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Mostrando postagens com o rótulo memórias

Peixe Na Água, Mario Vargas Llosa ( Primeira página)

           1 - Aquele Senhor Que Era Meu Pai             Minha mãe me segurou pelo braço e me levou para fora utilizando a saída de serviço da prefeitura. Fomos andando até o cais Eguiguren. Estávamos nos últimos dias de 1946 ou nos primeiros de 1947, pois já prestármos exames no Salesiano, eu já concluíra a quinta serie do primário e já chegara o verão de Piura, de luz branca e esfixiante calor.      - Você sabia, claro - disse minha mãe sem que sua voz tremesse. - Não é mesmo?      - O quê?      - Que seu pai não morreu. Não é mesmo?      - Claro. Claro.      Mas não sabia, não desconfiava minimamente, e foi como se de repente o mundo se paralisasse para mim. Meu pai, vivo? E onde ele estava durante todo o tempo em que pensei que estava morto? Era uma longa história que até aquele dia - o mais importante de todos os que já vivera e talvez dos que ...

Assim Começa o Livro Que Eu Comecei

 1 - OS ARGONAUTAS "OS ÓRFÃOS DA TEMPESTADE"      Medonho desastre. Perdido na procela, o avião precipitou-se no mar, a pouca distância da costa da Flórida. Era noite fechada quando as lanchas de serviço de salvamento da marinha norte-americana chegaram ao lical do sinistro. E ali, sob a chuva, na negra noite, começaram a pescar os cadáveres de passageiros e tripulantes. O primeiro a aparecer foi o da Princesa Hindu, que sorria com uma estrêla-do-mar aninhada entre os seios. O gordo Homem de Negócios boiava abandonado, como um fôfo boneco de borracha, e em sua bôca aberta mexia-se um caranguejo. Vieram outros. O moço de Bordo com uma medusa na testa. A Americana Loura com os cabelos soltos e olhos vidrados... O Comandante todo condecorado de anêmonas... Tinham os braços enredados em algas, e a morte lhes pintara nos rostos as côres mais doidas. Por fim ficaram faltando apenas os corpos dos brasileiros. Holofotos eflitos varejavam as águas. Longe, cintilavam as lu...

O Vestido, Adélia Prado

No armário do meu quarto escondo do tempo e traça meu vestido estampado em fundo preto. É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas à ponta de longas hastes delicadas. Eu o quis com paixão e o vesti como um rito meu vestido de amante. Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido. É só tocá-lo, e volatiza-se a memória guardada: eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão. De tempo e traça meu vestido me guarda. Fonte: Escritas

O Bosque Chileno, Pablo Neruda

Flor de Copihue/ flor de la nacionalidad Ao pé dos vulcões, junto aos ventisqueiros, entre os grandes lagos, o fragrante, o silencioso, o emaranhado bosque chileno... Os pés  afundam na folhagem morta, um ramo quebradiço crepita, os gigantescos raulíes* levantam sua estrutura encrespada, um pássaro da selva fria atravessa o ar, esvoaça e se detém entre as ramagens sombrias - e logo, de seu esconderijo, soa como um oboé... o aroma selvagem do loureiro e o aroma obscuro do boldo me penetram pelas narinas até a alma... O cipreste das Guaitecas intercepta meus passos... É um mundo vertical: uma nação de pássaros, uma multidão de folhas... Tropeço em uma pedra, escarvo a cavidade descoberta e uma aranha imensa de pêlo vermelho me olha fixamente, imóvel, grande como um caranguejo... Um besouro dourado me lança sua emanação metífica enquanto desaparece coo relâmpago seu radiante arco-íris ... Ao passar, atravesso o bosque de fetos muito mais alto do que eu; caem no meu rosto sessenta lágr...

A Cigana e Outras Revelações, Antonio Neto

     Os dias que se seguiram à última Assembleia das  Crianças Inadequadas foram meio tristes, porque nós isolamos o menino que tinha inventado a história de que as mulheres têm vazamento de sangue. Ele ficou tristinho, sozinho. E nós também ficamos chateados, porque é muito ruim ter que deixar alguém de lado... Mas, fazer o quê? Outro fato veio nos trazer preocupação: ficamos sabendo que a Protetora do Jardim Pinheiro estava muito doente. Ela era uma mulher de pele escura, bastante idosa e muito querida por todos, pois era benzedeira. O nome dela era Dona Fia. Ficamos preocupados! O que seria das crianças daquela área sem a proteção dela?  É assim! As pessoas envelhecem e, um dia, partem... Contudo, soubemos que outra Protetora estava sendo preparada para quando Dona Fia partisse. E eu, em particular, fiquei muito feliz; pois quem iria nos auxiliar seria a minha Tia Isabel, meia-irmã do meu pai. Foi assim que, em certa tarde bastante fria, encontramos a Ti...

Escova, Manoel de Barros

Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No come~co achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar ossos por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterradas por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, tran...

Dedicatória (3) Aos Outros Rios, Ao Mar, Luciano Maia

Aos Outros Rios Também aos grandes rios forasteiros Iracema- Lagoa de Messejana Alguns dos quais embora tão distantes. Aos seus filhos e pais, desde os ribeiros Menores aos caudais mais importantes. Aos nordestinos rios, companheiros De dias parcos, tempos lancinantes Aos que mostram ao sol suas areias As hídricas palavras destas veias. Ao Mar Enfim, ao mar da terra de Iracema Que acolhe estas águas irrisórias Dedico o meu atávico poema (sincero contributo das memórias dos sertanejos lídimos da gema) E aos vaqueiros-do-mar, estas estórias Estes versos de múltiplo elemento: De terra e fogo e água e sol e vento. In: Maia, Luciano, Jaguaribe Memória das Águas, Governo do Estado do Ceará 2010 Leia também: Dedicatória 1 aos cantadores e aos repentistas e Dedicatória 2 Autor do modelo guia da estátua: artista plástico Alexandre Rodrigues

Lendo Mulheres: Diane Di Prima

Ano passado soube da campanha Leia Mulheres   e me dei ao trabalho de verificar  a quantidade de autoras que eu tinha lido:  foram apenas 8, de uma pilha de 33.   Decidi por dar mais atenção à leitura de livros escritos por mulheres e, para isso, anotei algumas sugestões.   Bem, começo agora, meu primeiro livro. A autora é Diane Di Prima , uma escritora americana de 81 anos que eu não conheço. "O que será que aconteceu com todos aqueles beatniks?", refletiu a loira, aluna do primeiro ano, que me levava de volt a São Francisco após a sessão de leitura que fiz na Berkeley ano passado. Bom, querida, alguns de nós venderam tudo e viraram hippies. Outros conseguiram preservar a integridade, aceitando subvenções do governo ou escrevendo romances pornográficos. John Wieners está louco e foi internado em Buffalo; Fred Herko pulou de uma janela; Gary Snyder é um monge zen. Tem de tudo. Ou, como minha filha de onze anos  me disse recentemente, lembr...

Amigo Secreto de LivroErrante

                 Chegou um dos melhores momentos de meu querido grupinho de leitura: o amigo secreto. Os presentes?  Livros, claro. O que é que um bando de viciados-quase-traça ia pedir se não livros?   Bem organizado e com participantes interessados, alguns presentes já começaram a chegar Qual desses livros eu vou ganhar? Eu Sou Malala,  Malala Yousafzi e Christina lamb   Quando o Talibã tomou controle do vale do Swat, uma menina levantou a voz. Malala Yousafzai recusou-se a permanecer em silêncio e lutou pelo seu direito à educação. Mas em 9 de outubro de 2012, uma terça-feira, ela quase pagou o preço com a vida. Malala foi atingida na cabeça por um tiro à queima-roupa dentro do ônibus no qual voltava da escola... (Saraiva)         Memórias De Uma Beatnik, Diane Di Prima Um clássico da literatura erótica. Memória...

Estreante,Manoel de Barros

                                                                Fui morar numa pensão na rua do Catete. A dona era viúva e buliçosa E tinha uma filha indiana que dava pancas. Me abatia. Ela deixava a porta do banheiro meio aberta E isso me abatia. Eu teria 15 anos e ela 25. Ela me ensinava: precisa não afobar. Precisa ser bem animal. Como um cavalo. Nobremente. Usar o desorgulho dos animais. Morder lamber cheirar fugir voltar arrodear lamber beijar cheirar fugir voltar Até. Nobremente. Como os animais. Isso eu aprendi com minha namorada indiana. Ela me ensinava com unguentos. Passava unguento passava unguento passava unguento. Dizia que era um ato religioso foder. E que era preciso adornar os desejos com unguento. E passava unguento e passava unguento. Só depois que adornava bem ela queria. Pregava que ...

Lançamento: Retratos Antigos, Elisa Lispector

Retratos antigos (esboços a serem ampliados) Elisa Lispector Nádia Battella Gotlib (org.) Área: Autobiografia 2012. 143 p. ISBN: 978-85-7041-938-5 Obra Avulsa Dimensão: 24,50 x 17,40 Peso: 450 gramas Em Retratos Antigos , Elisa Lispector revisita o passado e refaz o percurso dos seus ancestrais através de fotos de família. A autora, então no momento de plena maturidade, escreve a história da família Lispector, evocando valores e costumes desse grupo de trabalhadores rurais e de comerciantes. O texto possui 28 laudas datilografadas e revistas e demonstra intenção da autora de dar prosseguimento aos relatos. Por isso o subtítulo Esboços a serem ampliados. Elisa faleceu em 1989 e o livro, que agora se publica, aguardou 22 anos para vir a público. R$ 85,00 (www.editoraufmg.com.br)  

Eu Não Vim Fazer Um Discurso. Grabiel García Márquez

     Comprei o livro de García Márquez por acaso. Já conhecia o autor,de quem gosto  imensamente. Não sabia, porém, que ele estava com livro novo na praça.       O exemplar, cuja capa não tem nada de atraente, estava bem à minha frente quando entrei na livraria.      Fazer o quê? Eu Não Vim Fazer Um Discurso   é uma coletânea de textos, discursos feitos em diversas ocasiões e lugares ao longo de boa parte de sua vida.       Inicia com o que ele fez em 1944 despedindo-se dos colegas de turma do ensino médio.  Simples, abrangente, afetivo, bem humorado e elaborado.       A primeira surpresa foi quando confirmei no próprio livro que o autor  tinha, à época, apenas 17 anos.        A cada texto uma satisfação. Em Como Comecei a Escrever (03.05.1970), García Márquez diz francamente do medo que está sentindo por falar e...