Há um conto escandinavo, escrito por não sei quem há muitas primaveras, em que o mordomo se curva respeitosamente e anuncia à senhora Condessa:
- Com a vossa permissão, a primavera chegou.
- Diga-lhe que seja bem vinda e pode permanecer três meses em minhas terras.
Então vem o primeiro domingo da primavera. E havia um velho mendigo que tinha uma perna de pau. Suspeitava-se que em sua mocidade houvesse sido um terrível pirata; de qualquer maneira era agora apenas um velho mendigo que pedia esmola todo domingo na porta da igreja. E havia uma rica velhinha que todo domingo dava ao mendigo uma grande moeda de cobre. Naquele domingo, entretanto, por ser o primeiro da primavera, deu-lhe uma grande moeda de ouro. O mendigo sorriu e pediu licença para lhe oferecer um bela rosa.
Que rosa tão bela, mendigo. Onde a colheu?
Nasceu em minha perna de pau, senhora.
Guardei apenas isso do conto escandinavo que li há muitos anos.
Lembro-me ainda vagamente de um casal de namorados que sai do campo - e a primavera e tão linda que eles esquecem, e voltam mil anos depois, ainda primaveris, em outra primavera...
Mas isso era na Escandinávia, em um daqueles países louros e frios. No Rio será que existe primavera? Proponho que ela exista; apenas o homem distraído não há ver chegar, nem a sente; nossa primavera é sutil e para entrar na cidade não pede licença ao Prefeito.
É claro que falta à nossa gente um pouco de imaginação para sentir, para viver a primavera. Essa gene que espera condução em longas, tediosas filas - por que não aproveita o tempo da espera para fazer rodase cantar? Imagino a cidade sob esse delírio primaveril; os bondes criariam asas; na Gávea os cavalos ficariam brincando de carrossel e as senhoras e cavalheiros correriam felizes pela pista com flores nos dentes.
No cinema, Gina Lolobrigida sairia da tela e viria sentar na poltrona ao meu lado:
- Sim, é bem verdade que me amas? Ouvi o teu sorriso; vi na penumbra, teus olhos brilhavam. Quero ficar junto de ti. lo te voglio tanto bene!
Eu me assustaria, mostraria meus papéis, dizendo que devia haver algum engano, eu não era nenhum artista de cinema, não era nem mesmo Aloísio Salaes, era apenas um espectador, o pobre Braga, obscuro trecho da realidade brasileira...
Mas ela recitaria:
"Comigo fica ou leva-me contigo
Dos mares `amplidão".
Iríamos para a amplidão dos mares. E na volta tomaríamos grandes, imortais, chuveiradas. pois na primavera ( faça o que quiser a Inspetoria das Águas) na primavera todos teremos água, pois nascerão fontes líricas no metal das torneiras e de nossas banheira saltarão peixes voadores que se porão a cantar como verdadeiros gaturamos e nós todos seremos acqua-loucos de felicidade. Primavera! ( outubro de 1953)
Fonte: Crônica Brasileira
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