Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de julho, 2021

O Leão e o Rato, Millor Fernandes - fábula

       Depois que o Leão desistiu de comer o rato porque o rato estava com espinho no pé (ou por desprezo,mas dá no mesmo), e, posteriormente, o rato, tendo encontrado o Leão envolvido numa rede de caça, roeu a rede e salvou o Leão (por gratidão ou mineirice, já que tinha que continuar a viver na mesma floresta), os dois, rato e Leão, passaram a andar sempre juntos, para estranheza dos outros habitantes da floresta (e das fábulas). E como os tempos são tão duros nas florestas quanto nas cidades, e como a poluição já devastou até mesmo as mais virgens das matas, eis que os dois se encontraram, em certo momento, sem ter comido durante vários dias. Disse o Leão: – Nem um boi. Nem ao menos um paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como hors-d’oeuvres de uma futura refeição. Caiu estatelado no chão, irado ao mais fundo de sua alma leonina. E, do chão onde estava, lançou um olhar ao rato que o fez estremecer até a medula. “A amizade resistiria à fome?” – pensou ele. E, se

As Flores, Leon Eliachar

Há dois meses que Iracema recebia flores, sem cartão. Colocava tudo nas jarras, vasos, copos; mesas, janelas, banheiro e até na cozinha. Quando o marido lhe perguntava por que tantas flores, todos os dias, ela sorria: — Deixe de brincadeira, Epitácio. Ele não percebia bem o que ela queria dizer, até que um dia: — Epitácio, acho bom você parar de comprar tanta flor, já não tenho mais onde colocar. Foi aí que ele compreendeu tudo: — O quê? Você quer insinuar que não sabia que não sou eu quem manda essas flores? Foi o diabo, ela não sabia explicar quem mandava, ele não conseguia convencê-la de que não era ele. — Um de nós dois está mentindo — gritou, furioso. — Então é você — rebateu ela. No dia seguinte, de manhã, ele decidiu não sair, pra desvendar o mistério. Assim que as flores chegassem, a pessoa que as trouxesse seria interpelada. Mas não veio ninguém: — Já são duas horas da tarde e as flores não chegaram, Epitácio. É muita coincidência. Vai me dizer que não era você. Ele não tinha

Gato Ingrato, Natascha Duarte

      Era uma vez um gato. Um, não. Dois. Era uma vez dois gatos que foram levados por uma bela garota ao castelo de um belo amigo que mais parecia um príncipe encantado. Ela achara os filhotes em uma casa mal assombrada. O garotão adorou os pequenos. A mãe do menino não e ficou muito, muito brava. Desde que se mudaram para o novo reino por lá apareceram gatos de tudo que é modelo, com filhotes, atrás de gatas, umas no cio, outros magrelos, desnutridos e interesseiros... A experiência traumatizara a jovem rainha. Devolvam os gatos, ordenou. Hoje ainda. E não voltou atrás, fria e enojada pelas fezes e caixinhas de areia, preocupada com a ração a preço de picanha (sim, rainhas também!), avessa às idas ao veterinário, castração, remédios, vacinas. Que coisa! O príncipe e seu irmão devolveram os bichos e a paz reinou no castelo até que, dias após a visita, a família vê um dos gatos espatifado na rua. Cachorro ou carruagem? não souberam precisar. O remorso, o arrependimento, a culpa e a rai

Agora Eu Quero Falar de Flores, Raquel de Queiroz

     Flor tem moda como roupa de mulher. E as plantas do tempo antigo, flores, folhagens e ervas de cheiro, ninguém as cultiva mais. Agora são só aqueles estúpidos fícus italianos que parecem feitos de plástico, os antúrios e até tulipas. Hoje em dia, principalmente nas cidades grandes, acabaram-se os manjericões. E as manjeronas, e as alfavacas e de modo geral todas as ervas cheirosas. Quem é que ainda planta alecrim? Quem é que ainda conhece malva-rosa? Rosas, já cultivei rosas quando morava na Ilha do Governador, e era um problema obter mudas das velhas rosas tradicionais dos jardins brasileiros. Rosas Paul-Neron que o povo chama de Palmeirão, Rosa Amélia com seu tom de rosa-claro, verdadeiro cor-de-rosa. Rosas de cacho com que as moças gostavam de enfeitar os cabelos. Rosas mariquinhas, que em linguagem de catálogo, se chamam com um nome horrível - floribundas - e que hoje só aparecem nas suas variedades mais complicadas. Rosas príncipe-negro, como se feitas de veludo sombrio. E d

Pedaços de Vida Jamais Desvendados, Ignácio de Loyola Brandão

     No final dos anos 1950, em Araraquara, Mister Pimenta, professor de inglês, teve um gesto generoso.  Toda terça-feira à noite, ele dava uma aula gratuita de reforço de inglês. Classe lotada. Por semanas, lá estive, por interesse na língua e em uma loirinha, a Gilda. O ritual da paquera, na época chamado flerte, era longo, exigia paciência. Em geral, começava no footing, com as mulheres caminhando na calçada entre os dois cinemas e os homens parados no meio-fio. Olha que olha, olha que olha, até que o olhar era correspondido. O footing acontecia aos sábados e domingos. Primeira semana, segunda, terceira, um encontro era marcado e aí dependia de você. As aulas de terça-feira acabavam funcionando como um dia a mais para nos favorecer. Uma noite, consegui descer a escada ao lado de Gilda. Emocionado, sabia que aquela era a chance. Conversamos um pouco, elas tinham horário para regressar à casa, 10 da noite. A certa altura, consegui encaixar a frase, “gostaria de namorar contigo, parec

Sonho, Ladyce West

Sapatilha de cetim  rosa, mágica. r Nos pés da menina, flutua. Passe para o sonho, bilhete para outra vida. Ela dança esvoaça na esperança. Borboleta-menina, trêmula no desejo, pousa no palco. Vacila, hesita, titubeia, enrijece e não cai, não perde a visão do futuro do objetivo final: voar. Apoiada em sonhos, levada pelo desejo, desafia a física e os deuses. Uma chama de rebeldia, um lampejo de independência firma-se na maciez do cetim rosa inquieta.  Em: À Meia Voz , Ladyce West Imagem: Owaldo Ibañez - Unsplash

A Morte da Tartaruga,

     O menininho foi ao quintal e voltou chorando: a tartaruga tinha morrido. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau (tinha nojo daquele bicho) e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo. Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe a princípio ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino. “Cuidado, senão você acorda seu pai.” Mas o menino não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, queria aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho, um velocípede, lhe prometeu, por fim, uma surra, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação.      Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro e veio, estremunhado, ver de que se tratava. O menino mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse: “Está aí assim há duas horas, chorando que nem malu

Entrevista Com o Corona, Miguel Duarte

_ Agora que já voltamos do intervalo, Sr. Corona, você gosta de viajar? _ Claro, eu gosto muito, já viajei o mundo todo. _ Interessante! Me conte quais países você mais gostou de conhecer? _ Gostei muito da Itália, já fui lá várias vezes, gosto muito da Índia, dos EUA e do Brasil. _ Uau, você realmente conhece vários países, hein! Continuando, você deve ter aprendido muito, como são as pessoas do mundo? _ Ah, como eu já entrei em milhões de pessoas eu percebi que algumas são inteligentes, outras tão burras que acham que nada vai acontecer. _ Você deve saber muito do Brasil, me fale sobre lá. _ Bom, o Brasil é um ótimo país, algumas pessoas ficam preocupadas comigo, outras nem se importam, eles têm um presidente super incompetente! Ele finge estar tudo bem. _ Caramba, fale-me agora sobre a sua origem. _ Eu nasci na China, a minha mãe era um morcego, o meu pai, um humano faminto e desnutrido, infelizmente meu pai matou minha mãe para se alimentar, e foi aí que eu nasci. _ Sinto muito pel

Relógio, Tic Tac e O Tempo, Mário Quintana

Relógio O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família . Tic-Tac Esse tic-tac dos relógios é a máquina de costura do Tempo a fabricar mortalhas. O Tempo A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo... Quando se vê, já é 6ª-feira... Quando se vê, passaram 60 anos! Agora, é tarde demais para ser reprovado... E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade, eu nem olhava o relógio seguia sempre em frente... E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Minhas Leituras 2021.1

it was amazing Li poucos livros no semestre passado mas todos eles me proporcionaram momentos muito bons. Aprendi muito com cada um.  Frankenstein foi uma gratíssima surpresa. Doce Gabito revela um autor brasileiro formidável. Recomendo os dois livros.  Urupês , foi minha estreia na literatura de Monteiro Lobato autor de quem eu nunca tinha lido absolutamente nada.  Jordi Sierra em Kafka e a Boneca Viajante escreve uma história tão doce!  Aluízio Falcão, no Memorial traça perfil de várias pessoas muito importantes mas que não tiveram reconhecimento quando ainda vivos. Vale muito a leitura.  Recomendo, talvez pela milésima vez, a leitura do bem cuidado livro de Malu Gaspar:  A Organização, a Odebrecht e o Esquema de Corrupção Que Chocou o Mundo.   Choca, surpreende, entristece o leitor, porém esclarece muitos fatos de nossa história recente.