Este será o primeiro Natal que enfrentaremos, pródigos e
lúcidos. Até o ano passado conseguimos manter o mistério —e eu amava o
brilho de teus olhos quando, manhã ainda, vinhas cambaleando de sono em
busca da árvore que durante a noite brotara embrulhos e coisas. Havia um
rito complicado e que começava na véspera, quando eu te mostrava a
estrela onde Papai Noel viria, com seu trenó e suas renas, abarrotado de brinquedos e presentes.
Tu ias dormir e eu
velava para que dormisses bem e profundamente. Tua irmã, embora menor,
creio que ela me embromava: na realidade, ela já devia pressentir que
Papai Noel era um mito que nós fazíamos força para manter em nós mesmos.
Ela não fazia força para isso, e desde que a árvore amanhecesse florida
de pacotes e coisas, tudo dava na mesma. Contigo era diferente. Tu
realmente acreditavas em mim e em Papai Noel.
Na escola te
corromperam. Disseram que Papai Noel era eu —e eu nem posso repelir a
infâmia e o falso testemunho. De qualquer forma, pediste um acordeão e
uma caneta— e fomos juntos, de mãos dadas, escolher o acordeão.
O acordeão veio logo, e
hoje, quando o encontrar na árvore, já vai saber o preço, o prazo de
garantia, o fabricante. Não será o mágico brinquedo de outros Natais.
Quanto à caneta,
também a compramos juntos. Escolheste a cor e o modelo, e abasteceste de
tinta, para "já estar pronta" no dia de Natal. Sim, a caneta estava
pronta. Arrumamos juntos os presentes em volta da árvore. Foste dormir,
eu quedei sozinho e desesperado.
E apanhei a caneta.
Escrevi isto. Não sei, ainda, se deixarei esta carta junto com os demais
brinquedos. Porque nisso tudo o mais roubado fui eu. Meu Natal acabou e
é triste a gente não poder mais dar água a um velhinho cansado das
chaminés e tetos do mundo.
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Fonte: Blog do Gilberto Cruvinel
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Fonte: Blog do Gilberto Cruvinel
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