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Mostrando postagens com o rótulo Marques Rebelo

Depoimento Simplório, Marques Rebelo

Eu conto:      Ia prestar o meu exame final de português, quando papai, após me fazer umas tantas e quantas perguntas  sobre a matéria, explodiu num daqueles rompantes que só ele tinha:      - Você não sabe nada, nada, absolutamente nada! Uma vergonha! Não pode fazer exame assim!       Protestei com energia:      - Posso!      - Não pode!      Pensei ganhar a partida:     - Mas o meu professor disse que eu estava preparado.     - Seu professor é uma besta-quadrada!

A Mudança, Marques Rebelo.

     A mudança foi repentina! As estrelas desapareceram bruscamente da noite. Saindo não sei donde, nuvens, cada vez mais negras, amontoavam-se num canto e acabaram por tomar todo o céu. Negror. Então, veio o vento e sacudiu o ar estático , abafado, vergou as árvores, bateu janelas na vizinhança, trouxe gritos distantes para meus ouvidos inquietos. Levantou-se poeira nas ruas, rodopiou, subiu, entrou pelas persianas sujando os móveis.       Mamãe, aflita, que estava na hora da poção, chegou como uma sombra, cerrou as persianas, mas o vento era sutil e insinuando-se por frestas despercebidas, balançava da mesma forma as bambinelas.      - As bambinelas estão dizendo adeus!     Não sei como me acudiu logo o pensamento estranho: As bambinelas estão me dizendo adeus! Ou estarão me chamando?  Sim, é possível  que estejam. Mas para onde? Sinto-me fraco, uma dormência espetante como milhões de alfinetes p...

História, Marques Rebelo

                                         Dona Rosinha que era a nossa professora, nervosa, facilmente excitável, eternamente de preto, só tinha uma frase para definir o Tutuca: este pequeno parece que engoliu o capeta.  O capeta era o diabo e Dona Rosinha, a moça mais religiosa daquela cidadezinha, de maneira que a definição era altamente séria.      A sua religião, porém, era muito engraçada. Missa que não fosse das cinco horas não era missa para ela. Um católico fervoroso deve ter obrigação de acordar cedo,dizia batendo com os nós dos dedos na vasta mesa de pinho.      Tinha preferências escandalosas por determinados santos. Por exemplo: o primeiro aluno da aula, que por muito tempo foi o Pedrinho,sobrinho do coletor federal, trazia sempre...

Uma Véspera de Natal, Marques Rebelo

     Ventava, mas a noite era quente, luzindo estrelas por cima do recorte dos morros. O grilo cantava no meio da grama, no jardinzinho quieto.      Ele ouvia, pensativo. Quando o grilo sossegou, saiu da janela, acendeu outro cigarro, chegou-se para a poltrona onde ela se reclinava e venceu o silêncio que se prolongara.      - Não te vais vestir?      Continuou com a cabeça loura tristemente apoiada na mão, e respondeu sem entusiasmo:      - Vou. Tem tempo. Que horas são?      - Dez.      - Já?      Mostrou-lhe o relógio-pulseira, chegou-se mais e beijou-a:      - Estás triste?      Deu um suspiro, fitou-o longamente:      -Não. Por quê?      - Não sei.      Não sabia mesmo. Parecia, porém, que estava,tão distante se mostrava. Pegou-lhe na...

Divagando Com Livros de Sebo, Regina Porto

     Quem tem mania(vício? doença?) de ler parece adquirir uns hábito estranhos.                Estive olhando os livros de sebo que possuo. Uns são novos. Bem perto de minha mão esquerda tem um  Moacyr Scliar que comprei por  menos que a metade do preço.  Chegou vindo do Rio de Janeiro e, conforme informado, em excelente estado de conservação.       - Será que o dono não gostou?     - Como não gostou se eu adorei esse livro?      - Te aquieta, Regina! Vai ver que o dono precisou de espaço na estante.       - É, pode ser.      - Ou talvez seja um desapegado fã do autor que pôs à venda  o livro depois de tê-lo emprestado a vários amigos como você mesma faz.        - É mesmo.      Ainda à minha esquerda e na letra M, achei Contos...

Quarta-feira é dia de: Marques Rebelo

                                                                                Composição de Carnaval      Maria Rosa ficava no fim da serpentina, cabelos deslumbrantes de alvoroço e dourado, bailarina azul,solitária sobre a capota descida do trepidante automóvel.      O corso rodava,vagaroso, com tripla fila, com amplas e seguidas paradas, entre alas de ditos e fantasias - havia corso, então, foi há tanto tempo que os automóveis ainda eram fechados para os donos não sofrerem frio ou poeira e esconderem melhor seus mistérios de amor.   ...

Aniversário do blog, Revista Veja e Carnaval

Algumas boas coisas postadas no blog foram frutos do acaso.  Uma situação de ssas me aconteceu há quase um ano. Eu conto:   zapeando pelas imprensa on line, dei de cara com um blogueiro da Rev.Veja que havia tempos não lia. Em Fevereiro de 2011 ele procurava  10 contos de carnaval facilmente encontráveis na internet.  Disse que encontrou, mas sentiu falta de 2 que ele julgava muito bons. Não tive dúvidas, corri no meu exemplar de 200 crônicas escolhidas de Rubem Braga e digitei A Batalha do Largo do Machado , comprei num sebo o livro de Marques Rabelo e, da mesma forma, digitei Caprichosos da Tijuca . Postei todos dois e avisei ao blogueiro, que rapidamente informou no seu blog: " Um folião chamado Rubem Braga (Postagem de fevereiro de 2012) Recebi há poucos dias da leitora Regina Porto uma mensagem em que ela informava ter preenchido por conta própria uma grave lacuna na literatura carnavalesca digital: depois de ler um post – publicado no To...

Uma Senhora, Marques Rebelo

     Dona Quinota não se importava com a aspereza do ano inteiro. Com ela era ali no duro - trabalho, trabalho e mais trabalho. O ordenado das empregadas, na verdade, era uma pouca vergonha que a polícia devia pôr um paradeiro. Não punha. Vivia metida com a maldita política. Falta duma boa revolução!.. Ah! se ela fosse homem!... Enquanto a revolução não vinha para botar tudo nos eixos, obrigando-a a endireitar empregadas, fazia de criada - cozinhava, varria, cosia, Encerava a casa também, aos sábados, depois que disseram pelo rádio ser higiênico e muito econômico.      - Econômico? Então se encera mesmo.      O marido, que já estava acostumado àquelas resoluções, largou no melhor pedaço o volume de Os Miseráveis , meteu sobre o pijama a gabardine cheirando a gasolina na gola e foi telefonar para a loja de ferragens, pedindo duas latas de cera - da boa, vê lá! - chorando um abatimentozinho na escova e na palha de aço: es...

Stela Me Abriu a Porta, Marques Rebelo

    Havia alguns meses que nós nos conhecíamos e jamais o tempo passou rápido para mim.ela era ajudante de costureira no ateliê modestíssimo de Madame Graça, velha amiga de minha mãe. Meu irmão Alfredo, que morreu aos vinte anos, estupidamente, duma pneumonia dupla, era um rapazinho importante: não gostava de fazer  recados, de carregar embrulhos, de comprar coisas para casa na cidade.     Mamãe respeitava-lhe a  vaidade. E eu fui buscar um vestido que ela mandara reformar – a seda estava perfeita, valia a pena. Quem me atendeu foi  Stela. Madame Graça havia saído e ela não sabia do vestido. Madame Graça não lhe prevenira nada. Mas não poderia esperar?- perguntou. Madame fora ali pertinho, não demoraria. Eu disse que esperaria. Ela me ofereceu uma cadeira, voltou para o seu trabalho e pusemo-nos a conversar.     Stela era espigada, dum moreno fechado, muito fina de corpo. Tinha as pernas e os braços muito longos e um...

Por causa da Revista Veja - 2

O jornalista  Sérgio Rodrigues publicou no blog Todoprosa da Revista Veja pequena antologia de contos de carnaval, com trabalhos encontráveis com uma busca simples no Google. Listou  os 6 bons contos que encontrou: 1) O Bebê de Tartalana Rosa, João do Rio (citado como destaque) 2) Restos de Carnaval, Clarice Lispector 3) A Morte da Porta Estandarte, Aníbal Machado 4) Antes do Baile Verde, Lygia Fagundes Teles 5) Fevereiro ou Março, Rubem Fonseca 6) A Máscara, Sérgio Rodrigues Na postagem, o blogueiro lamentou não ter encontrado disponível dois contos que considera imperdíveis. Por concordar com o jornalista  este blog disponibizou: Caprichosos da Tijuca , Marques Rebelo  e do Batalha do Largo do Machado , Rubem Braga

Caprichosos da Tijuca, Marques Rebêlo

     Eram oito horas e acabara de jantar.Minha mulher subira para o quarto e eu, ouvindo o rádio, fumando espichado no velho sofá de palhinha, fazia hora para me meter à obra num romance que ando escrevendo e que me parece infindável. Foi quando bateram palmas no portão. Indiana foi ver que era e voltou informando que se tratava "de um homem que queria falar com o dono da casa".    - Mas não disse o que quer?    - Eu perguntei, sim senhor, mas ele disse que queria falar com o dono mesmo.    Levantei-me    - Pois vamos vê-lo.    Era um sujeito magro, pescoço alto de galo de briga, grande nariz bicudo. Tinha o chapéu na mão, não trazia colarinho. Pensei com meus botões: temos facada.    Sou eu o dono da casa, meu amigo. Que deseja o senhor?    Ele, com rústica delicadeza, lamentou me incomodar e se apresentou como membro da comissão angariadora de auxílios para o carnaval dos Capricho...