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Mostrando postagens com o rótulo Rubem Braga

Mar, crônica de Rubem Braga

     A primeira vez que vi o mar eu não estava sozinho. Estava no meio de um bando enorme de meninos. Nós tínhamos viajado para ver o mar. No meio de nós havia apenas um menino que já o tinha visto. Ele nos contava que havia três espécies de mar: o mar mesmo, a maré, que e menor que o mar, e a marola, que é menor que a maré. Logo a gente fazia ideia de um lago enorme e duas lagoas. Mas o menino explicava que não. O mar entrava pela maré e a maré entrava pela marola. A marola vinha e voltava. A maré enchia e vazava. O mar às vezes tinha espuma e às vezes não tinha. Isso perturbava ainda mais a imagem. Três lagoas mexendo, esvaziando e enchendo, com uns rios no meio, às vezes uma porção de espumas, tudo isso muito salgado, azul, com ventos.      Fomos ver o mar. Era de manhã, fazia sol. De repente houve um grito o mar! Era qualquer coisa de larga, de inesperado. Estava bem verde perto da terra, e mais longe estava azul. Nós todos gritamos, numa gritaria infer...

História da Coleção Para Gostar de Ler

As duas séries: Bom  Livro  e Coleção Vagalume eram o grande sucesso da Editora Ática  nos anos 60. Foi nessa época que o escritor Affonso Romano de Santana ligou para o editor Jiro Takahashi e lhe contou que Rubem Braga estava muito frustrado com a baixa venda de suas crônicas. Jiro ficou perplexo porque para ele, Rubem Braga era o melhor cronista do Brasil.      O editor, então, juntamente com Affonso Romano, procurou Rubem Braga e Fernando Sabino. tinham ideia de fazer um projeto que levasse as cr6onicas a quem, segundo eles, deveria estar lendo:  os jovens. Procuraram mais dois escritores. No projeto que já tinha Rubem Braga, Fernando Sabino e Affonso Romano,  acrescentaram Carlos Drummond de Andrade e Paulo Mendes Campos. A ideia era  que as crônicas deveriam entusiasmar professores e estudantes.    Jiro Takahashi dividiu a seleção de material em duas etapas:  primeiro um grupo de professores escolheu aproximadamente 60 te...

A Casa dos Homens, crônica de Rubem Braga

     A casa dos homens está nessa idade em que certas casas começam a ficar mal-assombradas: em algum canto adensa, ainda, porém, em demasia fluido, o ectoplasma de um primeiro fantasma, que é também um homem grosso e triste.      Talvez seja no porão; é impossível vê-lo; apenas em certo ponto há uma impressão de que o ar está um pouco mais pesado em nossa face. Os homens da casa não se importam com isso: eles se observam; levantam-se em seus quartos, juntam-se na grande sala, olham o velho relógio da parede e secretamente se censuram, pela presença mútua.      Há muito, por uma combinação tácita, nenhum deles traz mulher para casa no meio da noite. Antigamente, é verdade, vinham mulheres, às vezes duas ou três, e na sala bebiam vinho e riam: há lembrança de uma noite em que todos cantaram. Mas o tempo foi passando; a amizade dos homens cimentou-se em uma espécie de tédio amargo; querem evitar questões; mulheres criam questões.     ...

Melhores Livros de Cada Estado Brasileiro - Região Sudeste

Recentemente a imprensa divulgou que uma influenciadora americana descobriu Machado de Assis e que a felicidade e comentários dela a respeito de Memórias Póstumas de Braz Cubas, teria viralizado e feito dele  o livro  mais vendido na Amazon americana. Depois disso, 4 professores brasileiros decidiram eleger os melhores livros de cada estado brasileiro. O site G1, divulgou o resutado e eu trouxe para o blog,  dividindo as postagens por região. SUDESTE ESPÍRITO SANTO Obra: Crônicas do Espírito Santo ; 50 Crônicas Escolhidas (1984),   Rubem Braga Sinopse:  Os textos de Rubem Braga, o maior cronista brasileiro, guardam as mais doces lembranças da infância passada no Espírito Santo, quando a natureza era indissociável da vida de um menino. Há também o olhar amoroso do autor sobre os necessitados e esquecidos, mescla de indignação e defesa pela sua terra de origem, tecidos com imenso lirismo.(Amazon) Nota do blog: Rubem Braga tem livro infantil: O Menino e o Tuim , co...

Perguntas Para Quem Gosta de Livros ( do Facebook)

Se você também é amante da literatura e quiser completar com suas próprias respostas. 1. LIVRO QUE NUNCA LI, MAS AINDA HEI DE: - Os Versos Satânicos, Salman Rushdie 2: LIVRO QUE NÃO SINTO VONTADE DE LER: - Ulisses, Joyce 3: LIVRO QUE LI VÁRIAS VEZES: - nenhum 4: ÚLTIMO LIVRO QUE LI: - Um Grão de Trigo, Ngugi Wa Thiongo 5: TODO MUNDO GOSTA DESSE LIVRO, MENOS EU: 6: UM CLÁSSICO QUE VOCÊ RECOMENDA: - qualquer livro de Érico Veríssimo 7: UMA BIOGRAFIA QUE VOCÊ RECOMENDA: - 8: UM BEST SELLER: - O Amor Nos Tempos do Cólera, García Marques 9: O LIVRO FAVORITO DA SUA INFÂNCIA: - Dom Quixote 10: O LIVRO FAVORITO DA SUA ADOLESCÊNCIA: - Capitães de Areia, Jorge Amado 11. O LIVRO QUE GANHOU UMA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA À ALTURA: - 12. O MELHOR LIVRO DE CONTOS: - contos de Kolimá, Varlam Chalámov 13. O MELHOR LIVRO DE CRÔNICAS: - qualquer um de Rubem Braga 14. UM LIVRO EMOCIONANTE: - O Olho da Rua, Eliane Brum 15. O MELHOR ROMANCE QUE JÁ LEU NA VIDA: - 16. UM LIVRO IMPRESCINDÍVEL: - ...

Ode aos Calhordas, Rubem Braga

Os calhordas são casados com damas gordas Que às vezes se entregam à benemerência: As damas dos calhordas chamam-se calhôrdas E cumprem seu dever com muita eficiência Os filhos dos calhordas vivem muito bem E fazem tolices que são perdoadas. Quanto aos calhordas pessoalmente porém Não fazem tolices — nunca fazem nada. Quando um calhorda se dirige a mim Sinto no seu olho certa complacência. Ele acha que o pobre e o remediado Devem procurar viver com decência. Os calhordas às vezes ficam resfriados E essa notícia logo vem nos jornais: "O Sr. Calhorda acha-se acamado E as lamentações da Pátria são gerais." Os calhordas não morrem — não morrem jamais Reservam o bronze para futuros bustos Que outros calhordas da nova geração Hão de inaugurar em meio de arbustos. O calhorda diz: "Eu pessoalmente Acho que as coisas não vão indo bem Pois há muita gente má e despeitada Que não está contente com aquilo que tem." Os calhordas recebem muitos telegramas E manifestações de alegre...

A Borboleta Amarela, Rubem Braga

     Era uma borboleta. Passou roçando em meus cabelos, e no primeiro instante pensei que fosse uma bruxa ou qualquer outro desses insetos que fazem vida urbana; mas, como olhasse, vi que era uma borboleta amarela.    Era na esquina da Graça Aranha com Araújo Porto Alegre; ela borboleteava junto ao mármore negro do Grande Ponto; depois desceu, passando em face das vitrinas de conservas e uísques; eu vinha na mesma direção; logo estávamos defronte da ABI. Entrou um instante no hall, entre duas colunas; seria uma jornalista? – pensei com certo tédio.      Mas logo saiu. E subiu mais alto, acima das colunas, até o travertino encardido. Na Rua México eu tive de esperar que o sinal abrisse; ela tocou, fagueira, para o outro lado, indiferente aos carros que passavam roncando sob suas leves asas. Fiquei a olhá-la. Tão amarela e tão contente da vida, de onde vinha, aonde iria? Fora trazida pelo vento das ilhas – ou descera saçaricante e leve da flor...

A Primavera Chegou, Rubem Braga

      Há um conto escandinavo, escrito por não sei quem há muitas primaveras, em que o mordomo se curva respeitosamente e anuncia à senhora Condessa:      - Com a vossa permissão, a primavera chegou.      - Diga-lhe que seja bem vinda e pode permanecer três meses em minhas terras.      Então vem o primeiro domingo da primavera. E havia um velho mendigo que tinha uma perna de pau. Suspeitava-se que em sua mocidade houvesse sido um terrível pirata; de qualquer maneira era agora apenas um velho mendigo que pedia esmola todo domingo na porta da igreja. E havia uma rica velhinha que todo domingo dava ao mendigo uma grande moeda de cobre. Naquele domingo, entretanto, por ser o primeiro da primavera, deu-lhe uma grande moeda de ouro. O mendigo sorriu e pediu licença para lhe oferecer um bela rosa.      Que rosa tão bela, mendigo. Onde a colheu?      Nasceu em minha perna de pau, senhora. ...

A Primeira Mulher do Nunes, Rubem Braga

          Hoje, pela volta do meio-dia, fui tomar um táxi naquele ponto da Praça Serzedelo Correia, em Copacabana. Quando me aproximava do ponto notei uma senhora que estava sentada em um banco, voltada para o jardim; nas extremidades do banco estavam sentados dois choferes, mas voltados em posição contraria, de frente para o restaurante da esquina. Enquanto caminhava em direção a um carro, reparei, de relance, na relance, na senhora.           Era bonita e tinha ar de estrangeira; vestia-se com muita simplicidade, mas seu vestido era de um linho bom e as sandálias cor de carne me pareceram finas. De longe podia parecer amiga de um dos motoristas; de perto, apesar da simplicidade de seu vestido, sentia-se que nada tinha a ver com nenhum dos dois. Só o fato de ter sentado naquele banco já parecia indicar tratar-se de uma estrangeira, e não sei por que me veio a idéia de que era uma s...

Mar, Rubem Braga

     A primeira vez que vi o mar eu não estava sozinho. Estava no meio de um bando enorme de meninos. Nós tínhamos viajado para ver o mar. No meio de nós havia apenas um menino que já o tinha visto. Ele nos contava que havia três espécies de mar: o mar mesmo, a maré, que e menor que o mar, e a marola, que é menor que a maré. Logo a gente fazia ideia de um lago enorme e duas lagoas. Mas o menino explicava que não. O mar entrava pela maré e a maré entrava pela marola. A marola vinha e voltava. A maré enchia e vazava. O mar às vezes tinha espuma e às vezes não tinha. Isso perturbava ainda mais a imagem.       Três lagoas mexendo, esvaziando e enchendo, com uns rios no meio, às vezes uma porção de espumas, tudo isso muito salgado, azul, com ventos. Fomos ver o mar. Era de manhã, fazia sol. De repente houve um grito o mar! Era qualquer coisa de larga, de inesperado. Estava bem verde perto da terra, e mais longe estava azul. Nós t...

Recado de Primavera, Rubem Braga

                                                                      Meu caro Vinicius de Moraes:      Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera — acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio.   E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o...

Os Sons de Antigamente,Rubem Braga

                   Conta-se na família que, quando um pai comprou a nossa casa de Cachoeiro esse relógio já estava na parede da sala; e que o vendedor o deixou lá, porque naquele tempo não ficava bem levar.    (Hoje, meu Deus, carregam até uma lâmpada de 60v elas, até o bocal da lâmpada, e deixam aquele fio solto no ar.)    Há poucos anos e o relógio para minha casa de Ipanema. Mais velho do que eu, não é de admirar que ele tresande um pouco. Há uma  corda para fazer andar os ponteiros, outra para fazer bater as horas. A primeira é forte, e faz o relógio se adiantar: de vez em quando alguém me chama a atenção, dizendo que o relógio está adiantado quinze ou vinte minutos, e eu digo que é a hora de Cachoeiro. Em matéria de som, vamos muito mais adiante. É comum o relógio marcar, digamos, duas e meia, e bater solenemente nove horas. " Esse relógio não diz coisa com...

Os Romanos, Rubem Braga

Foi no Leblon, no domingo de sol, e não era escola de samba e nem rancho direito, era apenas uma tentativa de rancho, sem mulheres, sem música própria. Eram quase todos muito fortes e vestidos da maneira mais imaginosa, com saiotes e escudos e capacetes com muitos dourados e prateados, e de espada na mão. Cantavam o samba estranho Maior é Deus no céu e no estandarte estava escrito assim: Henredo o Império Romano."

Bilhete A Um Candidato, Rubem Braga

                             " Olhe aqui, Rubem. Para ser eleito vereador, eu preciso de 3 mil votos. Só lá no jóquei, entre tratadores, jóqueis, empregados e sócios eu tenho, no mínimo mas no mínimo mesmo, 300 votos certos; vamos botar mais 100 na Hípica . Bem, 400. Pessoal de meu clube. o Botafogo, calculando com o máximo pessimismo, 600. Aí já vão mil.    Entre colegas de turma e de repartição contei, seguros 200; vamos dizer 100. Naquela fábrica da gávea, você sabe, eu estou com tudo na mão, porque tenho apoio por baixo e por cima, inclusive dos comunas; pelo menos 800 votos certos,mas vamos dizer 400. Já são 1.500.      "Em Vila Isabel minha sogra é uma potência, porque essas coisas de igreja e caridade tudo lá é com ela. Quer saber de uma coisa? Só na Vila eu já tenho a eleição garantida, mas vamos botar: 50...

A Secretária, Rubem Braga

                                           Procuro um documento de que  preciso com urgência.  Não o encontro, mas me demoro a decifrar minha própria letra, nas notas de um caderno esquecido que os misteriosos movimentos na papelada pelas minha gavetas fizeram vir à tona.      Isso é que dá encanto ao costume de gente ter tudo desarrumado. Tenho uma secretária que é um gênio nesse sentido. Perdeu, outro dia, cinquenta páginas de uma tradução.      Tem um extraordinário senso divinatório, que a leva a mergulhar no fundo do baú do quarto da empregada os papéis mais urgentes; rasga apenas o que é estritamente necessário guardar mas conserva com rigoroso carinho o recibo da segunda prestação  de um aparelho de rádio,que comprei em São Paulo em 1941. Isso me fornece algumas emoções líricas inesperadas: quem não se comove de repen...

A Nenhuma Chamarás de Aldebarã, Rubem Braga.

                                    Eu vinha de não sei que tristes sonhos, nefastos pesadelos. Despertei, ansiado, no meio da noite, e olhando a escura parede senti que as imagens torvas que me povoavam os olhos ainda tontos ali vagamente se moviam. Voltei-me, então, sobre o meu flanco direito; a janela estava aberta para a noite. Era uma noite sem lua, que ciciava em árvores e murmurava em águas humildes; e uma grande estrela brilhava. Haveria outras, esparsas e pequenas, mas aquela era tão grande e cintilava com uma estranha palpitação; era tão distante, mas brilhava tão perto e tão para mim como se fosse uma lanterna que mão amiga houvesse pendurado em minha janela para me dar alento no fundo da treva. Eu vagara tanto pelo mundo que, ao despertar, não sabia em que leito, casa, país e tempo; e mesmo tinha de recompor minha  ideia  para lembrar se era feliz ou infeliz. Apenas ...

A Deus e ao Diabo Também, Rubem Braga

                        Ela então me contou seus pecados; primeiro, o primeiro, quando  ainda era mocinha; depois o mais feio, que foi coisa que ela não queria, foi resistindo, mas você compreende, chegou a um ponto em que não dava  nais jeito. O pior é que nessa ocasião tinha um rapaz de quem ela gostava muito e queria ser fiel a ele; "foi sujeira", confessa, "foi sujeira minha"; mas a verdade é que a coisa veio devagar, foi aceitando presentes, depois não sabia o que seria mais vigarista: negar-se ou dar-se; aliás tinha uma simpatia sincera pelo sujeito; mas gostar mesmo era do outro. E  contou mais algumas coisas. Disse uma palavra feia a respeito de si mesma e pediu minha opinião:      - Não é verdade? - me olhando nos olhos.      Calei-me; ela insistiu, eu fiz uma evasiva meiga:      - Você é um amor.     Então, meu Deus, ela se pôs filosóf...