Pular para o conteúdo principal

A Peste, Albert Camus - primeiras páginas.

     Na manhã de um dia 16 de abril dos anos de 1940, o doutor Bernard Rieux sai do seu consultório e tropeça num rato morto no meio do patamar. Nesse momento, afastou o bicho sem lhe prestar atenção e desceu a escada. Chegando à rua, porém, veio-lhe a ideia de que esse rato não estava no seu lugar e voltou atrás para prevenir o porteiro.  Perante a reação do velho Michel, sentiu melhor o que a sua descoberta tinha de insólito. A presença desse rato parecera-lhe apenas estranha, enquanto para o porteiro ela constituía um escândalo. A posição deste último era, aliás, categórica: não havia ratos em casa.  Por mais que o médico lhe afirmasse que havia um no patamar do primeiro andar e, provavelmente, morto, a convicção de Michel permanecia íntegra. Não havia ratos na casa, e era, pois, necessário que tivessem trazido aquele de fora. Em resumo, tratava-se de uma partida.
     Nessa mesma noite, Bernard Rieux, de pé no corredor de edifício, procurava as chaves antes de subir para sua casa, quando viu surgir do fundo obscuro do corredor um rato enorme, de passo incerto e pelo molhado. O animal parou, pareceu procurar equilíbrio, correu em direção ao médico, parou de novo, deu uma volta sobre si mesmo com um pequeno guincho e parou, por fim, deitando sangue pela boca entreaberta. O médico contemplou-o um momento e subiu.

Do primeiro capítulo do livro A Peste, Camus. Ed. Livros do Brasil - Lisboa


A obra acima vai ser discutida virtualmente pelo Clube Errante do dia 30 de novembro a 5 de dezembro.   Se você já leu e quer comentar, a casa é sua. Pode dizer aqui o que achou de A Peste. Vamos adorar saber!

Aproveitando que você chegou aqui...   A Peste aconteceu mesmo?   Foi no Brasil?  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.