É o humor de quem a olha que dá a forma à cidade de Zemrude. Quem passa
assobiando, com o nariz empinado por causa do assobio, conhece-a de
baixo para cima: parapeitos, cortinas ao vento, esguichos. Quem caminha
com o queixo no peito, com as unhas fincadas nas palmas das mãos,
cravará os olhos à altura do chão, dos córregos, das fossas, das redes
de pesca, da papelada. Não se pode dizer que um aspecto da cidade seja
mais verdadeiro do que o outro, porém ouve-se falar da Zemrude de cima
sobretudo por parte de quem se recorda dela ao penetrar na Zemrude de
baixo, percorrendo todos os dias as mesmas ruas e reencontrando de manhã
o mau humor do dia anterior incrustado ao pé dos muros. Cedo ou tarde
chega o dia em que abaixamos o olhar para os tubos dos beirais e não
conseguimos mais distingui-los da calçada. O caso inverso não é
impossível, mas é mais raro: por isso, continuamos a andar pelas ruas de
Zemrude com os olhos que agora escavam até as adegas, os alicerces, os
poços.
In: CALVINO, Ítalo,As cidades invisíveis,Cia das letras, São Paulo,2017, pág.64
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