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Aqui Não É Banheiro, Ronaldo Wrobel

Me deparei com isto num posto de gasolina antes de viajar de uma cidade para outra. Passei 1:30h na estrada indagando se não seria mais fácil escrever "banheiro" na outra porta (caso ela fosse efetivamente um banheiro, é lógico). Com isso, a porta da esquerda - presumivelmente sem nada escrito - estaria isenta da suspeita de ser banheiro. Além do mais, avisar que "aqui não é banheiro" não gera a presunção óbvia de que a outra porta seja banheiro, haja vista a falta do artigo definido "o". Teríamos outro cenário se o aviso informasse que "aqui não é 'O' banheiro". Do jeito que está, é lícito supor que nenhuma das duas portas leve necessariamente a algum banheiro ou até mesmo que o posto de gasolina sequer tenha banheiro. O aviso passa a sensação de legítima defesa, como a criança que adverte "não fui eu" para acusar outra (ou outras) de alguma imputação potencialmente condenatória.

Mas ser banheiro não é demérito para nenhum recinto, principalmente quando precisamos dele. Garanto que é o aposento preferido de qualquer pessoa, a depender de suas necessidades. Já fui socorrido por banheiros de vários tipos, sobretudo na estrada Rio-Teresópolis. Sou extremamente grato a cada um deles e chego a fazer acenos reverenciais quando passo em frente. Também devo gratidão ao banheiro da portaria de um prédio em Laranjeiras onde eu tinha ido deixar um documento e acabei deixando bem mais do que isso.

Por outro lado, nunca serei grato a uma porta que me negue socorro sem ao menos indicar onde encontrá-lo ou que me obrigue a raciocínios excludentes e complicados caso o meu discernimento esteja prejudicado por alguma premência. Espero, sinceramente, que alguma pessoa mais estabanada ou pressionada pelas circunstâncias tenha ingressado porta adentro nesse local e encontrado alívio antes mesmo de compreender que ali não era o banheiro - caso não fosse banheiro, de fato, já que o aviso talvez consista numa senha para evitar intrusos e direcioná-los para a outra porta.

Acho a questão especialmente sensível se considerarmos que postos de gasolina têm se tornado ponto de encontro para jovens nem sempre sóbrios ou ponderados quando precisam saciar seus desejos. Para encerrar o texto, esclareço que a porta da direita era, sim, um banheiro. Felizmente minha situação não era tão periclitante e meu desejo não exigia procedimentos complexos, sendo até bastante trivial para pessoas portadoras de pênis (inclusive homens). Mas pretendo sugerir à gerência do posto que repense o seu modo de sinalizar as coisas antes que a exclusão conceitual vire moda e encontremos placas como "o Rio de Janeiro não é para aquele lado" ou "esse texto não é mais do que uma tentativa de proteger as coisas óbvias da extinção". Ou, mais modernamente: diga não à obviofobia!


Retirado com autorização do autor, de sua página no Facebook



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