Pular para o conteúdo principal

Epitáfio, Regina Ruth Rincon Caires


      Domitila sentou-se novamente ao lado do minúsculo túmulo, debruçou o corpo sobre ele, como se o abraçasse. Fechou os olhos e sentiu uma paz que havia muito não sentia. Não tinha mais cansaço, nem dor, não havia mais agonia. Cumprira a missão.

    Tudo começou por ali, nos arredores daquela vila. Ali viveram seus pais, e ali elas nasceram. Tempos difíceis, sem qualquer recurso. Lembrava-se dos olhos tristonhos da mãe ao falar sobre o encanto da filha mais velha. Da vivacidade dos seus oito meses de vida, da alegria, da pele rosada, dos olhos cristalinos, das coxas roliças.

            E, num repente, na extensão de apenas um dia, ela se foi. Começou com um pequeno desarranjo, julgado como reação pelo despontar dos dentes, e no começo da noite agravou-se com uma febre incontrolável. Mesmo com a débil claridade da lamparina, ficava visível nas pequenas bochechas rubras a intensidade da febre. E a prostração do amado corpinho evidenciava a gravidade do quadro. Tudo muito rápido, sem tempo algum para qualquer acudimento. Na verdade, acudimento não existia. Ali, naquele fim de mundo, não havia nada. Ninguém além deles...

            Quanta dor quando perceberam que nada mais poderia ser feito! A vida da filha havia partido. E, ainda com a madrugada escura, com o fosco prateado do início da lua crescente, a mãe e o pai seguiram em direção à vila, carregando nos braços e na alma aquela que seria a maior dor da vida. E tudo foi feito. Nem sabiam como. A papelada foi providenciada, e a filha enterrada. De início, uma pequena carneira de ripas fora erguida, mas depois o pai providenciou uma lápide de tijolos com uma cruz de madeira. Tudo caiado de branco.

            Dois anos depois, nasceu Domitila. Igualmente formosa, mas de saúde delicada. Da mesma maneira, amada. Por ali viveram mais uns poucos anos e, esperançosos, partiram para terras mineiras, dadas como promissoras para os roceiros. Passaram por duas fazendas de café, e na última ficaram até a morte do pai.

            Domitila e a mãe mudaram-se para Lavras, cidade mais próxima da fazenda onde viviam. Alugaram três cômodos. Sobreviviam com a pensão que a mãe recebia pela morte do pai, e mais uns caraminguás que conseguiam defender com o trabalho de lavar e passar roupas. A mãe já estava fisicamente debilitada. Idosa e judiada pela vida, pouco ajudava. Mas, para Domitila, era uma companhia prazerosa. Sempre se deram bem. Ambas possuíam almas nobres, eram mansas na lida com a vida. A rudeza e as tristezas não as endureceram... Faziam ótima companhia uma à outra. Conversavam demoradamente sobre todos os acontecimentos, sobre todas as saudades. Não havia nenhum planejamento futuro. Apenas a esperança de um dia voltar à vila onde Virgínia estava sepultada. Por opção, Domitila nunca se casou. De saúde frágil durante toda a vida, padecia constantemente com agudas crises de asma.

            E assim os anos corriam mansos, simples. O passeio semanal de mãe e filha era a missa domingueira na capelinha próxima da casa em que viviam. Até que um dia, a mãe se cansou. Não queria mais comer, não queria mais tomar banho, não queria mais ir à igreja. Prostrada, definhada, não conseguia mais sair da cama. E Domitila cuidava dela como se cuidasse de uma criança. Com paciência, com dedicação, com todo o amor do mundo. Mas os seus cuidados perderam a batalha para outra força. A morte levou a mãe.

            Sentiu a mais dura solidão. Nunca pensara em ficar só. Não sabia como administrar a vida assim, sem ouvir uma única voz na casa. Entristecida, idosa, sem recursos para sobreviver, com a alimentação minguada e a falta de cuidados, as crises de asma intensificaram-se a ponto de os vizinhos procurarem a assistência social. E Domitila conseguiu, além de uma pensão vitalícia, tratamento médico dispensado pela equipe do posto de saúde.

            Recuperou-se. Passou a fazer uso diário de muitos medicamentos que minimizavam os vários problemas de saúde desconhecidos até então. Passava os dias sem maiores preocupações, apenas atenta aos horários e doses dos seus medicamentos. O único propósito, no qual pensava e repensava ao longo do dia e durante as noites insones, era a viagem de volta à vila onde nascera, a visita ao túmulo da irmã. Era um desejo, uma missão. Prometera à mãe que não morreria sem lá voltar. E essa era a vontade mais velada.

            Mesmo com todos os cuidados, a saúde de Domitila ficava mais comprometida a cada dia. E chegou um momento em que precisou deixar a casa que alugava. Foi levada para um asilo. Lugar aconchegante, apinhado de velhinhos amigos, cheio de cuidadores, de comida cheirosa, de cama limpa, de banhos refrescantes. Estava feliz. O jardim era lindo, com todas as flores da infância. Muitas dálias, cravos, rosas, flores de capitão...

            Domitila não lembrava mais de qualquer tristeza. Preenchia os seus dias com as atividades de pintura, de bordados, crochê, de jardinagem. E conversava muito. Tantos amigos, tantas histórias. Umas alegres, outras tristes... E nessas conversas soube que as pessoas idosas poderiam viajar de ônibus sem pagar. Não sabia! Isso lhe abriu caminhos... A parca pensão vitalícia não chegava a suas mãos. Quase a totalidade ficava com a administração do asilo, o que era muito justo, assim ela pensava. A ela eram repassados uns trocados a cada mês, mas não tinha nem como gastar! Tinha tudo, tinha mais do que precisava...

            O inverno chegou de forma inclemente. Frio que doía nos ossos, e que trouxe gripe a quase todos os idosos do asilo. Domitila ficou mal. Noites e noites de febre causticante, de tosses agudas, de falta de ar. E sempre, amorosamente cuidada. Pedia silenciosamente por saúde, pedia para que fosse dada a ela a possibilidade de viajar até a terra em que havia nascido. Era o seu mais intrínseco e único desejo. Nada mais queria da vida. Só isso...

            Alavancada pela missão a cumprir, recuperava-se, ainda que lentamente. A febre cedera. Apenas a tosse a incomodava. Dava-lhe uma canseira danada no peito, uma inapetência, e atrapalhava o sono. Com a diminuição dos remédios, passava mais horas acordada, e tinha mais tempo para maquinar a sua viagem. Sabia que se falasse sobre isso com alguém seria desencorajada, e se a administração porventura ficasse sabendo, ela seria impedida de ir de qualquer maneira. Por isso tramava tudo silenciosamente. Dentro da cabeça, tinha toda a trajetória a percorrer. Em detalhes... Sairia do asilo à noitinha, no horário em que todos se recolhem. A sua companheira de quarto era dorminhoca. Bastava entrar nas cobertas e já estava ressonando. Iria bem agasalhada, levaria os remédios na bolsa, juntamente com a carteira de documentos e o pouco dinheiro que guardara por todo tempo. O nome da cidade ela sabia, e usaria do direito das passagens de idosos.

            Tudo arquitetado, cuidadosamente planejado. Domitila ainda se sentia fraca, mas temia adoecer novamente e não ter a oportunidade de realizar o desejo arraigado na alma e cumprir a missão que combinara com a mãe. Não poderia fraquejar agora, talvez seria essa a última, a única chance.

            No dia escolhido, uma segunda-feira, reorganizou a bolsa, conferiu tudo, separou uma troca de roupa e a acondicionou numa pequena sacola plástica. Colocou tudo sobre os cobertores, no seu guarda-roupa.

            Naquele dia saboreou o café da manhã como nunca, passou os olhos em cada um dos amigos, conversou com muitos. Almoçou e jantou com eles, numa alegria imensa. Já estava com saudades antes mesmo de partir. E não pretendia demorar nessa viagem... Logo estaria de volta, e sabia que levaria uma bronca danada! Passeou pelo jardim olhando detalhadamente cada flor, que agora eram poucas. Ali o frio também havia castigado.

            Depois do jantar, voltou ao quarto. Pegou uma folha de papel, uma caneta, e começou a desenhar umas letras. Mal sabia escrever, estudara muito pouco. Como ela mesma dizia, não escrevia, apenas desenhava algumas letras. Acabou de escrever e guardou a folha na bolsa. Não era um bilhete para a amiga de quarto. Cumpriria religiosamente o que havia esboçado em sua mente. Não diria nada a ninguém.

            Ficou sentada na cama, esperando a chegada da parceira. Quando ela entrou foi direto ao banheiro. Voltou já de camisola, pronta para entrar nas cobertas. E assim fez. Domitila fez a oração da noite com ela, e em seguida entrou no banheiro. Tomou um banho demorado, estava imensamente feliz. Quando saiu, a companheira já ressonava. Deixou a porta do banheiro entreaberta para clarear um pouco o quarto. Pegou a melhor roupa, vestiu-se calmamente. Agasalhou-se bem, colocando até uma touca preta de lã. Escolheu um cachecol bem longo, deu duas voltas no pescoço. Calçou as grossas luvas, meias de lã, e confortáveis sapatos. Pronto. Estava preparada para partir. Aguardava apenas as luzes serem apagadas e o silêncio envolver tudo.

            Para esperar, sentou-se novamente na cama. Com a pouca claridade que passava pela fresta da porta do banheiro, olhou cada detalhe do quarto. Quatro paredes que acolheram o seu sono nos últimos oito anos. Tempo bom... Olhava a amiga que dormia santamente. Companheira de tantas orações, de tantas prosas, de tantas risadas, de tantos dias bem vividos.

            Finalmente tudo quieto. Tudo apagado. Domitila pega a bolsa, o saco plástico, olha para a amiga e dá um sorriso. Apaga a luz do banheiro, abre a porta do quarto devagarinho, sai, e com o mesmo cuidado a fecha. Segue passo a passo, com muito cuidado, como se pisasse em plumas. Não pode fazer qualquer barulho. Atravessa o pátio, e sai pelo portão dos fundos. O único que é fechado com trava somente por dentro. Imprudente, irresponsavelmente vai deixar o portão destrancado, mas não há outro jeito.

            Quando se vê na rua, tem vontade de rir. Está fazendo a maior peripécia de toda a sua vida! A maior, não! A única! Olha a rua vazia, escura, um vento frio, cortante. Ajeita os óculos, ergue a dobra do cachecol até cobrir a boca e segue em frente. A rodoviária não fica longe. Basta andar por mais alguns quarteirões, e a primeira etapa estará vencida.

            Chegando à rodoviária, pede informações e dirige-se ao balcão da empresa de transporte que faz a rota. Pede para comprar a passagem de idoso. É avisada de que o ônibus parte às 23h, que irá até São José do Rio Preto, e que lá terá que pegar outro ônibus para chegar ao destino. Terá de esperar pouco mais de uma hora, mas está feliz. Muito feliz. Sente um frio intenso. Acomoda-se em uma poltrona bem recuada, fora da corrente de ar. Ali, quietinha, silenciosamente põe-se a rezar. Sente a presença da mãe. Sabe que ela está ali, a lhe guiar. E sente-se ainda mais feliz.

            No horário marcado, o ônibus parte. Que sensação prazerosa! Domitila nem tem conta de quantos anos faz desde a última viagem em um ônibus de carreira. Ainda era menina, isso mesmo! As luzes do ônibus se apagam, a poltrona ao lado está vazia. Nenhum idoso solicitou a outra passagem. Tem espaço para colocar a bolsa e a sacola plástica. Sente muito frio, pensa que deveria ter trazido a manta. Tinha pensado nisso, mas não queria fazer volume na bagagem. Tenta pensar em outra coisa, esquecer o frio. Em vão... Em poucas horas está tremelicando, e o ar frio do ônibus piora tudo. Percebe que está com febre. Tem sede, muita sede.

            Quando o ônibus faz a primeira parada, já é madrugada, Domitila pede ao motorista que lhe compre uma garrafinha com água. Além da sede insana, quer tomar um remédio para baixar a febre. Sente muito frio, e muito desconforto. E para piorar o gentil motorista traz água gelada. Coitado, foi tão solícito!

            Toma o remédio, bebe toda a água. Não consegue dormir. Não sabe se pela ansiedade ou se pelo mal-estar, mas não prega os olhos. Na segunda parada, desce cuidadosamente do ônibus, vai ao banheiro, compra outra água, agora sem gelo, e volta ao ônibus. O dia amanhece e encontra-a exausta. Sente-se cansada e doente. A tosse começa a incomodar. Está gelada. Os pés, quase insensíveis.

            Quando o ônibus chegou a São José do Rio Preto, Domitila perguntou ao motorista como deveria proceder para comprar a outra passagem. Orientada, conseguiu a passagem e precisava esperar pelo embarque para o seu destino. Depois de um tempo, acomodada no assento reservado, e com o ônibus a caminho da vila da sua infância, Domitila começou a pensar nos amigos do asilo. A essa altura eles deveriam estar alvoroçados com a sua falta, as freiras deveriam estar preocupadíssimas com o seu sumiço. Na volta ela explicaria, e a bronca seria retumbante. Dá um sorriso. Sente saudades.

            A missão está quase finalizada. Falta muito pouco. Sente um mal-estar tremendo, muito desconforto, uma fraqueza sem limite. Percebe que a febre voltou, a tosse está se intensificando, dói-lhe o peito. Deus! Esse ônibus precisa chegar logo ao destino. Talvez quando descer, tomar um café com leite e comer um pão, tudo ficará bem. Quer chegar, isso é o que deseja. Nada mais.

            Quando o ônibus chega à rodoviária da vila, Domitila começa a chorar. Não sabe definir se chora de alegria ou de dor. Sente-se feliz, mas fragilizada. Tem medo das forças a abandonarem. Já no saguão, vai ao bar, toma um café reforçado e engole os remédios do dia. Vai ao banheiro. Antes de sair, lava o rosto e passa uma escova nos cabelos. Segue a orientação do rapaz que a leva ao táxi. Passando pelas ruas, tudo lhe é totalmente desconhecido, nada familiar. Não tem lembrança de nada, era muito pequena quando partiu.Uma vila que agora é uma cidade, e cheia de ladeiras. O táxi sobe e desce, vira aqui e vira ali, e em poucos minutos para diante do cemitério.

            Uma entrada acanhada. Domitila passa pelo portão de ferro, olha adiante e vê uma imensidão de área. Não há ninguém no atendimento. O cemitério é enorme. Tudo muito diferente do que a mãe lhe descrevia. Os túmulos eram gigantescos, modernos, suntuosos. Não havia nada da singeleza descrita pela mãe. Vai caminhando em zigue-zague, procurando com os olhos alguma evidência, algo similar a todas as narrativas da mãe. A tosse impiedosa não a abandonava. Tinha calafrios sucessivos. Andou muito, viu muitos túmulos de crianças, e procurava avidamente por uma lápide pequena, rústica, com uma cruz de madeira. Muito cansada, sentou-se em um banco que ficava sob uma árvore, pediu a Deus que a orientasse, que abreviasse a sua busca. Estava mal, sabia que iria precisar de cuidados médicos, mas não agora.

            Voltou à portaria, havia um homem lá. Logo ele se apresentou como coveiro e responsável pelo cemitério. Domitila contou a ele toda a sua história, e o que buscava. Estendeu a ele o seu documento e disse que o nome da irmã era Virgínia, e que o sobrenome era o mesmo dela. O homem nem pegou o documento. Declarou a ela que trabalhava ali havia mais de 40 anos, que não existia qualquer registro anterior a 1950. Então Domitila disse a ele que talvez o túmulo da irmã nem existisse mais. Mas ele garantiu a ela que todos os corpos sepultados até 1950 possuíam sepulturas perpétuas, definitivas. Todos continuavam no mesmo lugar. Explicou que os túmulos mais antigos ocupavam a área no entorno da capela. E como o cemitério fora ampliado posteriormente, os sepultamentos, quanto mais recentes, mais distanciados da capela ficaram.

            Percebendo que Domitila não estava muito bem, o homem ofereceu a ela uma água e um café. Ela aceitou, agradeceu e recomeçou a sua busca. Parou junto à calçada da capela e procurava buscar na memória a direção que a sua mãe havia descrito. Seguiu em linha reta, depois retornou ao mesmo lugar. Refez a caminhada na diagonal. Muitas crianças sepultadas, muitas fotos, o que simplificava a busca. O túmulo da sua irmã não tinha foto. Buscava um túmulo simples, com uma cruz de madeira. E não conseguia encontrar. Sentia tanto frio, tossia incessantemente, tinha vontade de deitar, mas estava ali, pronta a realizar o seu desejo. Não recuaria, nunca...

            A tarde ia caminhando sem pena. E ela não encontrava o túmulo da irmã. Prostrada, chorando baixinho, sentindo a febre cada vez mais elevada, com a tosse a castigar-lhe o peito, retornou novamente ao ponto de partida: a velha e minúscula capela. E desta vez seguiu sem rumo, novamente ziguezagueando entre os túmulos. Tropeçava aqui, pisava em falso ali, já não sentia os pés. O sol estava a descer, e ela continuava a busca. O encarregado do cemitério Tinha terminado o expediente. Pensou que Domitila tivesse desistido, e se foi. Além dela, não havia mais ninguém por ali.

            Não tendo mais forças para continuar, Domitila senta-se na estreita calçada de um túmulo. Começa a chorar copiosamente. Sente-se doente, incapaz de seguir a caminhada, e extremamente desolada. Não encontrou o túmulo da irmã. Olha o céu, o sol quase sumiu por completo. Pensa na mãe. Olha em frente, e depois volta os olhos para o lado. Olha a lápide margeada pela calçada onde está sentada. Com muito esforço, coloca-se de pé. É um túmulo pequeno, antigo, tem uma pequena elevação na cabeceira com um buraco no centro. Percebe que aquele buraco não fora feito em vão. Sim, ali havia a cruz de madeira. Certamente se desfez com o tempo. Sente que finalmente encontrou o túmulo da irmã. E chora, chora como nunca havia chorado na vida. Chora gritado. Nem sabe por quantos minutos... Estava exaurida.

            Domitila sentou-se novamente ao lado do minúsculo túmulo, debruçou o corpo sobre ele, como se o abraçasse. Fechou os olhos e sentiu uma paz que havia muito não sentia. Não tinha mais cansaço, nem dor, não havia mais agonia. Cumprira a missão.

            Com a cabeça recostada na fria lápide, e com o rosto em brasa, Domitila tinha no pensamento a figura da mãe, dos amigos do asilo, do pai. De repente o frio cessara, não havia desconforto, nem tosse, nem dor no peito. Tudo ficara muito leve, flutuava...

            Na manhã, Domitila foi encontrada.

         Sem saber o que fazer, e lembrando toda a história contada por ela, o coveiro conferiu a bolsa, procurou pelos documentos e viu uma folha de papel dobrada, toda amassada. Abriu rapidamente o papel e nele viu desenhado: QUERO FICAR AQUI. ESTE É O MEU LUGAR.

            E assim foi feito.

Leia mais da autora clicando aqui  e aqui.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Aprenda a Chamar a Polícia, Luis Fernando Veríssimo

          Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro.                   Como minha casa era muito segura, com  grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali,espiando tranquilamente. Liguei baixinho para a polícia, informei a situação e o meu endereço. Perguntaram- me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa.            Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível. Um minuto depois liguei de novo e disse com a voz calma: - Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guard