Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens com o rótulo Conceição Evaristo

As Mulheres da Fuvest (1)

     A Fuvest, responsável pelo maior vestibular do país, informou que nos anos de 2026, 2027 e 2028, vai exigir a leitura de livros unicamente de mulheres. Até agora a fuvest pedia majoritariamente livros escritos por homens.   Em 2026 os livros indicados são : Opúsculo Humanitário (1853) – Nísia Floresta Nebulosa s (1872) – Narcisa Amália Memórias de Martha (1899) – Julia Lopes de Almeida Caminho de Pedras (1937) – Rachel de Queiroz O Cristo Cigano (1961) – Sophia de Mello Breyner Andresen As Meninas (1973) – Lygia Fagundes Telles Balada de amor ao vento  (1990) – Paulina Chiziane Canção Para Ninar Menino Grande (2018) – Conceição Evaristo A Visão das Plantas (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida Trata-se de uma reparação que já devia ter sido feita há muito tempo. Nunca houve razão nenhum para que Raquel de Queiroz, por exemplo, ser esquecida.  A presença de talentos femininos não invalida nenhum outro talento.  As três primeiras escrito...

Mudança na Fuvest. Só Mulheres Pela Primeira Vez.

     A Fuvest, responsável pelo maior vestibular do país, informou que nos anos de 2026, 2027 e 2028, vai exigir a leitura de livros unicamente de mulheres. Até este ano os autores pedidos eram clássicos e algum autor contemporâneo. Vamos ver ano a ano, para entender melhor e, para quem começa o ensino médio no próximo ano, começar a ler autoras cujos nomes sempre foram esquecidos. Vamos lá: Vestibular de 2023 Poemas Escolhidos - Gregório de Matos. Quincas Borba - Machado de Assis. Alguma poesia - Carlos Drummond de Andrade. Angústia - Graciliano Ramos. Mensagem - Fernando Pessoa. Terra Sonâmbula - Mia Couto. Campo Geral - Guimarães Rosa. Romanceiro da Inconfidência- Cecília Meireles. Vestibular de 2024 Poemas Escolhidos – Gregório de Matos. Quincas Borba – Machado de Assis. Alguma poesia – Carlos Drummond de Andrade. Angústia – Graciliano Ramos. Mensagem – Fernando Pessoa. Terra Sonâmbula – Mia Couto. Campo Geral – Guimarães Rosa. Romanceiro da Inconfidência- Ce...

E Assim Nós Seguimos...

 ...De Fio Jasmim quem nos trouxe as últimas notícias foi Eleonora Distinta de Sá, semelhante nossa, pertencente, mais tarde, à confraria de mulheres. Ela nos trouxe uma face encoberta de Fio Jasmim, que talvez nem ele mesmo soubesse ser possuidor. Distinta de Sá foi a única mulher que percebeu o esvaziamento que Fio trazia no peito. Ela compreendeu que nele morava também o desespero. Mas Fio Jasmim, ele próprio, como homeme, aprendera que o território macho era outro. Era uma região que se situava a mil milhas de diferença das terras das mulheres. E, como proprietário de uma extensa gleba, o homeme ali tinha o dever de dominar as mulheres, de alguma forma. E mais, tinha ainda de desafiar e causar inveja a outros machos. Não sendo de bom tom  o derramamento das dores do macho - assim pensava Fio Jasmim - por isso ele calou qualquer sintoma de mortificação em sua vida. Pouco importava a dolorida lembrança de ter sido preterido pelocoleguinha branco para representar um príncipe....

Olhos d'água, Conceição Evaristo

     Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu de minha boca. De que cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada custei reconhecer o quarto da nova casa em que estava morando e não conseguia me lembrar como havia chegado até ali. E a insistente pergunta, martelando, martelando... De que cor eram os olhos de minha mãe? Aquela indagação havia surgido há dias, há meses, posso dizer. Entre um afazer e outro, eu me pegava pensando de que cor seriam os olhos de minha mãe. E o que a princípio tinha sido um mero pensamento interrogativo, naquela noite se transformou em uma dolorosa pergunta carregada de um tom acusatório. Então, eu não sabia de que cor eram os olhos de minha mãe? Sendo a primeira de sete filhas, desde cedo, busquei dar conta de minhas próprias dificuldades, cresci rápido, passando por uma breve adolescência. Sempre ao lado de minha mãe aprendi conhecê-la. Decifrava o seu silêncio nas horas de dificuldades, como também sabia reconhecer...

Vozes-Mulheres, Conceição Evaristo

A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem – o hoje – o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade. Imagem: Geledés

Olhos d'água, Conceição Evaristo

          Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu de minha boca. De que cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada custei reconhecer o quarto da nova casa em que estava morando e não conseguia me lembrar como havia chegado até ali. E a insistente pergunta, martelando, martelando... De que cor eram os olhos de minha mãe? Aquela indagação havia surgido há dias, há meses, posso dizer. Entre um afazer e outro, eu me pegava pensando de que cor seriam os olhos de minha mãe. E o que a princípio tinha sido um mero pensamento interrogativo, naquela noite se transformou em uma dolorosa pergunta carregada de um tom acusatório. Então, eu não sabia de que cor eram os olhos de minha mãe?      Sendo a primeira de sete filhas, desde cedo, busquei dar conta de minhas próprias dificuldades, cresci rápido, passando por uma breve adolescência. Sempre ao lado de minha mãe aprendi conhecê-la...

Maria, Conceição Evaristo

           Maria estava parada há mais de meia hora no ponto de ônibus. Estava cansada de esperar. Se a distância fosse menor, teria ido a pé. Era preciso mesmo ir se acostumando com a caminhada. Os ônibus estavam aumentando tanto! Além do cansaço, a sacola estava pesada. No dia anterior, no domingo, havia tido festa na casa da patroa. Ela levava para casa os restos. O osso do pernil e as frutas que tinham enfeitado a mesa. Ganhara as frutas e uma gorjeta. O osso a patroa ia jogar fora.  Estava feliz, apesar do cansaço. A gorjeta chegara numa hora boa. Os dois filhos menores estavam muito gripados. Precisava comprar xarope e aquele remedinho de desentupir o nariz. Daria para comprar também uma lata de Toddy. As frutas estavam ótimas e havia melão. As crianças nunca tinham comido melão. Será que os meninos gostavam de melão?      A palma de umas de suas mãos doía. Tinha sofrido um corte, bem no mei...