Ventava, mas a noite era quente, luzindo estrelas por cima do recorte dos morros. O grilo cantava no meio da grama, no jardinzinho quieto.
Ele ouvia,
pensativo. Quando o grilo sossegou, saiu da janela, acendeu outro cigarro,
chegou-se para a poltrona onde ela se reclinava e venceu o silêncio que se
prolongara.
- Não te
vais vestir?
Continuou
com a cabeça loura tristemente apoiada na mão, e respondeu sem entusiasmo:
- Vou. Tem
tempo. Que horas são?
- Dez.
- Já?
Mostrou-lhe
o relógio-pulseira, chegou-se mais e beijou-a:
- Estás
triste?
Deu um
suspiro, fitou-o longamente:
-Não. Por
quê?
- Não sei.
Não sabia
mesmo. Parecia, porém, que estava,tão distante se mostrava. Pegou-lhe na mão,
revirou-a, mirando a anel.
- Papai Noel
é pobre...
- Você duvida
meu bem?
- Duvido
duma coisa.
- De quê?
- Da tua memória.
- Memória?! – Até se espantou, virando os olhos verdes e fundos.
- Sim,
memória. Queres ver? Vejamos: que é que aconteceu há sete anos?
Riu com
meiguice: bobo. Chamou-o para junto de si, estreitou-o contra o peito, beijou-o
e fugiu para o quarto.
- Vou me
vestir, ouviu. É um minutinho.
Ficou só na
salinha, que o abajur de crepe tenuemente iluminava, de smocking, pronto,
esperavam, um fecho divertido Para aquele dia que lhe correra tão bem. Recebera
a gratificação, trouxera um bonito
presente, jantaram entre flores. Fazia justamente sete anos que se conheceram,
casando pouco depois. Tivera alguns maus dias, padecera privações, mas sempre
encontrara o apoio da esposa, que não o fizera fraquejar. Sete anos já se iam,
e conservavam-se sempre unidos, muito amigos, sempre amorosos. Somos um casal
feliz, dizia, às vezes.
E Dona Cidoca,
a prestimosa vizinha, não perdia ocasião para firmar “que a vida deles era uma
eterna lua de mel”. Não compreendia, pois, a melancolia de Maria de que se achava possuída
e que não conseguira, apesar das negativas, dissimular. Também, raciocinava,
jantaram tão solitários... Fizera mal não convidar alguém. Estava um
jantarzinho tão bom! Ao menos, tia Lulu, tão amiga deles, tão bondosa...
Poderia parecer-lhe ingratidão. A história dela teimar em não ter telefone dava
daquelas. Pouco importa. Poderia tê-la avisado de outra forma. Fora mesmo um
grande esquecimento que não se repetiria. Enfim, iriam para o réveillon. Lá,
sim, entre amigos, não faltaria alegria.
Sentiu-se inquieto, apressado:
- A minha princesa ainda demora muito?
Ela aparecia radiosa, linda no seu vestido
azul, comprido, quase escondendo os pés. Teve um sincero orgulho da
esposa. Não se conteve:
Estás encantadora! Maravilhosa!
Correu para
ela e enlaçou-a:
- Vamos dançar muito, estás ouvindo? Havemos de nos divertir bastante para desanuviar este coraçãozinho!
E marcando o compasso das palavras com o
dedo conselheiral:
Faz hoje sete anos...
Ela abaixou os olhos, ele acompanhou-os
com os seus, foram pousar na capa da revista, sobre a mesinha, uma singela
alegoria – crianças brincando à volta duma árvore de Natal.
Compreendeu tudo num relance. Que tolice
pensar em tia Lulu, em amigos, em danças, em réveillon. Ver passar ,como
passavam, aquela noite feita para outras,
tão diversas alegrias, era realmente doloroso.
Tirou os olhos da revista e gemeu
desconsoladamente:
- Eu não tenho culpa.
Ela também
não tinha. Agasalhou-se no mantô, deu-lhe um beijo triste:
- Deus não quer.
Ficou
parado,sem palavras, sem gestos, sem saber o que fazer.
Ela, então,
gritou para a criada:
- fecha tudo direito, Francisca. Olha que andam
muitos ladrões pó aí!
E,
enchendo-se de doçura, virou-se para ele:
- Não vai
chamar o automóvel?
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