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Mostrando postagens com o rótulo Oração

Prece, Fernando Pessoa

Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo. Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome. Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai. Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar. Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te...

Ajuricaba do Nascimento, Regina Ruth Rincon Caires

− Aceita um refrigerante? Água? Ao mesmo tempo em que meneia a cabeça negativamente, coloca a mão à frente reforçando recusa para a comissária. Ajeitando-se na poltrona, procura afastar o incômodo. Desde a decolagem, o estômago trava uma batalha insólita com os bons costumes. Sem dúvida, se tivesse o corpo mais sadio e aguentasse a longa viagem por estradas, o retorno seria menos sofrido. Nem de longe imaginaria entrar num avião. E agora está ali. Desconfortável, sentado ao lado do passageiro que tem fone atolado nos ouvidos e come amendoim salgado num mastigar desembestado, enquanto vê numa das telas, entre as muitas dependuradas no teto, um filme cheio de explosões, tiro para todos os lados. O cheiro do óleo torrado é nauseante. É. Talvez tenha demorado muito a regressar.  Fecha os olhos para embaçar a luz intensa. E leva um tremendo susto com o balanço forte do avião. Não tolera altura, não queria estar ali, e essa brincadeira não estava combinada. Segura firme nos braço...

A Arte da Oração, Rubem Alves

       Hoje vou escrever sobre a arte de rezar. Dirão que esse não é tópico que devesse ser tratado por um terapeuta. Rezas e orações são coisas de padres, pastores e gurus religiosos, a serem ensinadas em igrejas, mosteiros e terreiros. Acontece que eu sei que o que as pessoas desejam, ao procurar a terapia, é reaprender a esquecida arte de rezar. Claro que elas não sabem disto. Falam sobre outras coisas, dez mil coisas. Não sabem que a alma deseja uma só coisa, cujo nome esquecemos. Como disse T. S. Eliot, temos conhecimento do movimento, mas não da tranqüilidade; conhecimento das palavras e ignorância da Palavra. Todo o nosso conhecimento nos leva para mais perto da nossa ignorância, e toda a nossa ignorância nos leva para mais perto da morte.      A terapia é a busca desse nome esquecido. E quando ele é lembrado e é pronunciado com toda a paixão do corpo e da alma, a esse ato se dá o nome de poesia. A esse ato se pode dar também o nome de or...

Oração Ao Tempo, Caetano Veloso

És um senhor tão bonito Quanto a cara do meu filho Tempo, tempo, tempo, tempo Vou te fazer um pedido Tempo, tempo, tempo, tempo Compositor de destinos Tambor de todos os ritmos Tempo, tempo, tempo, tempo Entro num acordo contigo Tempo, tempo, tempo, tempo Por seres tão inventivo E pareceres contínuo Tempo, tempo, tempo, tempo És um dos deuses mais lindos Tempo, tempo, tempo, tempo Que sejas ainda mais vivo No som do meu estribilho Tempo, tempo, tempo, tempo Ouve bem o que te digo Tempo, tempo, tempo, tempo Peço-te o prazer legítimo E o movimento preciso Tempo, tempo, tempo, tempo Quando o tempo for propício Tempo, tempo, tempo, tempo De modo que o meu espírito Ganhe um brilho definido Tempo, tempo, tempo, tempo E eu espalhe benefícios Tempo, tempo, tempo, tempo O que usaremos pra isso Fica guardado em sigilo Tempo, tempo, tempo, tempo Apenas contigo e comigo Tempo, tempo, tempo, tempo E quando eu tiver saído Para fora do teu círculo Tempo, tempo,...

Oração, Milton Nascimento e Fernando Brandt

Pai Nosso que não estás aqui Sacrificado é o vosso povo Humilhados e ofendidos são os nossos homens Deserdados e famintos são os nossos filhos Feridos e estéreis são nossos ventres Aqui, na terra. O pão nosso de cada dia A alegria nossa de cada dia O amor nosso de cada dia O trabalho nosso de cada dia: Venham a nós, voltem a nós De trem, de carro ou navio. Não nos deixei cair em lamentações Mas livrai-nos desse vazio.  Cd: Milton Nascimento & Belmondo Gravadora: Biscoito Fino Ano: 2009

Oração para Marilyn Monroe, Ernesto Cardenal

01.06.1926 - 05.08.1962 Senhor, recebe esta moça conhecida em toda a terra pelo nome de Marilyn Monroe ainda que este não seja o seu nome verdadeiro (mas Tu conheces o seu nome verdadeiro, o da pequena orfã). violentada aos 9 anos, a empregadinha de loja que quis se matar aos 16 e agora se apresenta diante de Ti sem nenhuma maquilagem Sem seu Agente de Imprensa Sem fotógrafos e sem assinar autógrafos sozinha como um astronauta diante da noite espacial. Ela sonhou quando menina que estava nua em uma igreja (de acordo com a Time) diante de uma multidão prostrada, com as cabeças no chão e tinha que caminhar na ponta dos pés para não pisar nas cabeças. Tu conheces nossos sonhos melhor que os psiquiatras. Igreja, casa, cova, são a segurança do seio materno mas também é mais que isso.

Oração Para Antônio Maria, Pecador e Mártir, Vinicius de Moraes

     Nos domingos anteriores, postei crônicas do jornalista, compositor e boêmio pernambucano nascido em 1921 no Recife e falecido no Rio  de Janeiro em  1964. Hoje, para encerrar, transcrevo:  " Oração para Antônio Maria , pecador e mártir", escrita por Vinícius de Moraes em julho de 1968: "Nós saíamos os dois do "Vogue", e depois de deixar Aracy no táxi que a levava ao seu subúrbio, seguíamos de carro até o Leblon, às vezes acompanhando a matilha madrugadora de vira-latas a transitar entre as calçadas do Jardim de Alá; havia sempre um que parava para fazer pipi, o que provocava o reflexo dos outros, e era aquela mijação feliz — que eu nunca vi raça de bicho mais contente da vida que vira-lata carioca ao nascer do Sol. Parecia, mal comparando, uma fileira de lingüiças semoventes, uma a cheirar o rabinho da outra. Você ria uma grande gargalhada, contente com o seu Cadillac velho, com a explosão da aurora no mar, com os vira-...