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Mostrando postagens com o rótulo Gabriel Garcia Márquez

O Verão da Senhora Forbes, conto de Gabriel García Márquez

     De tarde, de regresso à casa, encontramos uma enorme serpente-do-mar pregada pelo pescoço no batente da porta, e era negra e fosforescente e parecia um malefício de ciganos, com os olhos ainda vivos e os dentes de serrote nas mandíbulas escancaradas.      Eu andava, na época, com uns nove anos, e senti um terror tão intenso diante daquela aparição de delírio que fiquei sem voz. Mas meu irmão, que era dois anos menor que eu, soltou os tanques de oxigênio, as máscaras e as nadadeiras e saiu fugindo com um grito de espanto. A senhora Forbes ouviu-o da tortuosa escada de pedras que trepava pelos recifes do embarcadouro até a casa e nos alcançou, arquejante e lívida, mas bastou que visse o animal crucificado na porta para compreender a causa do nosso horror. Ela costumava dizer que quando duas crianças estão juntas, ambas são culpadas do que cada uma fizer sozinha, de maneira que repreendeu a nós dois pelos gritos de meu irmão, e continuou recriminando noss...

Essa Baguncinha. As Nossas Leituras

Essa baguncinha aí de cima é só pra dar uma ideia do que nosso grupo, iniciado no velho Orkut, está lendo. Nossa pequena turma de leitoras pede e envia e devolve livros pelos correios. Unidas exclusivamente pelo prazer da leitura seguimos pacificamente há 11 anos e desde janeiro quando um livro não tem mais nenhuma leitora enviamos para a cidade de Tomé Açu, para que continue cumprindo seu papel. 

Me Alugo Para Sonhar, Gabriel García Márquez

     Às nove, enquanto tomávamos o café da manhã no terraço do Habana Riviera, um tremendo golpe de mar em pleno sol levantou vários automóveis que passavam pela avenida à beira-mar, ou que estavam estacionados na calçada, e um deles ficou incrustado num flanco do hotel. Foi como uma explosão de dinamite que semeou pânico nos vinte andares do edifício e fez virar pó a vidraça do vestíbulo.           Os numerosos turistas que se encontravam na sala de espera foram lançados pelos ares junto com os móveis, e alguns ficaram feridos pelo granizo de vidro. Deve ter sido uma vassourada colossal do mar, pois entre a muralha da avenida à beira-mar e o hotel há uma ampla avenida de ida e volta, de maneira que a onda saltou por cima dela e ainda teve força suficiente para esmigalhar a vidraça.     ...

Desafio do Facebook 2: Não Li, Não Quero Ler, Ninguém Leu.

Meu segundo desafio do Facebook veio de Antônio Neto, um colega de leituras. Ele me mostrou suas escolhas e pediu as minhas: 1- Nunca li :  Antônio diz que   nunca leu Agatha Christie Eu :   Também não li. 2 - Não sinto vontade de ler :  Antônio : Sidney Sheldon Regina :  Proust e Gilberto Freire. Casa Grande e Senzala nunca me atraiu e o que comprei:Modos de Homem e Modas de Mulher, continua na minha estante. Gilberto Freire, me desculpe. 3 - Ninguém que eu conheça leu, mas eu gosto : Antônio : "Pés como os da corça nos lugares altos", de Hannah Hurnard Regina :  aqui não lembrei nenhum livro nessas condições. 4 - Último que li :  Antônio :Tempo de Chuva - de Carlos Almeida Regina :  Meu último livro foi: Quarenta Dias , Maria Valéria Rezende.  Narrativa do mergulho de 40 dias de Alice perdida numa periferia empobrecida que ela não conhece, à procura de um rapaz que ela não sabe ao certo se existe. Ali...

Fatita de Matos, a amante infeliz. José Eduardo Agualusa

                                                                 Na ampla sala de visitas da casa  de Fatita de Matos, Mana Fatita, como é mais conhecida, na Restinga do Lobito há cinco retratos a óleo, com um metro por 1,5 metro. Em todos eles Fatita de Matos está sentada  no mesmo cadeirão de verga, quase em idêntica posição, com um livro no regaço. A primeira tela foi pintada em 1946. Fatita tem vinte anos, ainda é virgem, e está a ler Amor de Perdição , de Camilo Castelo Branco. Na segunda tem trinta anos, quatro filhos ilegítimos, e está a ler Amor de Perdição . Na terceira  tem quarenta anos, veste de preto pela morte de filho mais novo, e está ...

Uma Alma Aberta a Ser Preenchida Em Castelhano, Gabriel García Márquez

Pronunciamento feito em Cartagena das Índias, Colômbia,26 de março de 2007 Diante das Academias de Língua e dos reis de Espanha. Por ocasião da abertura do IV congresso Internacional da Língua. O autor era homenageado por seus 80 anos de idade,40 anos da publicação de Cem Anos de Solidão e 25 anos do Prêmio Nobel.                  Uma Alma Aberta Para Ser Preenchida Em Castelhano           Nem no mais delirante dos meus sonhos, nos dias em que escrevia Cem Anos de Solidão, cheguei a imaginar que poderia ver uma edição de um milhão de exemplares. Pensar que um milhão de pessoas poderiam decidir ler algo  escrito na solidão  de um quarto, tendo como arsenal as vinte e oito letras do alfabeto e meus dois dedos indicadores, parecia claramente uma loucura. Hoje, as Academias da Língua fazem isso como um gesto  para um romance que passou diante dos olhos de cinquenta vezes um milhão...

Garrafa Ao Mar Para O Deus Das Palavras, García Márquez

                         Aos meus doze anos, estive a ponto de ser atropelado por uma bicicleta. Um padre que passava me salvou com um grito: "Cuidado!" O ciclista caiu no chão. O senhor padre, sem se deter, me disse: " Viu só o poder da palavra?" Naquele dia fiquei sabendo. Agora sabemos, além do mais, que os maias sabiam disso desde os tempos de Cristo, e com tanto rigor que tinham um deus especial para as palavras.      Esse poder jamais foi tão grande como hoje. A humanidade entrará no terceiro milênio sob o império das palavras. Não é verdade que as imagens estejam substituindo as palavras, nem que as palavras possam ser extintas. Ao contrário, as imagens estão potencializando as palavras: autoridade e vida própria como na imensa Babel da vida atual. Palavras inventadas, maltratadas ou sacralizadas pela imprensa, pelos livros descartáveis, pelos cartazes de publicidade; faladas e cantadas no rá...