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Tempo Que Passa, Inez Cabral

Anteontem eu tinha dezoito anos. Levei dezoito anos para chegar lá.
Pisquei, já tinha trinta. Me assustei um pouco, meus filhos cresciam, mas eram crianças.
Fui dormir, acordei usando henna, mais por estética do que para esconder meus cabelos grisalhos. Achei bom, sempre quis ter cabelo colorido. Gostaria de azul marinho, mas no meu tempo isso não existia. Tive que entrar na henna mesmo. Daí, pisquei de novo, e ao me olhar no espelho, meu cabelo estava da cor das labaredas do inferno. Cruzes! Me identifiquei com uma vizinha, recalcada e cruel. Pensei com meus botões: “Não quero ficar assim, vou assumir a minha cor natural.” como se cor de cabelo definisse a pessoa. Não me arrependo, acho que fiquei bem com meu cabelo prateado. Por dentro me sentia igual, achava estranho as pessoas me chamarem de senhora.
Sou sedentária de nascença, na escola menstruava quatro vezes ao mês, só para ser dispensada das aulas de ginástica. Um dia em que não pude escapar da tortura, era dia de basquete. Fiz uma cesta de três pontos, porque não sei como, a bola veio parar na minha mão, e para afastar as meninas de mim, joguei para a frente, sem pensar muito. E fiz o diabo da cesta. Ainda bem que joguei na direção certa, porque senão tinha apanhado. Só gostava de pingue pongue, e sobretudo de pular de trampolim na piscina. É só pular e se deixar cair. Bom demais. Andar a cavalo também era legal, mas tinha poucos cavalos à disposição. Durante um tempo, caminhava bastante, no meu tempo, no meu ritmo, era bom também. Sobretudo porque me dava a liberdade de evitar o transporte público. Tive um carro, vendi, achava um saco pensar em impostos, manutenção, vaga para estacionar. Afinal não sou homem, tenho coisas mais importantes em que pensar do que num objeto inanimado que exige a atenção de um filho, que pelo menos interage, surpreende, faz a gente feliz.
Fui dormir de novo, crente que envelhecer era questão apenas de cabelos brancos, que adoro, e rugas que contam a minha história. Meu cachorro envelheceu comigo, diz que bicho de estimação fica parecido com o dono. Deve ser verdade, ele prefere olhar pela janela do que ir para a rua.
Meus filhos cresceram, o tempo passou, mas dentro de mim, continuava tudo igual.
O que mudou foi só que em vez de shopping inventaram a internet, recebo tudo em casa. Não ligo para moda, nunca liguei. Queria apenas me sentir diferente da massa de gado que tem por aí. Para evitar o tédio de entrar em lojas, uso as minhas roupas até ficarem imprestáveis, os sapatos idem.
Vim para o mato (serra) para visitar meu filho e minha neta, e fugir da covid. Achei que conseguia caminhar como antes. É bem verdade que nunca gostei de ladeira, e é só o que tem por aqui. Como detesto depender de terceiros, ontem resolvi ir até a venda mais perto, que fica a um km daqui, para comprar cigarro. Pois é, além do mais sou fumante.
Lá fui eu, feliz da minha vida. Não consegui, o sol estava alto e eu encharcada de suor. Resolvi voltar. Cheguei morta, desidratada, me joguei no sofá. Tomei alguns goles de água, pensei que entrar debaixo do chuveiro, me faria voltar ao normal. Tive um apagão no box, levei um tombo, que resultou num galo e alguns hematomas. Foi quando me toquei que infelizmente sou uma “senhora” com todos os inconvenientes da idade. Passei dos trinta aos setenta e três anos em um tombo. O choque me derrubou. Tive tremedeira, frio, chorei até me acalmar. Ainda bem que minha cabeça continua a mesma. E agora? Juro que quando chegar ao Rio, vou caminhar todo dia, para ver se melhoro. Não abro mão de minha independência e detestei a preocupação que vi nos olhos do meu bebê, criança anteontem, quarentão hoje. Pela primeira vez na minha vida, fiquei assustada ao pensar que daqui a pouco, talvez não seja mais capaz de me virar sozinha. Céus! Que os deuses não permitam. Saudade do Rio, da Glória e das ruas sem ladeiras.

Da página da autora no Facebook, publicado aqui com autorização dela.
Imagem: Pixabay.

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