Mas também há qualquer coisa de parecido entre liberdade e o amor. Serão iguais. Solidão ajuda a perceber a liberdade. Mas é em companhia que a gente a saboreia. Acho que no amor acontece o mesmo: a sós significa dois. Mas liberdade com medo, liberdade fugindo, não é liberdade, é soltura. Seja como for, não é submissão. Amor deixado para trás é amor? Liberdade nós trazemos connosco. E o amor? Também. Todos os que eu amei estão cá comigo. Ajudem-me. O meu consolo é que, pelo que eu pude perceber, um escravo fujão nunca é considerado um homem covarde. O padrinho entenderá. Espero que minha menina também. Mas vou viver sem eles toda a vida?
O Língua olhava para o seu fardo, para o incansável outro que o tinha suportado todos os dias, dizia-lhe:Aguenta-te, rapaz, não me abandones e não te abandonarei.
Para pensar, o Língua falava consigo mesmo.Pensava no padrinho, que lhe dizia: O que nós os homens somos não se pode ver. Não podemos dizer que a nossa alma tem esta ou aquela cor. Os velhos congos diziam que a alma é uma espécie de maga que nós carregamos, as há benfeitoras e também malfeitoras. A alma deixa o corpo de uma pessoa quando morre ou, por instantes, quando dormimos. Os sonhos são feitos para estarem em contacto com a alma. É o momento em que a alma recupera sua liberdade e sai a passear pelo espaço. O arrepio é um sentimento por causa da alma que sai e volta a entrar no corpo. E quem tem arrepios deve rezar sempre. Enfim, os ensinamentos do dia-a-dia. Palavras do padrinho ecoando na memória. Mas sobre o amor nem uma palavra. Talvez não haja sabedoria para isso.
No meio desse pensamento, pareceu-lhe, então, entender o que o padrinho quisera dizer-lhe com o afilhado toma conta do padrinho.
In:Sousa, Mário Lúcio, Biografia do Língua, Ed. D.Quixote, Portugal 2015, págs.206-207
Nota: o blog manteve a grafia original.
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