Era um lugar onde todos andavam
mascarados. Ninguém podia mostrar o rosto naquela cidade, Sempre tinha sido
assim e sempre seria assim. Regras são regras. Quem as violasse morreria
apedrejado. Até que um dia aconteceu.
Um homem parou no meio da rua e tirou a
máscara. Escândalo na cidade: aquilo nunca havia acontecido! Faltaram pedras
para atirar no homem, que fugiu da multidão enfurecida. Qual fim levou? Uns
disseram que tinha morrido; outros, que tinha escapado. Com ou sem vida, o
homem desmascarado sumiu e a paz voltou à cidade.
Mas nada seria como antes. No princípio, o
gesto do homem desmascarado serviu par assustar criancinhas até uma delas
perguntar por que todos tinham de usar máscaras na cidade. Ninguém conseguiu
responder.
Um dia, um grupo de pessoas decidiu se
reunir para discutir ouso das máscaras na cidade. Havia um único consenso no
grupo: a admiração pelo homem desmascarado. Foi então que decidiram honrar seu
exemplo. Desafiando dogmas milenares e abrindo um corajoso precedente, saíram
às ruas com máscaras de seu ídolo.
A cidade se dividiu entre mascarados
conservadores e desmascarados revolucionários. Rivais ferrenhos, só tinham uma
coisa em comum: as máscaras.
Conservadores e revolucionários divergiam
em tudo, do alfinete ao foguete. Havia polêmica para todos os gostos e gostos
para todas as polêmicas. Uns acusavam os outros por todos os males do mundo.
Conservadores pregavam o respeito às tradições enquanto revolucionários
defendiam um futuro sem máscaras, adorando seu ídolo em longos rituais. A
discórdia reinava na cidade quando aconteceu de novo.
Teria sido numa madrugada chuvosa.
Bastante idoso, o homem desmascarado foi visto numa periferia abandonada.
Testemunhas o reconheceram de imediato, o mártir redivivo!
Milhares saíram à caça do homem,
vasculhando becos e metralhando penumbras. Nunca se soube quantos morreram no
conflito – nem, tampouco, quantos sobreviveram.
Dia claro, o pobre homem desmascarado foi
flagrado no único lugar onde jamais seria procurado: na delegacia policial, à
espera da Lei. Já não aguentava viver longe da cidade. Levou um susto ao saber
que tinha discípulos. Amargou fome e frio numa caverna enquanto a cidade se
reunia em praça pública para selar o seu destino. Ninguém sabia o que fazer com
ele. Houve uma votação e o resultado foi aplaudido com euforia.
Na data marcada, o homem desmascarado viu
conservadores e revolucionários prontos para apedrejá-lo num pátio. Chegou a
reconhecer o próprio rosto em várias máscaras, mas achou que fosse delírio. Não
faria sentido ser atacado pelos próprios discípulos. Verdades à parte, teve uma
única certeza antes da pedrada derradeira: nunca, na História,houvera tanta
gente igual na cidade mascarada.
Em: Wrobel, Ronaldo. O Romance Inacabado de Sofia Stern, Rio de janeiro, Record, 2016, pág.76-77
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