Paris, Abril de 1878
Princesa,
Acabo de receber uma carta de Arcénio de Carpo, na qual ele, inadvertidamente, me dá a conhecer factos que supõe serem já do meu conhecimento. E não deviam ser? tivesse eu, como as minhocas, cinco corações, e um estaria em festa, outro apertado de angústia, o terceiro em fúria, o quarto duvidando do mundo e o quinto , simplesmente, ardendo de paixão. No meu único coração todos esses sentimentos se confundem, e assim, violentamente confundidos, produzem em mim uma excitação geral, que não sou capaz de controlar ou sequer de definir.
Vou pois ser pai e tu escondeste-me a notícia. Diz Arcénio que a criança deve nascer em Julho. Significa que quando em Fevereiro nos separámos já guardavas no ventre, ocultando-o de mim, um filho meu. É certo que não pretendia ter filhos, e lembro-me que discutimos esse assunto, e discordámos. disse-te então que não gostaria que ficasse neste mundo sinal algum da minha passagem, a não ser, vagamente, uma imprecisa nostalgia pousada sobre os lugares, as pessoas, os objetos que um dia intensamente amei. Um homem faz um filho e o que acontece? Depressa este lhe dá dois netos, e aqueles quatro bisnetos, e assim por diante, originando um ruidoso caudal de gente que irá com seu nome e o seu sangue atravessar a eternidade. Fazer um filho é gerar um universo. Hão-de vir os anjos, mas também os demónios; há-de vir o amor, ma igualmente o ódio; e juntamente com o sublime virá o abominável. A mim, que não me agrada o papel de Deus, parece-me(parecia-me) um filho um acto arrogante e temerário.
Lembro-me com efeito de ter defendido esta tese, depois do jantar, ignorando que esperavas um filho meu. Mas - Santo Deus! - era depois do jantar e conversávamos. Eu, convicto de que nunca faria descendência, fumava e filosofava. Se soubesse do teu estado certamente filosofaria em sentido contrário, e com idêntica convicção.
Enfim, servem estas rápidas linhas para te dizer que estarei no Recife dentro de trinta ou quarenta dias. Parto mais cedo do que previa não apenas por causa da carta do jovem Arcénio, mas também porque sem ti esta cidade me parece morta, e eu me sinto intoleravelmente só. Como escreveu o velho Balzac (foi Balzac?): A solidão é óptima, desde que haja alguém com quem possamos conversar sobre isso. Abraço-te, a ao nosso filho.
Fradique.
Nação Crioula, a correspondência secreta de Fradique Mendes, José Eduardo Agualusa, págs.125/126 Ed.Grypus, Rio de Janeiro 2001.
O blog manteve a grafia lusitana usada pelo autor.
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