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Mostrando postagens com o rótulo inverno

Em Um Certo São João, crônica de Ana Pottes

     S e avexe não que o tempo da chuva cair, despertando o cheiro da Terra molhada chegou. Amanhã pode ser o dia mais frio da sua vida, aqui nessa cidade que só tem duas estações. No entanto hoje, o calor movimentando a nossa cozinha, faz subir odores que despertam apetites.      Ali, mãe rala o milho e chama a filha mais velha para raspar o côco. Nada me cabe a não ser tapinhas nos dedos ao tentar lamber o creme amarelo-ouro. Sim, pude descascar dois milhos e deles ficar com as bonecas. Lindas! Cabelinhos dourados. Encantada com suas formas guardo junto a uma palha grande, salva da panela que seguiu para o fogo, que lhe servirá de berço.      A pequena cozinha da nossa casa ganha mais vida nesse tempo. A chuva, com seus pingos fortes, chega engrossando a biqueira, dando origem a um riacho. Logo minhas mãos constroem um barco e solto naquela imensidão caudalosa. Como não querem minha ajuda, brinco e crio a viagem dos sonhos para a boneca de ...

Quando Está Frio no Tempo de Frio, poema de Fernando Pessoa

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável, Porque para o meu ser adequado à existência das cousas O natural é o agradável só por ser natural. Aceito as dificuldades da vida porque são o destino, Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno — Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita, E encontra uma alegria no fato de aceitar — No fato sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável. No Brasil o inverno começa oficialmente no dia 21 de junho. É quando temos a noite mais longa do ano.

Terceira Idade, Miryan Lucy Rezende

     Lembro-me bem. Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas deixadas pelo outono, me disse algumas verdades. Convenceu-me de que o céu começaria a apresentar metamorfoses avermelhadas. Que a poeira levantada por ele daria lições de que as coisas nem sempre ficam no mesmo lugar e que é preciso aceitar que a poeira só assenta depois que os redemoinhos se vão.      Foi quando julho se foi que a minha solidão me convidou para uma conversa. E me contou de tempo de esperas. E me disse que o barulho das árvores tinha algo a dizer sobre aceitação. E eu fiquei pensando como elas, as árvores, aceitam as estações que, se as estremecem, também lhes florescem os galhos. Mas tudo a seu tempo. Foi em agosto que descobri que os cachorros loucos são, na verdade, os uivos que não lançamos ao vento. São nossos estremecimentos particulares que a nossa rigidez de certezas não nos permite encarar.      O mê...

Estadão indica: Livros Para Ler No Inverno/Férias

Estadão escolheu para leitura de inverno/férias 12 livros dentre os recém lançados ficção e não ficção no Brasil. Vamos conferir? Ficção: Inverno, Karl Ove Knausgard Segundo volume da Quadrilogia das Estações, de Karl Ove Knausgård (1968), autor da série autobiográfica Minha Luta . Neste volume , Karl Ove Knausgård e sua mulher vivem o último semestre da gestação da filha. Assim como em Outono, mas agora motivado por um clima mais austero e vagaroso, ele elabora ensaios singulares sobre o mundo que ela irá encontrar ao nascer. A carta que abre o volume é destinada à menina. Por quase dois meses, a preparação para a sua chegada era feita por meio de pequenas mas extraordinárias reflexões sobre a neve, alguns objetos de casa, Natal e Papai Noel, animais, amigos. No meio da escrita do livro, porém, uma surpresa: o nascimento, um mês antes do planejado. Cinzas Na Boca, Branda Navarro Na história, uma jovem mexicana parte para a Espanha com o irmão para reencontrar a mãe, ausente desde a...

Inverno de Uma Semana, Porã.

     Sou daqueles que têm as piores impressões do inverno. Não me venha com esse papo de “inverno inesquecível”, porque pra mim não cola. Todos os invernos são “esquecíveis”. É muito frio. Não dá. Poderia ser uma semana só, que já tava bom.      A estação gelada altera o humor das pessoas, e pra pior, é claro! São ondas intensas de mau humor em meio as massas polares. O bom dia, o sorriso, a gentileza ficam cada vez mais raros. Estamos todos carrancudos, contrariados, encarangados e retraídos por causa do frio. Não é uma estação simpática. Há quem goste e curta os prazeres do inverno.      Vinho, chocolate quente, lareiras em chamas, fondues e viagens à Serra... Isso é muito pouco perto do desconforto que nos traz o frio. Até pra fazer amor fica mais complicado. Bom é ter dinheiro pra curtir o verão no Hemisfério Norte, mas infelizmente, ainda não o tenho.      Acordar cedo é sacanagem. Faço...

Manhã de Inverno, Machado de Assis

C oroada de névoas, surge a aurora  Por detrás das montanhas do oriente;  Vê-se um resto de sono e de preguiça,  Nos olhos da fantástica indolente.  Névoas enchem de um lado e de outro os morros  Tristes como sinceras sepulturas,  Essas que têm por simples ornamento  Puras capelas, lágrimas mais puras.  A custo rompe o sol; a custo invade  O espaço todo branco; e a luz brilhante  Fulge através do espesso nevoeiro,  Como através de um véu fulge o diamante.  Vento frio, mas brando, agita as folhas  Das laranjeiras úmidas da chuva;  Erma de flores, curva a planta o colo,  E o chão recebe o pranto da viúva.  Gelo não cobre o dorso das montanhas,  Nem enche as folhas trêmulas a neve;  Galhardo moço, o inverno deste clima  Na verde palma a sua história escreve.  Pouco a pouco, dissipam-se no espaço  As névoas da manhã; já ...

Epitáfio, Regina Ruth Rincon Caires

      Domitila sentou-se novamente ao lado do minúsculo túmulo, debruçou o corpo sobre ele, como se o abraçasse. Fechou os olhos e sentiu uma paz que havia muito não sentia. Não tinha mais cansaço, nem dor, não havia mais agonia. Cumprira a missão.     Tudo começou por ali, nos arredores daquela vila. Ali viveram seus pais, e ali elas nasceram. Tempos difíceis, sem qualquer recurso. Lembrava-se dos olhos tristonhos da mãe ao falar sobre o encanto da filha mais velha. Da vivacidade dos seus oito meses de vida, da alegria, da pele rosada, dos olhos cristalinos, das coxas roliças.             E , num repente, na extensão de apenas um dia, ela se foi. Começou com um pequeno desarranjo, julgado como reação pelo despontar dos dentes, e no começo da noite agravou-se com uma febre incontrolável. Mesmo com a débil claridade da lamparina, ficava visível nas pequenas bochechas rubras a i...