Às vezes eu penso que ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém abre meu fecheclér - ops, ninguém me chama de Baudelaire.
Que ninguém liga pra mim.
Aí me lembro de que há quem ligue, sim.
Todos os dias.
Alguém de São Paulo.
Que me ama em segredo, em silêncio, como um rio subterrâneo, com a delicadeza sonora das girafas.
Que insiste, dia após dia, mas ainda não consegue dizer o indizível, falar do seu amor infalível que todo dia a faz digitar meu número e encontrar conforto em ver meu nome no visor do telefone.
Eu, insensível, fujo desse afeto impossível. Mas ela/e/o cria um novo número a cada dia.
Hoje ligou do 011 3556 4850.
Ontem, do 011 3215 1350.
Anteontem, do 011 3201 0663.
Tresantontem, do 011 2162 3051.
Não sei o que vem antes do tresantontem, mas dia 20 foi do 011 97659 0484
Dia 19, do 011 5601 9732.
Dia 18, do 011 3469 7700.
E assim, como a águia tentando provar a Prometeu o seu insaciável desejo, como a pedra lembrando Sísifo de que há uma razão para viver, os números sem nome, na tela do Samsung, me fazem crer que não só os diamantes e o Imposto de Renda sejam eternos.
Essa paixão platônica de alguém de São Paulo ((por que não da Barra, Recreio, São Conrado, Cidade de Deus, Rocinha?) me serve de alento.
Um dia retornarei a ligação.
Não sei se para 011 2712 4350 (que no dia 22 de fevereiro ligou quatro vezes!) (e outras duas no dia 16).
Se para o 011 3018 8500.
Para o 011 5601 9749.
O 011 5601 9748.
O... bem, a cada chamada silente vinda de um 011, recordo Adélia Prado.
Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é a persistência desse meu amor de prefixo 011.
O mar é imenso?
Esse amor calado, por trás de um 011, é maior,
mais belo sem ornamentos do que um Le Corbusier.
Mais triste do que Hardy, a hiena,
mais desesperançado do que o Brasil batendo cabeça,
mais tenaz que certas cabeças.
Ama e nem sabe mais o que ama.
Apenas liga, todo dia. E não diz nada.
Não adianta bloquear, denunciar à Anatel, fazer piada.
Esse amor 011 é um engano. Um "entrei no túnel".
Acabaram as fichas. Linha cruzada.
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