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Mostrando postagens com o rótulo Marcelo Valença

Fluente, poema de Marcelo Valença

Somos feitos de ação E, mais que isso Somos feitos de ascensão Maturamos em água E, quando prontos Somos entregues à luz E ao ar Somos feitos de senso E, mais que isso Somos feitos de descenso Crescemos buscando o céu E, quando o alcançamos Forçamo-nos a descer ao chão E aterrar Somos feitos de mudança E, mais que isso Somos feitos de perseverança Tememos despregarmo-nos do tempo E, quando o fazemos Tememos retornar ao ontem E parar Somos feitos de decisão E, mais do que isso Somos feitos de contradição Explicamos os fatos e a razão Mas, ao compreendermos Deixamos espaço para a ilusão E o medo Somos feitos e pronto Mas, mais do que isso Somos refeitos ponto a ponto Cabemos em nossos sonhos E, ao sonharmos Cabemos livres em toda a terra E em todo céu. Veja mais em in.voluntaria

Bandeira, Marcelo Valença

Minhas cores são todas E minha bandeira é o agora Da sobra dos dias À luz do crescimento Uma flâmula de todo o saber Minhas armas De criação em massa Um risco, um som e uma palavra Tremulam aos ventos do que virá Sou livre Ninguém impede meu caminhar Na minha terra livre Voa quem é de céu Reza quem é de fé Canta quem é de voz Beija quem é de lábio Dança quem é de alegria Minhas cores são todas E minha bandeira Ativa e altiva É o amor

Deva, Marcelo Valença

De vez em quando Ou contumaz Me apraz Um imperativo devaneio De ver o quanto E tanto mais Satisfaz Um insaciável devaneio Nem vil nem santo Ou audaz Tanto faz Indissolúvel devaneio De vez em quando Me faz Voraz Um indefectível devaneio

Dejeto, Marcelo Valença

Sempre que falas  Tuas poucas palavras Não têm amor És de um inverso Ao sério Amargo e vão Só te contentas Com o escárnio Vil e cruel Sustento novamente um triste ser Cansado e entorpecido sem saber De todas as revoluções que o mundo dá Quando é que a tua vai passar Sempre que gritas Tuas ordens pálidas Não tens amor És um repúdio Um tédio Um mal-humor Só te orientas Por mentiras E por papel Sentindo um antigamente florescer No peito de quem julga sem saber Tanta revolução no mundo há Quando é que a tua vai passar? Sempre que calas - Não tens amor Te mostro o espelho Te leio Não tens amor Te jogo na cara Teu erro Não tens amor Sustento ativamente um livre ser Perfeita discordância de você Tantas revoluções o mundo dá Decerto a tua vai passar

Bastidora, Marcelo Valença

  Vó Salomé fazia suas próprias roupas. Tinha há anos um único molde recortado em cartolina que servia de base para seu modelo infalível. Um retângulo de tecido era suficiente. Com destreza e muitos alfinetes, Salomé traçava duas curvas longitudinais que ligavam diretamente os ombros aos joelhos, já com os espaços destinados à montagem das mangas e da gola. Vê-la trabalhar nas roupas era algo mágico: panos estendidos, tesouras poderosas e retalhos esvoaçantes criavam uma dança de cores e barulhos. Um balé hábil que milimetricamente resultava em uma nova face para Vó Salomé. Mais uma versão do seu já famoso e icônico bastido: algo entre uma bata e um vestido. Vó Salu mantinha sempre quatro bastidos disponíveis, confeccionados especificamente para determinados usos. A primeira roupa da manhã de Vó Salomé era o uniforme da roça. Este estragava rápido, com nódoas de palma ou óleo de coco e azeitona. A bainha abaixo dos joelhos ficava manchada de barro e descosturava em pouco tempo. Pa...

Gigante, Marcelo Valença

Vamos salvar o mundo Pulando de galho em galho Minerar o barro com as mãos Honrando cada pedaço de chão Sobre o tronco que resiste à lava para explorar diamantes de granito Vamos bolar picaretas de madeira e explosivos teleguiados Medindo a empreitada no olhar Queremos as rochas cintilantes Não por que são raras Ou caras Só por que são belas Vamos ver Em cada ser vivo Seu brilho Em todo o teu riso Meu espelho Em cada tua pequeneza Nossa grandeza No Instagran: In.voluntaria

Azuis, Marcelo Valença

Um ser tão árido, ácido De vento seco e ar cálido, pálido Esfarela-se num desejo insólito, mágico De virar o mar Ao ser tão líquido, acredita Nos seus azuis mais íntimos, aceita No seu fluir suave contínuo, acolhe Até vir a amar Por ser tão leve, inspira Livre de narcisos bélicos, expira Ao brilho do sol na água, escuta Há de vir o amor Conheça o autor:  In-voluntária . Leia Marcelo Valença em: Hora Bolas Sê Rocha Lugar Algum Encanto Futuro Longe

Sê Rocha, Marcelo Valença

  E permita o moldar das águas Sê onda E permita o desvio dos caminhos Sê ambos, sê mais: O arrulho do mar O vento da praia O canto das aves O nado dos peixes O coração da terra Mas sê inteiro Leia  mais de Marcelo Valença: Lugar algum Encanto Futuro Longe   Prezado Sargento

Futuro Longe, Marcelo Valença

Somos passado Estilhaços de histórias como pó de memória revoada em fina névoa ressoada na lembrança Quisera meu futuro hoje fosse, sobre que legados haveriam de pisar meus descendentes? Eis que somos, todos nós apenas passado, algoz. Feitos dos sonhos antepassados Costurados das suas honras servis seus medos sutis seus méritos pueris seus atos vis Tudo o que teimaram embevecidos em plantar raiz Quisera eu fazer o mesmo — e quero sobre que caminhos farei mansos os passos dos meus descendentes? Pois somos contudo futuro longe Retalhos das nossas histórias Enredos de vidas diárias renovados na suave esperança de quem deseja voltar a ser assim porvir Conheça o autor

Prezado Sargento. Marcelo Valença

Há pouco mais de três semanas nos conhecemos. Você trouxe um olhar de dúvida que encontrou meus ouvidos cansados. Dois noctívagos desconhecidos num canto qualquer nos fundos de um prédio caixão. Você podia passar por mim com um grunhido qualquer de cumprimento desinteressado, ao qual eu devolveria um arrulho por mera educação. Estou beirando os quarenta e você tem cara de sessenta. Já tivemos tempo suficiente nesta vida para desenvolver aquela camaradagem fática a que todos os homens das nossas gerações foram paulatinamente treinados. Barulhos pré-históricos que demonstram como podemos ser desimportantes uns para os outros. Mas você puxou uma pergunta. Quer saber como funciona o aplicativo do governo para ter a carteira de habilitação digital no celular. Tudo bem, entendo. Seus cabelos brancos te fazem mais velho que minha calvície e o instinto de ajuda aos idosos já me compele a interromper o vídeo genérico a que eu assistia e abrir o aplicativo no meu celular. O seu é Android...

Lugar Algum, Marcelo Valença

Eu vim de longe. Já pertenci a um lugar muito longe daqui. Hoje pertenço a lugar nenhum. Tenho minhas raízes e meus galhos e dilemas. Mas não permanecerei muito. Quando menos esperares, cá não mais estarei. Eu passei fome, vi a miséria nos olhos da minha mãe. Passei vergonha. Pobre do pobre que ousa verbalizar seus pensamentos. Sujeito subversivo sujo. Conheci cedo a velhice e a morte e entendi que uma é a liberação da outra. Viramos estrelas e paramos de pesar nas contas da casa. Deixamos de ser fardo ao atingirmos a expectativa. Morrer de fome não é digno. Morrer sem procurar seu lugar na terra também não é. Morrer sem ser capaz de cavar sua própria cova. Quem morre de fome não morre de doença. Morre de crime. Morre de genocídio de estado, premeditado, corrupto e interminável. Eu vim de longe, dizia. Já pertenci a outros lugares entre lá e aqui. Alguns me foram convite enquanto outros me foram recusa. Quando a terra não te aceita, nela não podes criar raízes. Toda terra é controlada ...

Encanto, Marcelo Valença

     Umas duas noites atrás choveu. Ainda tem sereno no ar quando o sol começa a nascer e o barro da estrada ainda está razoavelmente assentado. Agora bem cedo seu Ulisses está com as vacas na beira da estrada e os três me parecem contentes. Quando passo ele me acena breve com a cabeça, deixando o sorriso suave durar um pouco mais.       Já a professora Irene me encontrou mais à frente no caminho da escola, como sempre. Ela sorria também e parecia que continuava o sorriso de seu Ulisses. Como se sorrissem no gerúndio.        -Tu pensou na pergunta do consultor?      Ela me perguntou assim bem devagar. E ainda ficou parada como um mandacaru para esperar resposta.      Ora, se pensei! Claro que pensei. Estou pensando ainda agora mesmo e já pensei tanto pensamento que você nem imagina. A Irene é bem intencionada, coitada. Gostou da conversa do consultor e quer sair fazendo da esco...