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Mostrando postagens com o rótulo África

Assim Termina o Livro Que Eu Terminei:

     Sabemos, por entrevistas, que Nafissatou Diallo ficou magoada quando as acusações criminais foram arquivadas. Uma reação esperada e compreensível.  Mas a imaginação artística também é o mundo do "e se" . E se em vez de ficar devastada, ela visse o arquivamento das acusações como uma maneira de escapar de um sistema que sabia que não estava configurado para beneficiar pessoas como ela? E se ela visse isso como um alívio complicado, tendo-lhe sido negada a chance de fazer justiça, mas também como o ganho de possibilidade de recuperar sua vida, congelada no gelo do desconhecido?      Às vezes quando escrevemos ficção, momentos mágicos caem do céu, personagens se mostram e partes reveladoras formam cenas, como aconteceu no fim deste comance. Fiquei profundamente comovida com aquele final gestado no terreno selvagem da dor pessoal e, ainda assim, tão afastado da dor.      Minha mãe, acho, teria gostado sa personagem Kadiatou. Eu a imagin...

Dançar, Paulina Chiziane

  "Dançar. Dançar a derrota do meu adversário. Dançar na festa do meu aniversário. Dançar sobre a coragem do inimigo. Dançar no funeral do ente querido. Dançar à volta da fogueira na véspera do grande combate. Dançar é orar. Eu também quero dançar. A vida é uma grande dança." Conheça Paulina Chiziane: Proverbio, o poder da palavra Leia Paulina Chiziane: Balada de Amor ao Vento O Alegre Canto da Perdiz Niketche Ventos do Apocalipse O Canto As Andorinhas

O Perigo de Uma História Única, Chimamanda Ngozi Adichie ( amostra do livro)

Sou uma contadora de histórias. Gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que gosto de chamar "o perigo de uma história única".      Passei a infância num campus universitário no leste da Nigéria. Minha mãe diz que comecei a ler aos dois anos de idade, embora eu ache que quatro deva estar mis próximo da verdade. Eu me tornei leitora cedo, e o que lia eram livros infantis britânicos e americanos.      Também me tornei escritora cedo. Quando comecei a escrever, lá pelos sete anos de idade- textos escritos a lapis com ilustrações feitas com giz de cera que minha pobre mãe era obeigada a ler -, escrevi exatamente o tipo de história que lia: todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis, brincavam na neve, comiam maçãs e falavam muito sobe o tempo e sobre como era bom o sol ter saído.      Escrevia sobre isso apesar de eu morar na Nigéria. Eu nunca tinha saído do meu país. Lá, não tinha neve, comíamos mangas e nunca fal...

A Lentidão da Sede, poema de Mia Couto

A chegada dos bois ao bebedouro me ensina a espera, o tempo da água no corpo da terra. O boi não precisa que sonhem O boi bebe e os olhos se enchem de céu. A tarde, terrestre, se ajeita à esteira, mulher se oferecendo ao trançar dos cabelos. Um dia, me cumprirei, findo e final, como os bois se acercam do bebedouro. Um dia serei bebido pelo céu. Em: Poemas escolhidos, Cia das Letras 2016, pág. 35

À Reconquista, Agostinho Neto.

Não te voltes demasiado para ti mesma Não te feches no castelo das lucubrações infinitas Das recordações e sonhos que podias ter vivido Vem comigo África de calças de fantasia desçamos à rua e dancemos a dança fatigante dos homens o batuque simples das lavadeiras ouçamos o tam-tam angustioso enquanto os corvos vigiam os vivos esperando que se tornem cadáveres vem comigo África dos palcos acidentais descobrir o mundo real onde os milhões se irmanam na mesma miséria atrás das fachadas de democracia de cristianismo de igualdade Vem comigo África de colchões de molas e reentremos na casinha de latas esquecidas no musseque da Boavista até onde já nos empurram ao nos quebrarem as casas de meia água de Cayette e à volta de fogo consolador das nossas aspirações mais justas examinaremos a injustiça inoculada no sistema vivo em que giramos. Vem comigo África de colchões de esmola regressemos à nossa África onde temos um pedaço da nossa carne calcado sob as botas dos magala – a nossa África Vem c...

A Peste, Albert Camus - primeiras páginas.

     Na manhã de um dia 16 de abril dos anos de 1940, o doutor Bernard Rieux sai do seu consultório e tropeça num rato morto no meio do patamar. Nesse momento, afastou o bicho sem lhe prestar atenção e desceu a escada. Chegando à rua, porém, veio-lhe a ideia de que esse rato não estava no seu lugar e voltou atrás para prevenir o porteiro.  Perante a reação do velho Michel, sentiu melhor o que a sua descoberta tinha de insólito. A presença desse rato parecera-lhe apenas estranha, enquanto para o porteiro ela constituía um escândalo. A posição deste último era, aliás, categórica: não havia ratos em casa.  Por mais que o médico lhe afirmasse que havia um no patamar do primeiro andar e, provavelmente, morto, a convicção de Michel permanecia íntegra. Não havia ratos na casa, e era, pois, necessário que tivessem trazido aquele de fora. Em resumo, tratava-se de uma partida.      Nessa mesma noite, Bernard Rieux, de pé no corredor de edifício, procurava a...

O Conto de Blimundo ( Cabo Verde, África)

     Havia um boi chamado Blimundo. Era grande, forte e amante da vida e da liberdade. Além disso, era muito amado e respeitado por todos, pois sabia pensar por si próprio, além de ser muito gentil com todos. Ao saber da existência de criatura tão autêntica, Senhor Rei perguntou-se que boi seria esse, que ousava ser tão livre em seus posicionamentos e fazendo com que os outros bois lhe seguissem o exemplo. Se ele continuasse assim, quem faria, depois, o trabalho pesado do reino?       Ordenou, então, que Blimundo fosse pego morto ou vivo, a trazido até a sua presença. Os homens do Senhor Rei saíram em busca do boi, mas este os encontrou primeiro e deu um fim neles. Ao saber da notícia, Senhor Rei reuniu os homens mais valentes do reino e os mandou capturar Blimundo, e os homens partiram. O boi, novamente, deu cabo dos homens. Quando recebeu tão triste notícia, Senhor Rei desesperou-se, mas logo ouviu falar de um rapaz que fora criado no borralho da ci...

Em Torno da Minha Baía, Alda Espírito Santo

Em torno da minha baía Aqui, na areia, Sentada à beira do cais da minha baía do cais simbólico, dos fardos, das malas e da chuva caindo em torrentes sobre o cais desmantelado, caindo em ruínas eu queria ver à volta de mim, nesta hora morna do entardecer no mormaço tropical desta terra de África à beira do cais a desfazer-se em ruínas, abrigados por um toldo movediço uma legião de cabecinhas pequenas, à roda de mim, num vôo magistral em torno do mundo desenhando na areia a senda de todos os destinos pintando na grande tela da vida uma história bela para os homens de todas as terras ciciando em coro, canções melodiosas numa toada universal num cortejo gigante de humana poesia na mais bela de todas as lições: HUMANIDADE     . - Alda do Espírito Santo, em "É nosso o solo sagrado da terra". Lisboa: Ulmeiro, 1978. Alda Espírito Santo  (1926-2010)  Escritora, poetisa, jornalista e professora nascida no arquipélago de São Tomé e Príncipe na década de 20, Alda é conhecida com...

O Que Estou Lendo? A Última Tragédia, Abdulai Sila

  Este é meu primeiro livro de autor da Guiné-Bissau. Por causa do romance procurei saber sobre o país africano. Gostei de fazer isso.  Bem, o romance é centrado em Ndani que sai de sua terra natal no interior e vai para a capital da Guiné-Bissau, por ser tida como portadora do azar, causadora natural de tragédias. Esse estigma faz Ndami ir viver só e sem recursos num território de pessoas brancas e que não falam a sua língua.  Ndami narra o que vê, passa e  entende da vida  sem curandeiros, e sem tribos, mas sob outra forma de domínio (religioso, político e branco) que lhe é totalmente desconhecido.   A visão que a personagem tem dos brancos ora surpreendendo ora assustando mas sempre obrigando à adaptação por sobrevivência é encantadora. Última Tragédia , foi uma grata surpresa e eu recomendo a leitura. Acrescento que a África tem excelentes escritores que valem muito ser lidos e com quem temos muito a aprender sobre nós mesmos.  O Mundo Coloni...

A Origem do Tambor - Conto popular da Guiné-Bissau

      Dizem na Guiné que a primeira viagem à Lua foi feita pelo Macaquinho de nariz branco. Segundo dizem, certo dia, os macaquinhos de nariz branco resolveram fazer uma viagem à Lua a fim de traze-la para a Terra.           Após tanto tentar subir, sem nenhum sucesso, um deles, dizem que o menor, teve a idéia de subirem uns por cima dos outros, até que um deles conseguiu chegar à Lua.        Porém, a pilha de macacos desmoronou e todos caíram, menos o menor, que ficou pendurado na Lua. Esta lhe deu a mão e o ajudou a subir.        A Lua gostou tanto dele que lhe ofereceu, como regalo, um tamborinho.       O macaquinho foi ficando por lá, até que começou a sentir saudades de casa e resolveu pedir à Lua que o deixasse voltar.       A lua o amarrou ao tamborinho para descê-lo pela corda, pedindo a ele ...

Um Baobá no Recife, João Cabral, de Melo Neto

Recife. Campo das Princesas.  Lá tropecei com um baobá. Crescido em frente das janelas  do governador que sempre há. Aqui, mais feliz, pode ter úmidos que ignora o Sahel;  dá-se em copudas folhas verdes que dão nossas sombras de mel Faz de jaqueiras, cajazeiras, se preciso, de catedral; faz de mangueiras, faz de sombra que adoça nosso litoral.  2  Na parte nobre do Recife,  onde seu rebento pegou, vive,  ignorado do Recife,  de quem vai ao governador. Destes nenhum pensou (se o viu)  que na África ele é cemitério:  se no tronco desse baobá enterrasse os poetas de perto,  criaria, ao alcance do ouvido,  senado sem voto e discreto:  onde o sim valesse o silêncio. Imagem: OxeRecife

Biografia do Língua, Mário Lúcio Sousa

- É isto a liberdade? Há qualquer coisa de inseparável entre liberdade e solidão. Mas também há qualquer coisa de parecido entre liberdade e o amor. Serão iguais. Solidão ajuda a perceber a liberdade. Mas é em companhia que a gente a saboreia. Acho que no amor acontece o mesmo: a sós significa dois. Mas liberdade com medo, liberdade fugindo, não é liberdade, é soltura. Seja como for, não é submissão. Amor deixado para trás é amor? Liberdade nós trazemos connosco. E o amor? Também. Todos os que eu amei estão cá comigo. Ajudem-me. O meu consolo é que, pelo que eu pude perceber, um escravo fujão nunca é considerado um homem covarde. O padrinho entenderá. Espero que minha menina também. Mas vou viver sem eles toda a vida?  O Língua olhava para o seu fardo, para o incansável outro que o tinha suportado todos os dias, dizia-lhe:Aguenta-te, rapaz, não me abandones e não te abandonarei.

Faith No More, Mário Lúcio Sousa

  A fé nunca é demais se se transborda rega e invade. Sei que está comigo e que me fala:   não ouvi-la é transcendental. Ela me fala do outro lado do som   e toma formas efêmeras para agilizar a língua porque é a mesma forma que se vê dissímil                                        em cada forma. A cor pura necessita de luz pura   mas a luz tem as suas cores e ali estão, também efêmeras, porque é a mesma luz que se vê dissímil                                        em cada cor. Creio e vejo e tenho   só porque creio porque nem vejo nem tenho.   Tudo se me...

Cuidar dos Pais, Valter Hugo Mãe

 Minha mãe é a minha filha. Preciso de lhe dizer que chega de bolo de chocolate, chega de café ou de andar à pressa. Vai engordar, vai ficar eléctrica, vai começar a doer-lhe a perna esquerda.      Cuido dos seus mimos. Gosto de lhe oferecer uma carteira nova e presto muita atenção aos lenços bonitos que ela deita ao pescoço e lhe dão um ar floral, vivo, uma espécie de elemento líquido que lhe refresca a idade. Escolho apenas cores claras, vivas. Zango-me com as moças das lojas que discursam acerca do adequado para a idade. Recuso essas convenções que enlutam os mais velhos. A minha mãe, que é a minha filha, fica bem de branco, vermelho, gosto de a ver de amarelo-torrado, um azul de céu ou verde. Algumas lojas conhecem-me. Mostram-me as novidades. Encontro pessoas que sentem uma alegria bonita em me ajudar. Aniversários ou Natal, a Primavera ou só um fim-de-semana fora, servem para que me lembre de trazer um presente. Pais e filhos são perfeitos para presentes. ...

Por Que Girafa Não Tem Voz? Rogério Andrade Barbosa.

  Houve   Houve uma época em que os animais da floresta falavam todos a mesma língua. A girafa gostava de se vangloriar dizendo que era a rainha dos bichos porque tinha o pescoço mais comprido. Como era mais alta que os outros, costumava ficar olhando para o céu e conversando sozinha consigo mesma. Os outros bichos logo começaram a se irritar com essa mania da girafa, especialmente na hora em que tentavam tirar uma soneca depois do almoço. Irritados, começaram a traçar um plano para silenciar a chata da girafa. O leopardo foi até a grandalhona e provocou: ___ Você fica aí contando vantagem o dia inteiro, mas tem coisas que não sabe fazer. A girafa, que era muito atrevida, gritou: ___ O que por exemplo? ___ Correr mais rápido do que eu _ desafiou o veloz leopardo. ___ Aceito _ respondeu a girafa, sem pestanejar. ___ Me avise a hora e o lugar. O dia da corrida foi logo marcado. O leopardo, certo que ia vencer, convocou tod...

A Casa, Mia Couto

Sei dos filhos pelo modo como ocupam a casa: uns buscam os recantos, outros existem à janela. A uns satisfaz uma sombra, a outros nem o mundo basta. Uns batem com a porta, outros hesitam como se não houvesse saída. Raras vezes sou pai. Sou sempre todos os meus filhos, sou a mão indecisa no fecho, sou a noite passada entre relógio e escuro. Em mim ecoa a voz que, à entrada, se anuncia: cheguei! E eu sorrio, de resposta: chegou? Mas se nunca ninguém partiu… E tanto em mim demoram as esperas que me fui trocando por soalho e me converti em sonolenta janela. Agora, eu mesmo sou a casa, casa infatigável casa a que meus filhos eternamente regressam.  - Mia Couto, em “Tradutor de chuvas”.  Lisboa: Editorial Caminho, 2011. Imagem:www.asadoutrina.com.br

O Cão Escapa de Aparecer no Jornal, Pepetela

Imagem: Armindo Lopes      Em artigo de primeira página, ilustrado com duas fotografias, o “Jornal de Angola” informava:      “Ontem, pelas 17 horas, reinava enorme animação na Feira Popular de Luanda, pois as festividades eram destinadas aos pioneiros, por ocasião do Dia Mundial da Criança. Milhares e milhares de crianças da capital tiveram entrada gratuita e divertiam-se, quer com os carrosséis, baloiços, concursos de natação e pólo aquático, torneios de xadrez, tômbola, quer com brinquedos improvisados. Várias orquestras actuavam simultaneamente em sítios diferentes da Feira para dar maior calor e ritmo ao local. Era uma verdadeira festa para os mais novos que se manifestavam ruidosamente, como só eles o sabem fazer, marcando o fim próximo do ano escolar, regozijando ainda mais os que tiveram aproveitamento, compensando, em parte a tristeza dos muitos – infelizmente – que já não têm hipótese.      “ Foi p...