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Menino Malunguinho, Marcílio Godoi


Quando nasci, nasci menino forte, pra mais de cinco quilos. Era um tempo em que a beleza era
medida pelas dobras de gordura nos punhos e os automóveis eram recebidos na roça como naves espaciais.
Quem me apanhou do ventre amoroso e obstinado de minha mãe foi dona Anália, parteira dos meus outros oito irmãos, crianças que, como se ouvia naquele tempo, não tinham "querer". Mas que eram recebidas com muita alegria, pois, apesar de serem mais uma boca no mundo, mais um fio pra criar, poderiam ser também mais um bom parzinho de braços para a lavoura.
Entre lençóis fartos, alvos e alvejados de placenta, a experiente mestre de cerimônias da vida me acolheu. Como cartão de visitas, apresentei-lhe um xixi imenso, antes mesmo de chorar. Era um tempo sem medicina diagnóstica, quando os prognósticos de saúde ou de doença ainda versavam como matéria da sorte, do destino insondável ou apenas de santos superprotetores mesmo. Se isso mudou, infelizmente mudou pouco, como não mudamos eu e essa minha mania de ter cá minhas insondáveis dúvidas.
Voltando ao meu partir, ao parto de minha mãe, uma tesoura me aguardava na latinha. Estava submersa em álcool. A parideira foi e cortou o cordão que me ligava àquele ventre feito um astronauta ao seu adorado satélite vital.
Meu choro atrasado pelo mijo não evitou as três tradicionais palmadas da parteira. Ela me enxugou, anunciou meu sexo e minha saúde aparente, acrescentando um benzadeus! na frase. Depois conferiu se minha mãe sorria o sorriso aliviado das parturientes exauridas pelo esforço e repousou-me sobre o peito ofegante e feliz da amiga, fazendo dele minha primeira cama, de onde sinceramente, se me fosse dada essa escolha, nunca teria saído.
Mas como o impulso vital é senhor de tudo, até da morte, fui tirado dali e posto entre mantas muito limpas, nas quais calmamente urinei mais uma boa urina, dessa vez quente e boa e triste, pois que solitária. E da qual nunca me esquecerei. Para a minha mãe, no entanto, nem tudo era alívio. Ela ainda padecia de fortes dores no abdome, o que indicava à parteira que alguma coisa ia mal. Era um tempo em que os exames só se faziam com olhos, confiança nas histórias de família e o toque ultrassensível das mãos.
A experiente mulher lavou então os braços na bacia de água quente e voltou ao serviço, revirando a cavidade uterina de minha mãe, em busca de meu irmão gêmeo. Mas... nada. Ninguém esquecido ali. Como diziam os escravos remanescentes do lugar, nenhum malungo, companheiro, gêmeo-irmão meu para ser trazido à luz.
Como se as dores persistissem, a xamã familiar ministrou um laxante poderoso, comprimido novo, vindo da cidade, droga das mais potentes entre os medicamentos de sua miraculosa frasqueira de papelão-couro, um pouco fedido, verdade seja dita.
O resultado veio quase que imediatamente. Minha mãe pôs-se a expelir uma carga contínua sobre o vaso improvisado. O fluxo, admiravelmente incessante, fez minha mãe acreditar que estava se esvaindo em tão grandiosa obra. Era um tempo em que todo o oco do mundo era apenas o vazio das coisas moventes e dos seres esvaídos.
Ao deparar-se com a imensa macarronada branca que se formara no fundo do vasilha — não, não havia banheiro na casa, que era uma fazenda isolada de tudo — perguntou, assustada, à parteira: — Dona Anália, minha Nossa Senhora, coloquei todas minhas tripas para fora! — A mulher a tranquilizou: — Não, dona Etelvina, isso aí é uma taenia saginata, uma lombriga inteirinha, viva, olha ali os olhinhos dela! Ela cresceu juntinho com o seu bebê, durante a sua gravidez.
Minha mãe, menos estarrecida do que enojada, não disse palavra, foi ao meu encontro e me abraçou. Como eu poderia me esquecer?
O tempo passou, cresci. Não tanto quanto minha irmã espaguete, mas relativamente sadio. E ouvi por toda a minha infância minha mãe contar esse caso às visitas. Em pensamento eu me perguntava, angustiado: — O que ela tá fazendo? Quem quer ouvir essa história? — e desesperava-me, do outro lado da parede.
Ainda hoje, confesso que, muitas vezes, sinto-me a lombriga gêmea que escapou. Seria eu ali na bacia? Com meus olhos embaciados de escuro, hoje é um tempo de escuros, em circunstâncias especialmente sentimentais, sei lá, tenho saudade dessa minha alva irmã de ventre.
Quem ainda quer ouvir essa história? — eu me pergunto mais uma vez, mui sinceramente. Quero saber se fizeram, entre os dois malunguinhos ali disponíveis, a escolha certa.
Seguindo o mito que o comediante Aristófanes revelou a Platão em seu Banquete, eu precisaria encontrar a outra parte original de mim mesmo, seguindo sua amorosa ideia de incompletude. Mas creio que não será mais de jeito. Acho que bem antes da fantasia da linguagem me encontrar eu já era assim, metade duplicado, metade sozinho.

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