e cede, por isto ou aquilo, a uma inclinação amorosa.      O caso se complica com uma gravidez e para que a lei, baseada em uma moral que já se findou, não lhe tire a filha, procura uma conhecida, sua amiga, a fim de provocar um aborto de forma a não se comprometer.       Vê-se bem que na intromissão da “curiosa" não houve nenhuma espécie de interesse subalterno, não foi questão de dinheiro. O que houve foi simplesmente camaradagem, amizade, vontade de servir a uma amiga, de livrá-la de uma terrível situação.       Aos olhos de todos, é um ato digno, porque, mais do que o amor, a amizade se impõe.      Acontece que a sua intervenção foi desastrosa e lá vem a lei, os regulamentos, a polícia, os inquéritos, os peritos, a faculdade e berram:

Uma Casa Muito Engraçada, Natascha Duarte

Tenho prestado mais atenção nas coisas ao meu redor. Por exemplo, do meu lado direito tem uma árvore centenária que ainda não tem nome mas tem carinha de Angélica. À minha frente tem uma casa e nela uma enorme mesa de vidro que eu chamo de mesa da coragem. Do meu lado esquerdo tem um coração que está assustado como quase sempre, e se encontra no meio de uma reforma das paredes. Os móveis seguem o coração de um cômodo ao outro, curiosos, articulados, parecem ter pernas vivas. Fazem como as coisas em cima do vidro da mesa. Fotos, livros, CDs, quadros, um aparelho de dentes em uma caixinha cor-de-rosa. Todos contam histórias. Os móveis contam mais, contam histórias de outros. São os móveis de minha mãe e pai quando eles se casaram, madeira maciça, retorcida, envernizada, com cara de império. Ao fundo de onde estou tem uma cadela latindo. A encontrei na rua, intestino pra fora, quase uma morte em vida. Depois do resgate e de botar pra dentro o intestino, duas vezes, a pequena desenvo

O Rio Capibaribe Um Gigante Pernambucano, Roberto Celestino

                                                         Bem na Vila do Araça Município de Poção, Serra do Jacarará Pra banhar a região, Vai se ver nascer um rio Que terá mil desafios Pra cumprir sua missão.                   Corre todo em Pernambuco Esse rio abençoado, Que de  Capibara-ybe Pelos índios foi chamado. E o rio de águas claras Se tornou das Capivaras Assim fora batizado.                        Ele tímido desce a serra Inicia a jornada, Muito tem a percorrer Nessa sua caminhada. Logo chega a Jataúba, E depois que lhe saúda Vai-se embora em disparada. Inda há quarenta e um Municípios pra passar, Banhará muitas cidades Que estão a lhe esperar. E em grande serpenteio, Segue ele seu passeio Ansioso em ver o mar.                 Em suas margens viu nascer, E crescerem muitas vidas, Vilas foram se formando Ali eram acolhidas.  Daquelas comunidades Muitas hoje são cidades, Umas bem desenvolvidas.                 Pelo Rio Capibaribe Os nossos índios cresceram, No Rio das Capivaras

Poemas da M.P.B:Cidade Enluarada, Haidée Camelo Fonseca

A luz que veste esta cidade enluarada é a mesma luz que me habita e vive em mim. revela noites serenadas nas calçada atravessadas pelo cheiro do jasmim A igrejinha tão singela aponta o alto e faz a ponte entre o pai e o pecador leva promessas, queixas, súplicas e preces que, aos pés do altar, os penitentes vão depor Troca de olhares no ensaio dos amores por entre as flores da pracinha da matriz no perigoso e sempre doce aprendizado certeza incerta de um dia ser feliz O coração em descompasso faz concerto com o trenzinho que apita na estação o cheiro sonho de maçã invade a vida o pai chega traz espantos de outro chão Crianças brincam, acordando esperanças a mãe na porta avisa a hora de entrar minha cidade, tão pequena, tão serena dorme em meu peito sem ter hora pra acordar Música: Zé Renato Letra: Haidée Camelo Fonseca. Imagem: Mapio

A Página Que Estou Lendo: Pedidos x Exigências

Pedidos são recebidos como exigências quando os outros acreditam que serão culpados ou punidos se não os atenderem. Quando as pessoas nos ouvem  fazer uma exigência, elas enxergam apenas duas opções: submissão ou rebelião. Em ambos os casos,  a pessoa que faz o pedido é percebida como coercitiva, e a capacidade do ouvinte de responder compassivamente ao pedido é diminuta. Quanto mais tivermos culpado, punido ou acusado os outros quando não atenderam  a nossas solicitações no passado , maior será a probabilidade de que nossos pedidos sejam agora entendidos como exigências . Também pagamos pelo uso dessas táticas pelos outros.  Quanto mais as pessoas que fazem parte de nossa vida  tiverem sido acusadas , punidas ou forçadas  a sentirem-se culpada por não fazerem  o que os outros  pediram, mais provavelmente  elas levarão essa bagagem a todo relacionamento posterior e ouvirão  em cada solicitação uma exigência. Vejamos duas variações de uma mesma situação. José diz a sua amiga Maria: &qu

A Peste, Albert Camus - primeiras páginas.

     Na manhã de um dia 16 de abril dos anos de 1940, o doutor Bernard Rieux sai do seu consultório e tropeça num rato morto no meio do patamar. Nesse momento, afastou o bicho sem lhe prestar atenção e desceu a escada. Chegando à rua, porém, veio-lhe a ideia de que esse rato não estava no seu lugar e voltou atrás para prevenir o porteiro.  Perante a reação do velho Michel, sentiu melhor o que a sua descoberta tinha de insólito. A presença desse rato parecera-lhe apenas estranha, enquanto para o porteiro ela constituía um escândalo. A posição deste último era, aliás, categórica: não havia ratos em casa.  Por mais que o médico lhe afirmasse que havia um no patamar do primeiro andar e, provavelmente, morto, a convicção de Michel permanecia íntegra. Não havia ratos na casa, e era, pois, necessário que tivessem trazido aquele de fora. Em resumo, tratava-se de uma partida.      Nessa mesma noite, Bernard Rieux, de pé no corredor de edifício, procurava as chaves antes de subir para sua casa,

Fábulas de Monteiro Lobato: O Touro e as Rãs

Enquanto dois touros furiosamente lutavam pela posse exclusiva de certa campina,  as rãs novas, à beira do brejo, divertiram-se com a cena. Um rã velha, porém, suspirou. - Não se riam, que o fim da disputa vai ser doloroso para nós. - Que tolice! - exclamaram as rãzinhas. - Você está caducando, rã velha! A rã velha explicou-se: - Brigam os touros. Um deles há de vencer e expulsar da pastagem o vencido. Que acontece? O animalão surrado vem meter-se aqui em nosso brejo e ai de nós!... Assim foi. O touro mais forte, à força de marradas, encurralou no brejo o mais fraco, e as rãzinhas tiveram de dizer adeus ao sossego. Inquietas sempre, sempre atropeladas, raro era o dia em que não morria alguma sob os pés do bicharoco. É sempre assim: brigam os grandes, pagam o pato os pequenos.

Num Monumento à Aspirina, João Cabral de Melo Neto.

Claramente: o mais prático dos sóis, o sol de um comprimido de aspirina: de emprego fácil, portátil e barato, compacto de sol na lápide sucinta. Principalmente porque, sol artificial, que nada limita a funcionar de dia, que a noite não expulsa, cada noite, sol imune às leis da meteorologia, a toda hora em que se necessita dele levanta e vem (sempre num claro dia): acende, para secar a aniagem da alma, quará-la, em linhos de um meio-dia. Convergem: a aparência e os efeitos da lente do comprimido de aspirina: o acabamento esmerado desse cristal, polido a esmeril e repolido a lima, prefigura o clima onde ele faz viver e o cartesiano de tudo nesse clima. De outro lado, porque lente interna, de uso interno, por detrás da retina, não serve exclusivamente para o olho a lente, ou o comprimido de aspirina: ela reenfoca, para o corpo inteiro, o borroso de ao redor, e o reafina. (Educação Pela Pedra- 1966)

Lambari de Piscina, Gilberto Amendola

     Quando ela chega na hidroginástica, minha alma parece que vai sair do corpo. Na minha idade, meu medo é que ela, a alma, não volte. Mas cá estou eu, um lambari de piscina, acompanhando com os olhos a caminhada da musa até a escadinha que vai dar na água.      Ela molha os pulsos para sentir a temperatura. Alguns de nós pode ter feito um xixi involuntário na piscina – o que, convenhamos, ajuda a sustentar essa sensação morna e agradável.      Gosto da touquinha protegendo o cabelo pintado. Gosto do maiô meio anos 50. Minha falecida usava um igual. Gosto demais do jeito em que ela arruma os óculos de natação atrás da orelha. A última vez que eu a vi foi quando? Acho que uns quinze dias antes de fechar tudo. Será que alguém notou que o meu coração está disparado? Vou submergir para disfarçar.      No começo da pandemia eu ainda mandava umas mensagens no WhatsApp dela. Eram recados inocentes, coisas como “bom dia”, “boa noite” e notícias sobre a covid que eu repassava sem ler.       

Revelação, Ladyce West

 É mágica. Parece. Não sei de onde vem. Basta sentar. Limpar a mente ter silêncio e deixar vir. Não bem ao acaso. Como na pesca, o peixe não vem à sua mão. A intenção precisa estar lá o intuito demonstrado no anzol. Na isca. A sorte, então, determina o que vai subir, chegar à tona: frase, pensamento, preocupação recôndita. Pergunta intermitente sentimento sem nome a lágrima engolida humor ocasional. Escrever é isso desnudar-me Fazer sentido do caos Falar à meia voz para não acordar os pássaros, para não agitar águas turvas, para não trincar a frágil redoma que encerra minha existência. Em: À Meia Voz , Ladyce West, 2020, pág.9

Hoje no Clube do LivroErrante: A Dama das Camélias

Nossa penúltima leitura coletiva do ano é o clássico de Alexandre Dumas Filho, A Dama das Camélias. Logo mais às 20h pelo meet, colegas de cidades diversas vamos aprender umas com as outras sobre o autor e o belo romance escrito em 1848 A peça que foi adaptada pelo próprio Alexandre Dumas Filho , foi encenada pela primeira vez no Theatre de Vaudeville  quatro anos depois. Fez imenso sucesso    e o  compositor Verdi  compôs uma obra com base na peça. Mudou o nome de Marguerite Gautier (do romance) para Violetta Valéry e no ano seguinte à estreia da peça, levou aos palcos parisienses a ópera La Traviata. Desde sua estreia a peça já foi encenada inúmeras vezes em diversas cidade.  Já foi também transformada em filme e teve adaptações para a televisão também.   Recentemente descobri que Caetano Veloso canta uma música de autoria de Alcyr Pires Vermelho e Braguinha, com o nome do romance.  Veja a letra e a música ouça, clicando no título: A Dama das Camélias A sorrir você me apareceu E as

O Que Estou Lendo? Viagem Ao Centro da Terra, Júlio Verne

  O professor  Lidenbrock  descobre um manuscrito do século XII e fica obcecado por decodificá-lo, mas é seu sobrinho e assistente  Axel  quem acaba conseguindo descobrir a mensagem do pergaminho. Basicamente diz que ao se seguir determinados passos, é possível chegar o centro da terra. Lidenbrock prepara imediatamente essa expedição, enquanto Axel o segue praticamente arrastado. Os dois empreendem uma jornada até a Islândia, onde contratam o terceiro personagem de nossa história, seu guia e salvador de tudo,   Hans,   para então começarem a descer até as entranhas do planeta. O livro é narrado por Axel, em forma de diário de viagem e, como eu disse, achei bem divertido de acompanhar essa história basicamente pelo humor involuntário causado pelo seu desespero ao não querer de forma alguma ir nessa jornada maluca e, também, pela forma com a qual Hans, sempre calado e em segundo plano, é o responsável por manter esses cientistas vivos. O homem é quase um robô e resolve tudo! O professor

Amigo Oculto 2021: Minhas Escolhas.

 Mais uma vez brincamos de Amigo Oculto. O grupo de leitura se presenteia com livros há quase uma década.  A brincadeira é formidável, porque além da gente ganhar livros que gostaríamos de ler, algum tempo depois vários dos títulos passam a ser emprestados aos demais colegas.  Adoramos fazer Amigo Oculto.   Esse ano, as minhas sugestões foram: Arrancados da Terra, Lira Neto. Em setembro de 1654, um grupo de 23 refugiados desembarcou em Nova Amsterdam, colônia holandesa na costa oriental da América do Norte. Eram homens e mulheres, adultos e crianças, possivelmente sobreviventes de uma odisseia iniciada meses antes nas praias de Pernambuco. Exaustos, esfarrapados e sem dinheiro, fugiam da Inquisição, reavivada nas capitanias do Nordeste depois da vitória luso-brasileira na guerra contra a ocupação holandesa. Os primeiros judeus da ilha de Manhattan, assim como seus parentes e antepassados sefarditas ibéricos, enfrentaram uma sucessão dramática de dificuldades e privações até encontrar