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Mostrando postagens de fevereiro, 2020

Dia Seguinte, Carlinhos Vergueiro e J.Petrolino

Lindo e verdadeiro poema da M.P.B que cai  tão bem para uma quarta-feira de cinzas quando a vida está voltando à normalidade.   Dia Seguinte está no CD  Beth Carvalho Canta o Samba de São Paulo (1993).   Segue o poema que você pode ouvir aqui. E depois quando a festa acabar O que vai ser desta vida Vai voltar ao que era Antes de passar pela avenida Nem melhor nem pior porque Não pode ser mais dolorida Que será desse mundo de branco e de azul Quando a voz das pastoras emudecer Quando o som da batida do surdo parar igual Um coração pára de bater Que será dessa porta bandeira Que foi tão aplaudida Amanhã quando recomeçar a tristeza interrompida E esse rei que perdeu a coroa e a glória consentida Voltar a ser camelô biscateiro Ou gari ou de berro na mão por aí reinar Poderá ser mais um pingente que cai No ano que vem Ninguém vai notar Imagem: cliparte.com

O Afinador de Silêncios,(Excerto) Mia Couto.

A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez. Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios. — Venha, meu filho, venha ajudar-me a ficar calado. Ao fim do dia, o velho se recostava na cadeira da varanda. E era assim todas as noites: me sentava a seus pés, olhando as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a cabeça meneando para cá e para lá, c

Nascido em 18 de fevereiro: Lêdo Ivo.

Soneto da Aurora Revista Piaui - Ilustração de Caio Borges. Quando a aurora se for, não mais seremos o que ora somos, entre a Noite e o Dia, cegos contempladores da magia que no aquário da noite surpreendemos;  Somos flamas do instante, e em luz ardemos presos eternamente ao que seria  o amor em nossos corpos, alegria do perpétuo horizonte em que nascemos. Das corolas do céu extraio ardente forma de redenção cativa à hora  em que ao puro lilá fui entregar-me.  . Que somos nós senão a eternidade?  o amor transfigurou-se como a aurora e se extinguiu após enfeitiçar-me. Leia mais sobre o autor

Carta de Anyde Beiriz.

Trechos de carta de Anyde Beiriz ao seu grande e verdadeiro amor, Heriberto Paiva (À época, estudante de medicina, 1926) e que a história equivacadamente guardou como haja sido o advogado João Dantas . "(...) O amor que não se sente capaz de um sacrifício não é amor, será, quando muito, desejo grosseiro, expressão bestial dos instintos, incontinência desvairada dos sentidos, que morre com o objetivar-te, sem lograr atingir aquela altura onde a vida se torna um enlevo, um doce arrebatamento, a transfiguração estética da realidade... E eu não quero amar, não quero ser amada assim... Porque quando tudo estivesse findo, quando o desejo morresse, em nós só ficaria o tédio; nem a saudade faria reviver em nossos corações a lembrança dos dias findos, dos dias de volúpia de gozo efêmero, que na nossa febre de amor sensual tinhamos sonhado eternos. Mas não me julgues por isto diferente das outras mulheres; há, em todas nós, o mesmo instinto, a mesma animalidade primitiva, desenfreada,

O Pai Sequestrado, Moacyr Scliar

Os sequestros estão voltando à moda. É  verdade que o último terminou bem, mas um dos receios que a gente tem é que a coisa possa se generalizar, passando, por exemplo, da polícia internacional para a polícia familiar.      Imagine a seguinte situação. Num sábado à tarde você está em casa, lendo. Sua mulher saiu. De repente vem seu filho e pede que você o leve ao cinema, ou ao parque ou a qualquer lugar. Você diz que não, que está lendo, e que tem tanto direito à leitura como ele à diversão. Ele insiste, você finca pé. Ele sai, fechando a porta atrás de si. Você, ainda que aborrecido, volta à leitura.      Um minuto depois, um discreto ruido chama sua atenção. É a chave girando na fechadura. Você dá um pulo, corre até a porta - mas é tarde demais: seu filho acabou de trancá-lo no quarto. Abre esta porta, você ordena, no tom imperioso que sua autoridade paterna exige. Não abro, diz o garoto, e estabelece suas condições: só lhe dará a liberdade se você levá-lo ao cinema ( ou ao p

Um Sonho de Juana, Eduardo Galeano

Ela perambula pelo mercado dos sonhos. As vendedoras estenderam sonhos sobre grandes panos no chão. chega ao mercado a avô de Juana, muito triste porque faz muito tempo que não sonha. Juano o leva pela mão e ajuda-o a escolher sonhos, sonhos  de marzipã ou algodão, asas para voar dormindo, e vão-se embora os dois tão carregados de sonhos que não haverá bastante noite.

Quadrinhos Para Reletir.

     Por que negligenciamos o vizinho  ou até  o familiar com quem moramos?  É mais fácil justamente porque  sabemos não ter responsabilidade pelos filmes, programas de TV?        Ter como referências pessoas que nunca conhecemos não seria injusto com aqueles filhos que sempre estiveram do nosso lado e são um exemplo de dignidade?    Fonte: Estadão.

A Arte da Oração, Rubem Alves

       Hoje vou escrever sobre a arte de rezar. Dirão que esse não é tópico que devesse ser tratado por um terapeuta. Rezas e orações são coisas de padres, pastores e gurus religiosos, a serem ensinadas em igrejas, mosteiros e terreiros. Acontece que eu sei que o que as pessoas desejam, ao procurar a terapia, é reaprender a esquecida arte de rezar. Claro que elas não sabem disto. Falam sobre outras coisas, dez mil coisas. Não sabem que a alma deseja uma só coisa, cujo nome esquecemos. Como disse T. S. Eliot, temos conhecimento do movimento, mas não da tranqüilidade; conhecimento das palavras e ignorância da Palavra. Todo o nosso conhecimento nos leva para mais perto da nossa ignorância, e toda a nossa ignorância nos leva para mais perto da morte.      A terapia é a busca desse nome esquecido. E quando ele é lembrado e é pronunciado com toda a paixão do corpo e da alma, a esse ato se dá o nome de poesia. A esse ato se pode dar também o nome de oração.      Por detrás da nossa t

Cogito, Torquato Neto

Eu sou como eu sou pronome pessoal intransferível do homem que iniciei na medida do impossível Eu sou como eu sou agora sem grandes segredos dantes sem novos secretos dentes nesta hora Eu sou como eu sou presente desfarrolhado indecente feito em pedaço de mim Eu sou como sou vidente e vivo tranquilamente todas as horas do fim. Imagem: caricatura de Torquato Neto, por Acácio Júnior