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Jacaré da Beira Rio, Regina Porto

      Neste ano o bloco faz 10 anos. Começou quando eu cheguei no bairro da Madalena. Era uma coisinha de nada, saía de noite dava uma voltinha por aqui. Fui atrás. Como todos os blocos do Recife, saiu sem cordão  de isolamento. Anos seguintes, descendo pras ruas mais próximas, apenas olhei sem seguir o simpático bloco, já demonstrando crescimento e aceitação dos moradores.  Nos últimos dois anos que antecederam a pandemia, deixei a cidade no carnaval. Queria sossego. Bobagem que só entendi esse ano: sossego devo buscar na semana pré que é quando tem várias festas no clube ao lado. Como hoje. Como agora ...

      Há pouco, começou a passagem de som da orquestra de frevo. Ouço de casa e da janela vejo os preparativos do Parabéns pra você. Confesso, me emocionei. Eu detesto "Vassourinhas" o frevo mais recifense e conhecido fora daqui. Sim, sou chata e detesto Vassourinhas. Levanta a multidão, é atemporal, abre sorrisos. Mas não mexe comigo. Pois é. Mas hoje... me levou às lágrimas.  Vi, por ele, a imensa importância  do carnaval Senti,  pelos instrumentos, o orgulho desse povo nascido aqui. Mais que isso, senti, tirando por mim, como o carnaval deste ano tem um sentimento  de renascimento ( ou de vingança), de restabelecimento da normalidade que pode até nem acontecer,  mas que parece e não custa nada sonhar..

     Como se todo mundo precisasse de um momento pra deixar sair pelos pés, pela voz, pelo suor... tudo quanto foi dissabor vivenciado nos últimos anos.  Não fiz as pazes com Vassourinhas, mas dispensada por mim nos carnavais anteriores, agora esse frevo acelerado me soa como um hino necessário.  Quando o ano de 2023 realmente começar na "quinta-feira de cinzas",  a gente vê como e o que pode fazer da vida.  Hoje... o jeito é sair por ai.. " de chapéu e sol aberto/pelas ruas eu vou..."

     Moro suficientemente próximo do clube, da avenida Beira Rio dos jacarés, da praça do animal. Daqui, como fofoqueira de novela, vejo tudo. A criançada se divertindo no pula pula, os pernas de pau, pessoas atravessando a rua ordeiramente e sob a sinalização de guarda de trânsito nunca contratado noutras ocasiões, o predomínio da cor da camisa do Bloco Jacaré da Beira Rio e enfim, o próprio jacaré ali no clube. Repito me emocionou muito. Ontem foi um dia de pura emoção. Sim, foi. Tudo por causa de um jacaré verde. Só isso?  Não, ora! Jacaré de plástico não emociona ninguém. Mas o sentimento de lavar a alma pra, enfim, começar o ano em 2023 estava no ar, nos sorrisos, no cansaço até. Isso me emocionou. Vassourinhas como as demais conhecidas musicas tão bem tocadas pela orquestra, resgatou o ânimo de ter a esperança de que todos nós precisávamos. De mim tirou do fundo da alma as melhores emoções. 

   Continuo sem gostar de Vassourinhas e gosto mais ainda do bloco. Saúdo Jacaré da Beira Rio.       Próximo ano a gente se encontra.

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