Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens com o rótulo Carta

Carnaval, uma Carta De Mário de Andrade

Mário de Andrade passou o Carnaval de 1923 no Rio de Janeiro, encantou-se com a folia carioca e não foi visitar Manuel Bandeira em Petrópolis. No final de fevereiro, enviou uma carta ao amigo, argumentando a sua ausência. "Meu Manuel… Carnaval!… Perdi o trem, perdi a vergonha, perdi a energia … Perdi  tudo. Menos minha faculdade de gozar, de delirar … Fui  ordinaríssimo. Além do mais: uma aventura curiosíssima. Desculpa contar-te toda esta pornografia. Mas… que delícia, Manuel, o Carnaval do Rio! Que delícia, principalmente, meu Carnaval! […] Meu cérebro acanhado, brumoso de paulista, por mais que se iluminasse em desvarios, em prodigalidades de sons, luzes, cores, perfumes, pândegas, alegria, que sei  lá!,  nunca seria capaz de imaginar um Carnaval carioca, antes de vê-lo. Foi o que se deu. Imaginei-o  paulistamente . […] Admirei repentinamente o legítimo carnavalesco, o carnavalesco carioca, o que é só carnavalesco, pula e canta e dança quatro dias sem parar. ...

Carta Para Josefa, Minha Avó. José Saramago

     “Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu  acredito. Não sabes ler.   as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio começava a gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua cama, lume da tua lareira, – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz. Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos da rua, casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódio...

Poesia de Filho Para O Poeta Pai, Thiago de Mello Filho.

     Passei três semanas no Amazonas, viajando sozinho. Se é que é possível dizer que viajei sozinho, pois sempre estive acompanhado de gente que me quer bem, amigos e familiares que encontrei pelo caminho. Gente que amo e que me constitui. Fui com dois propósitos nessa imersão solitária. O primeiro, visitar meu pai. Estar com ele por alguns momentos, já ciente da situação de saúde e cuidados na qual ele se encontrava. Depois, fui com o objetivo de iniciar uma reforma inadiável em nossa casa à beira do rio, em Freguesia do Andirá, no interior do município de Barreirinha, a quase 350 km de Manaus. Um dia de barco pra chegar até lá. A casa me pede zelo já há um tempo e estou há uns meses organizando uma campanha para arrecadar recursos para as obras. Consegui uma parte do dinheiro através da generosidade e da compreensão de muitos amigos e conhecidos, todos amantes da amizade, da poesia, da Amazônia e da obra literária de meu pai. Todos sonhadores como eu, que sabem, como m...

Crônicas na M.P.B: E.C.T - Voz: Cássia Eller

Tava com cara que carimba postais Que por descuido abriu uma carta que voltou Levou um susto que lhe abriu a boca Esse recado veio pra mim, não pro senhor Recebo o crack, colante Dinheiro parco, embrulhado Em papel carbono e barbante Até cabelo cortado Retrato de 3x4 Pra batizado distante Mas isso aqui, meu senhor É uma carta de amor... Levo o mundo e não vou lá Levo o mundo e não vou lá Levo o mundo e não vou lá levo o mundo e não vou Mas esse cara tem a língua solta A minha carta ele musicou Tava em casa a vitamina pronta Ouvi no rádio a minha carta De amor Dizendo: Eu caso contente Papel passado e presente Desembrulhado o vestido Eu volto logo, me espera Não brigue nunca comigo Eu quero ver nosso filho O professor me ensinou Fazer uma carta de amor Levo o mundo e não vou lá Levo o mundo e não vou lá Levo o mundo e não vou lá levo o mundo e não vou Tava com cara que carimba postais Que por descuido abriu uma carta que voltou Levou um susto que lhe abriu a boca Esse recado veio pra ...

Carta de Anyde Beiriz.

Trechos de carta de Anyde Beiriz ao seu grande e verdadeiro amor, Heriberto Paiva (À época, estudante de medicina, 1926) e que a história equivacadamente guardou como haja sido o advogado João Dantas . "(...) O amor que não se sente capaz de um sacrifício não é amor, será, quando muito, desejo grosseiro, expressão bestial dos instintos, incontinência desvairada dos sentidos, que morre com o objetivar-te, sem lograr atingir aquela altura onde a vida se torna um enlevo, um doce arrebatamento, a transfiguração estética da realidade... E eu não quero amar, não quero ser amada assim... Porque quando tudo estivesse findo, quando o desejo morresse, em nós só ficaria o tédio; nem a saudade faria reviver em nossos corações a lembrança dos dias findos, dos dias de volúpia de gozo efêmero, que na nossa febre de amor sensual tinhamos sonhado eternos. Mas não me julgues por isto diferente das outras mulheres; há, em todas nós, o mesmo instinto, a mesma animalidade primitiva, desenfreada,...

Papa Escreve Para Lula Diabo Escreve Para Bozo, Pedro Paulo Paulino

Pelas redes sociais, Quase todo mundo leu Carta que o Papa Francisco Recentemente escreveu, Seu nome embaixo assinou E para Lula enviou, Que bastante o comoveu. Nessa carta já histórica, Fala Sua Santidade Em amor, em esperança, Em justiça e liberdade. E de maneira envolvente, Expõe ao ex-presidente Sua solidariedade. Por outro lado, no inferno, O diabo, com mais de cem, Todo cheio de rancor, Resolveu lá do além, De modo bastante claro Escrever pra Bolsonaro A sua carta também. Pela inveja, todos sabem, O capeta vive cego. Quando soube da notícia, Viu insultado o seu ego, Uma carta logo fez E lançou, por sua vez, No site da caixa-prego. Um internauta que viu, Leu a carta até o fim, Aproveitou, fez um print Da letra do “coisa ruim”, Um escrito bem graúdo E todo seu conteúdo Diz mais ou menos assim:  “Inferno, trinta de maio, Caro Bozo presidente, Desde que você ganhou, Vivo aqui muito contente! Lhe apoiei, não me arrependo, Aprovo o que ...

Uma Carta e o Natal, Carlos Heitor Cony ( última crônica)

     Este será o primeiro Natal que enfrentaremos, pródigos e lúcidos. Até o ano passado conseguimos manter o mistério —e eu amava o brilho de teus olhos quando, manhã ainda, vinhas cambaleando de sono em busca da árvore que durante a noite brotara embrulhos e coisas. Havia um rito complicado e que começava na véspera, quando eu te mostrava a estrela onde Papai Noel viria , com seu trenó e suas renas, abarrotado de brinquedos e presentes.      Tu ias dormir e eu velava para que dormisses bem e profundamente. Tua irmã, embora menor, creio que ela me embromava: na realidade, ela já devia pressentir que Papai Noel era um mito que nós fazíamos força para manter em nós mesmos. Ela não fazia força para isso, e desde que a árvore amanhecesse florida de pacotes e coisas, tudo dava na mesma. Contigo era diferente. Tu realmente acreditavas em mim e em Papai Noel.

Segunda-feira poética: Carta de Idalzira Para Joan

Minha casa era hospedagem Dos que moravam por fora Homem, criança e senhora Faziam camaradagem Todos fizeram viagem Em busca de outro torrão Deixando meu coração Cheio de saudades somente De uma casa cheia de gente Só resta um gato e um cancão. Foram embora meus cunhados Meus sobrinhos, meus amigos Foram enfrentar os perigos Que existe em outros estados Hoje estão espalhados Me dando recordação Vivo nesta solidão Velha, cansada e doente De uma casa cheia de gente Só resta um gato e um cancão. Fomos quatro irmãos unidos Todos morando por perto Porém Jesus achou certo Que ficássemos divididos Por isto fomos escolhidos Para esta separação A mana do coração Foi embora primeiramente De uma casa cheia de gente Só resta um gato e um cancão. Também um filho casado Minha nora carregou Meus netos também levou Ac...

Carta a Ana Olímpia,José Eduardo Agualusa

Paris, Abril de 1878 Princesa,           Acabo de receber uma carta de Arcénio de Carpo, na qual ele, inadvertidamente, me dá a conhecer factos que supõe serem já do meu conhecimento.  E não deviam ser? tivesse eu, como as minhocas, cinco corações, e um estaria em festa, outro apertado de angústia, o terceiro em fúria, o quarto duvidando do mundo e o quinto , simplesmente, ardendo de paixão. No meu único coração todos esses sentimentos se confundem, e assim, violentamente confundidos, produzem em mim uma excitação geral, que não sou capaz de controlar ou sequer de definir.          Vou pois ser pai e tu escondeste-me a notícia. Diz Arcénio que a criança deve nascer em Julho. Significa que quando em Fevereiro nos separámos já guardavas no ventre, ocultando-o de mim, um filho meu. É certo que não pretendia ter filhos, e lembro-me que discutimos esse assunto, e discordámos.  diss...

Caro jovem manifestante

Manifestação SEM vandalismo e SEM desacato?  TEM MEU APOIO. Polícia SEM agressão? TEM MEU APOIO. Governador QUE DESAUTORIZA, cassetete, bomba de gás e arma? TEM MEU APOIO.                                 Caro manifestante: exponha sua revolta, mostre à imprensa que você chegou no limite, tá de saco cheio de bandalheira, dessa copa que mina os cofres públicos, tá puto da vida com aquele partido que você aplaudiu, mas que hoje engana a todos e ri de você.       Grite a plenos pulmões que  na sua faculdade tem um bando de analfabetos entre os aprovados no Enem e entre os professores também. Vá lá, amigo! Pinte sua cara, ponha máscara do que você quiser, leva a namorada, seu cachorrinho e demais amigos. Fale, escreva, grite  que nesse momento e lugar você está perdidinho querendo ver um caminh...

Sempre ele, Graciliano Ramos!

Recentemente peguei emprestado de um  amigo o livro "Cartas" - Graciliano Ramos. Imaginei que comentaria aqui. Bobagem minha. G.R é uma instituição. Agradecendo  ao  amigo a disponibilidade, Deixo,sem mais dizer, umas de suas cartas a D.Heloísa.    Heloísa, Chegaram-me as duas linhas e meia que me escreveste. Pareceram-me feitas por uma senhora muito séria, muito séria! muito antiga, muito devota, dessas que deitam água benta na tinta. Tanta gravidade, tanta medida, só vejo em documentos oficiais. Até sinto desejo de começar esta carta assim: "Exma.Sra.: tenho a honra de comunicar a V. Exa., etc". Onze palavras! Imagino o que um indivíduo experimenta ao receber onze palavras frias da criatura que lhe tira o sono? Não imaginas. E sabes o que vem a ser isto de passar horas acordado, sonhando coisas absurdas? Não sabe. Pois eu te conto. Sento-me à banca, levado por um velho hábito, olho com rancor uma folha de papel, que teima em tornar-s...