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Mostrando postagens com o rótulo Recife

Dia do Galo, Uma Cidade Em Bloco, Gustavo Krause

A cidade é feita de casas E de covas rasas. A cidade é feita de ruas E de estátuas nuas. A cidade é feita de praças E de fumaças. A cidade é feita de bares E de azares. A cidade é feita de amores E de dores. A cidade é feita de graças E das massas. A cidade é feita de gentes E de carentes. A cidade é feita de inteligências E de consciências. A cidade é feita de artistas E de conquistas. A cidade é feita de poesias E de maresias. A cidade e feita de centenas de equipamentos, Milhares de lamentos E de milhões de sentimentos. Hoje, vamos sair cidade afora, Em festança, Em frevança. “De braços para o alto, cabelos desgrenhados”. Vamos sair cidade afora, Rindo. Explodindo. “Tomar umas e outras e cair no passo que entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé” Vamos sair cidade afora. Dançando, Cantando “Felinto, Pedro Salgado, Guilherme Fenelon, cadê seus blocos famosos, Blocos das Flores, Pirilampos, Apôis Fum?” Vamos sair no Bloco Galo da Madrugada. Agora a cidade está completa: “Tem...

Morte e Vida Severina. De que trata o poema de João Cabral de Melo Neto?

A história começa com a apresentação do protagonista, cujo nome é Severino. É um retirante. Ele é mais um entre tantos Severinos nordestinos. No seu ato migratório, encontra dois homens que levam um defunto em uma rede. O defunto é Severino Lavrador. Depois, o protagonista segue viagem. O retirante Severino pretendia seguir o rio Capibaribe, que o guiaria em sua jornada. Porém, o rio desapareceu devido à seca. Ainda assim, Severino segue seu caminho por várias vilas da região. Chega a uma casa onde está ocorrendo o velório de mais um Severino. Em seguida, cansado de tanto andar, decide parar e buscar um emprego. Avista uma mulher em uma janela e lhe pergunta sobre um possível emprego. Ela responde que trabalho tem, mas não de lavrador, devido à seca. Ele então vai em direção à Zona da Mata, onde assiste ao enterro de um “trabalhador de eito”. Em seguida, ele caminha rumo a Recife. Em Recife, quando para com o objetivo de descansar, perto do muro de um cemitério, acaba ouvindo a convers...

A Mulher Que Viu A História, conto de Cícero Belmar

     Parte da minha história terminou ali, naquele dia, naquela hora. A campaninha tocou. Tudo o que eu queria, até então, era ser uma boa dona de casa, garantir a saúde, a felicidade e o bem-estar do meu marido e dos meus filhos. Estava satisteita com a vida que levava.      Preparava o almoço quando alguém tocou a campainha. Pensei: ai, meu deus, logo agora, que hora mais inconveniente para se fazer uma visita. Mas eu não estava esperando ninguém, e minhas vizinhas eram iguais a mim, todas entendíamos que as atividades sociais não deviam interderir no trabalho principal de dona de casa. Sendo assim, reuniões, visitas, nada disso podia ser desculpa para atrasar o almoço, que precisaria estar pronto quando o marido e os filhos chegassem.      Terminei de temperar a carne, coloquei a tampa da pressão. desliguei o rádio. Ouvira, há pouco, a notícia da morte de um padre. Um tal de padre Henrique. O corpo fora encontrado num terreno baldio, na Ci...

O Pobre Que Ganhou no Bicho Graças a Nossa Senhora, Gilberto Freyre

     Outro orientalismo na vida — inclusive na mística do brasileiro não só de Recife como do Brasil inteiro — parece que é o jogo do bicho. Diz-se que foi o barão de Drummond que o inventou. Mas em 1900 já havia quem sustentasse que não: que o jogo do bicho, em vez de inventado por brasileiro, fora adaptado ao Brasil, de modelo ou exemplo oriental. “A suposta e portentosa criação do finado barão de Drummond” — escrevia o Jornal pequeno, do Recife, em sua edição de 4 de setembro daquele ano: o primeiro ano de um novo século ou assim comemorado na capital de Pernambuco como noutras capitais, inclusive Londres — “o jogo dos bichos, hoje inveterado para sempre, talvez, em todas as classes da sociedade carioca e de quase todo o Brasil, não é positivamente uma criação, mas uma adaptação consciente ou inconsciente do que se pratica há longos anos na Cochinchina”. E para prová-lo, citava recente livro de um Pierre Nicolas no qual se descrevia velho jogo oriental com 36 bichos, e...

Velho Atabaque, Solano Trindade

  Velho atabaque quantas coisas você falou para mim quantos poemas você anunciou Quantas poesias você me inspirou às vezes cheio de banzo às vezes com alegria diamba rítmica cachaça melódica repetição telúrica maracatu triste mas gostoso como mulher... Triste maracatu escravo vestido de rei loanda distante do corpo e pertinho da alma negras sem desodorante com cheiro gostoso de mulher africana zabumba batucando na alma de eu... Velho atabaque madeira de lei couro de animais mãos negras lhe batem e o seu choro é música e com sua música dançam os homens inspirados de luxúria e procriação Velho atabaque gerador de humanidade...              ( O poeta do povo , p. 73) Leia  também: Nascido em 24 de julho: Solano Trindade Canto à Amada , Solano Trindade Leia aqui sobre o autor

Jacaré da Beira Rio, Regina Porto

      Neste ano o bloco faz 10 anos. Começou quando eu cheguei no bairro da Madalena. Era uma coisinha de nada, saía de noite dava uma voltinha por aqui. Fui atrás. Como todos os blocos do Recife, saiu sem cordão  de isolamento. Anos seguintes, descendo pras ruas mais próximas, apenas olhei sem seguir o simpático bloco, já demonstrando crescimento e aceitação dos moradores.  Nos últimos dois anos que antecederam a pandemia, deixei a cidade no carnaval. Queria sossego. Bobagem que só entendi esse ano: sossego devo buscar na semana pré que é quando tem várias festas no clube ao lado. Como hoje. Como agora ...       Há pouco, começou a passagem de som da orquestra de frevo. Ouço de casa e da janela vejo os preparativos do Parabéns pra você. Confesso, me emocionei. Eu detesto "Vassourinhas" o frevo mais recifense e conhecido fora daqui. Sim, sou chata e detesto Vassourinhas. Levanta a multidão, é atemporal, abre sorrisos. Mas não mexe comigo. Pois é. ...

Cão Sem Plumas, João Cabral de Melo Neto (poema na íntegra)

A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada. O rio ora lembrava a língua mansa de um cão, ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão. Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água. Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos polvos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras. Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes. Abre-se em flores pobres e negras como negros. Abre-se numa flora suja e mais mendiga como são os mendigos negros. Abre-se em mangues de folhas duras e crespos como um negro. Liso como o ventre de uma cadela fecunda, o rio cresce sem nunca explodir. Tem, o rio, um parto fluente e invertebrado como o de uma cadela. E jamais o vi ...

Cem Anos de Perdão, Clarice Lispector

 Quem nunca roubou não vai entender. E quem nunca roubou rosas, então é que jamais poderá me entender. Eu, em pequena, roubava rosas.      Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficava no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes. "Aquele branco é meu." "Não, eu já disse que os brancos são meus." "Mas esse não é totalmente branco, tem janelas verdes." Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada nas grades, olhando.      Começou assim. Numa das brincadeira de "essa casa é minha", paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.      Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-rosa vivo. fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem mulher feita ainda não era. E acontece...

Valsa Dos Cogumelos, Rogério Medeiros.

      Pois é, eu escrevi um livro. Comecei muitos anos atrás, como projeto de conclusão de jornalismo, mas na época não achei que ele estivesse completo o bastante para ser publicado. Dois anos atrás, no meio do lockdown, resolvi retomar as pesquisas, e agora, 22 meses depois, estou colocando ele no mundo. Quer dizer, quase. Hoje, comecei uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar a publicação do livro. É tipo uma vaquinha virtual, em que criadores mostram sua ideia num site e pessoas interessadas financiam o projeto em troca de uma recompensa que chega um tempo depois. No meu caso, a recompensa se chama Valsa dos Cogumelos – A Psicodelia Recifense 1968/1981, onde conto a história de uma turma de malucos cabeludos que fez música experimental aqui no Recife. Foram grupos como Laboratório de Sons Estranhos, Nuvem 33, Aratanha Azul, Phetus e Ave Sangria, e compositores e cantores como Flaviola, Lula Côrtes, Marconi Notaro, Ricardo Uchôa, Robertinho de Recife, Alc...

O Que Estou Lendo? Arrancados da Terra, Lira Neto

Jornalista e pesquisador brasileiro faz relato da história do povo judeu na rota Lisboa-Amsterdã-Recife holandesa até a então nascente Nova York Foto: Daniela Levy Mariza Santana      Sefarditas é o termo utilizado para se referir aos judeus originários de Portugal e Espanha. Eles possuem tradições, línguas, hábitos e ritos diferenciados de seus irmãos asquenazes, os judeus oriundos da Europa Central e do Leste. Os historiadores supõem que os sefarditas se estabeleceram na Península Ibérica ainda na época das navegações fenícias, depois da destruição dos vários templos de Jerusalém, e já viviam no local no período da ocupação romana. Embora eles estivessem há muito enraizados na Península Ibérica, muitos inclusive já convertidos à fé cristã, esse fato não os poupou dos horrores da Inquisição da Igreja Católica. Após a expulsão da Espanha pelos reis católicos Isabel de Castela e Felipe de Aragão, e na época em que os tronos espanhol e lusitano foram unificados, muitas famí...

Soneto das Metamorfoses, Carlos Pena Filho

Carolina, a cansada, fez-se espera e nunca se entregou ao mar antigo. Não por temor ao mar, mas ao perigo de com ela incendiar-se a primavera. Carolina, a cansada que então era, despiu, humildemente, as vestes pretas e incendiou navios e corvetas já cansada, por fim, de tanta espera. E cinza fez-se. E teve o corpo implume escandalosamente penetrado de imprevistos azuis e claro lume. Foi quando se lembrou de ser esquife: abandonou seu corpo incendiado e adormeceu nas brumas do Recife.

O Rio Capibaribe Um Gigante Pernambucano, Roberto Celestino

                                                         Bem na Vila do Araça Município de Poção, Serra do Jacarará Pra banhar a região, Vai se ver nascer um rio Que terá mil desafios Pra cumprir sua missão.                   Corre todo em Pernambuco Esse rio abençoado, Que de  Capibara-ybe Pelos índios foi chamado. E o rio de águas claras Se tornou das Capivaras Assim fora batizado.                        Ele tímido desce a serra Inicia a jornada, Muito tem a percorrer Nessa sua caminhada. Logo chega a Jataúba, E depois que lhe saúda Vai-se embora em disparada. Inda há quarenta e um Municípios pra passar, Banhará muitas cidades Que estão a lhe esperar. E em grande serpenteio, Segue ele seu passeio Ansioso em ver o mar.   ...