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Mostrando postagens com o rótulo Marcos Rodrigues

Quarta-feira é dia de: O Homem do Patchuli, Marcos Rodrigues

       O Barbosa sempre teve algum sucesso com mulheres. Não por beleza, cabeça ou dinheiro, mas por gostar de dançar, o que é muito raro entre homens. No Clube Piratininga, ele sempre dança com uma, depois com outra e mais outra e assim vai noite adentro. No fim da noite, dançou com uma fieira delas, nunca de mesas próximas. Além de dançar bem, ele conduz bem e elas, assim, dançam melhor. Sentem-se melhor. Ele vai sem carro e sempre acaba pegando carona com alguma delas.  É esse seu jeito discreto de ser.      No final de 2009, o Barbosa foi para a Chapada dos Veadeiros em caminhada com amigos de Brasília. Passou a noite do Ano Novo em Alto Paraíso, vendo estrelas e esperando extraterrestres, muito comuns na região. Na volta, em Cristalina, topou com um viveiro de plantas à beira da estrada e encostou a picape. Ele sempre traz umas novidades de suas viagens.        Foi andando em...

Reconciliação, Marcos Rodrigues

                                                                                                                                    Dom Pedro Mourão, bispo da Diocese do Alto Cristalino sabia que São Sebastião do Alto era uma cidade de jovens migrantes. Povo valente que veio do sul para plantar o futuro. Era uma ilha de gente, num imenso mar de soja. Sabia que a cidade se deixara levar por sua juventude e sua riqueza. ...

Reconciliação, Marcos Rodrigues

Dom Pedro Mourão, bispo da Diocese do Alto Cristalino sabia que São Sebastião do Alto era uma cidade de jovens migrantes. Povo valente que veio do sul para plantar o futuro. Era uma ilha de gente, num imenso mar de soja. Sabia que a cidade se deixara levar por sua juventude e sua riqueza. Sabia também que dinheiro e hormônios não combinam com temperança. São Sebastião, tão pequena, trepidava. O que Dom Pedro não sabia é que a alma do padre Borelli, a quem indicara para cuidar da paróquia, não harmonizava com combate à luxúria. Se, no momento da indicação, prestasse atenção nas pálpebras do padre, teria notado que tremiam à medida que ouvia sobre a lascívia que embebia o tecido social da paróquia . Teria notado que o cura abaixava a cabeça em pungente contrição. Mas, bispos não prestam atenção nessas coisas e padre Borelli foi para São Sebastião. Chegou num sábado e logo na madrugada de domingo ouviu a turba ao longe. Ritmada, urrava: é hoje só, só, só; vai acab...

O Bom Padeiro, Marcos Rodrigues

     N ão havia discordância. Não se consegue um padeiro casado para trabalhar numa ilha com 150 soldados. Mas o coronel Veloso insistiu; ele podia. O anúncio buscava um casal, ele padeiro e ela para serviços de limpeza. Oferecia bom salário, casa com dois cômodos e dois anos de contrato. Apareciam interessados, mas logo na entrevista, quando falavam em 150 soldados, o interesse evanescia. Sobretudo quando esclareciam que era uma companhia formada por três pelotões de 50 soldados cada. O coronel pedia que não usassem a palavra pelotão, que assusta mais que soldado, mas o pessoal esquecia. Foram dois meses seguidos de anúncio no jornal, até que apareceu o Miranda e sua mulher. Surpreendentemente seguro e resoluto. Não pestanejou, o acerto foi rápido e logo foram embarcados. De mala e cuia.      Nem bem chegaram e os pães começaram a sair daquele grande forno, deixado para trás pelos americanos. Na ilha, a vida mudou. Nem tanto pelos pães, qu...

Raras,Marcos Rodrigues

    Como eu morava no primeiro andar, foi lá debaixo mesmo que tudo veio. Ela bateu o portão berrando que eu era um louco, esquisotímico. Não agüentava mais meu transtorno obsessivo-compulsivo. Esquisotímico? O que é isso? E meus vizinhos, e o porteiro, como é que fica tudo isso?      A história é que eu gosto de futebol. Na verdade, só de algumas coisas do futebol. Não agüento esse futebol que anda por aí. Com esse negócio de passar de lado, se atirar no chão, beijar camisa, abraçar técnico, comentar juiz. Eu não agüento. Por isso me dedico ao culto dos grandes momentos do futebol. O que eu gosto mesmo são as coisas raras do futebol. Que são raras, claro. Gosto mais ainda das coisas singulares. Essas, curiosamente, estão ficando cada vez mais raras.     Foi esse meu interesse, minha devoção, que gerou toda a gritaria no portão. Eu havia começado apresentando minha visão do assunto e, numa deferência especial, apresentei a ela a...

Noite Feliz, Marcos Rodrigues

   O desembargador Gabriel Ferreira de Araújo, aos domingos, recebia todos os filhos, netos e agregados para almoçar. Mesmo viúvo, mantinha o costume. Gostava da reunião, mas não participava muito da conversa. Era muito rápida, não entendia tudo. Preferia acompanhar à distância. Foi assim também  naquele domingo.     Estavam todos preocupados com o Natal, percebia. Mais por sua viuvez recente. Ninguém sabia direito como ia ser. Nem os filhos, nem os agregados. Ninguém falava nada, mas havia algo no ar.     De repente o tema veio à mesa, trazido pela mais velha. Cuidadosa, tocou no assunto como se nada houvesse. Ceia mais cedo ou ceia mais tarde? Assim tão cedo? E os agregados? E as famílias dos agregados? E os namorados? Quem traz o quê? Naquela conversa toda havia apenas a certeza da presença da Almerinda, que continuava cuidando da casa e, sobretudo, dele mesmo. Excelente pessoa, a Almerinda.     Ele ouviu tudo com m...

Os Dois Segredos, Marcos Rodrigues

     As famílias costumam guardar segredos entre os mais velhos. Pode ser a inesperada riqueza de um primo, o sumiço de um tio ou o porquê de um pai silencioso. Às vezes, não se conta todo o segredo. Às vezes, os segredos se perdem. Outras vezes, não. Há os segredos leves. Mas há também os pesados. Graves.      Passei minha infância numa divertida rua de terra. As casas tinham muitas crianças e, porque sem saída, a rua era nossa. As meninas brincavam na calçada. Os meninos jogavam bola até o escurecer. Certo dia, um menino mudou para nossa rua. Branquelo do cabelo ruivo. Mal falava português. Assim conhecemos um judeu, ninguém sabia o que era um judeu. O menino foi se aproximando aos poucos. Era sorridente. Meio tímido, claro, mas se deu bem. Entrou para a turma em pouco tempo.      Descobrimos, com ele, os horrores de um campo de concentração. Não sabíamos o que era isso. Soubemos que a mãe dele escapara de um....

Café Bali, Marcos Rodrigues

Bauru, Eurico e Batata; Alvarenga, PK e Tonico; Edu, Fabrício e Bacalhau. Esse era o time do café. Por muitos anos nos reunimos pra tomar café lá pelas quatro da tarde no Esplanada Paulista. Mais por coincidência de hábitos do que por qualquer outra coisa. Quinze minutos no balcão, todo dia. O pessoal trabalhava por perto. Grupo bom, mas não perfeito. Me incomodava a relação do PK com o Batata. O Batata era baixo, gordo e agitado. Com os olhos pequenos e um bigode aparado, meio espetado. Estava seguro que o perseguiam ou conspiravam contra si. Sempre trazia as evidências. Era um paranoico. Limitado, mas boa gente. Sempre gentil. O PK era um advogado magro, amarelado pelo cigarro. Até no branco do olho. Sempre de terno marrom. Era um tipo estranho, mas não incomodava o grupo. O negócio dele era o Batata. Quando o Batata falava, o PK mostrava impaciência ou começava uma conversa paralela. Às vezes, quando o Batata fazia um comentário, ele virava de lado. Achei que podi...