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Marchinhas de Carnaval: verdadeiras crônicas de costumes

A pedido dos foliões carnavalescos do cordão Rosa de Ouro, em 1899, a já célebre compositora Chiquinha Gonzaga compôs a marchinha "Ó abre alas", a primeira música especialmente feita para animar o carnaval.

Descendente das marchas militares e das marchas populares portuguesas, as marchas-ranchos - como passaram a ser chamadas por animarem os blocos ou ranchos de foliões - acabaram se consagrando como gênero carnavalesco por excelência, prevalecendo até sobre o samba entre as décadas de 1920 e 1960, quando entraram em relativo declínio. Porém, nunca chegaram a desaparecer, e até hoje animam festas de carnaval em todo o país.

Letra e música

Não é difícil explicar a atração que as marchinhas de carnaval exercem sobre o grande público: compasso binário, andamento acelerado e melodias simples cativam rapidamente o ouvinte, ao mesmo tempo que as letras - debochadas, irônicas, ambíguas ou sensuais - são fáceis de entender e memorizar.

De fato, as marchinhas eram crônicas urbanas de um Rio de Janeiro, que era então a capital federal e o verdadeiro coração cultural do país. Era lá que se encontravam as principais emissoras de rádio, gravadoras de discos e os estúdios cinematográficos da Atlântida, que potencializaram a divulgação do gênero por todo o Brasil e permitiram que elas fossem registradas para a posteridade em suas versões originais (algumas das quais você pode ouvir nos links deste artigo).

Verdadeiras crônicas

O jornalista Sérgio Cabral, um dos autores do roteiro de "Sassaricando" - um musical feito de marchinhas encenado em 2007 no Rio de Janeiro - escreve:

"Estamos convictos de que poucas manifestações refletem com tanta exatidão a criatividade do compositor do Rio e o espírito carioca. Verdadeiras crônicas, elas contam a história da cidade, as qualidades e os defeitos do seu povo, quase sempre sem abrir mão do deboche e da malícia. Vão do lirismo ao esculacho, mas são permanentemente carioquissímas. São músicas que, ao mesmo tempo em que nos remetem a carnavais inesquecíveis, conservam a juventude que encanta as crianças de todas as idades. Em outras palavras, são eternas."

Dando-se algum desconto à exaltada paixão pelo Rio de Janeiro que Cabral manifesta (pois as marchinhas são, na verdade, um patrimônio nacional brasileiro), não se pode negar que ele tem toda razão. De amores e dores de cotovelo à sátira política e ao futebol, não havia tema do cotidiano que as marchas carnavalescas não abordassem.

É melhor ouvir do que falar

Mas falar de marchinhas em abstrato não faz sentido. Para se compreender o espírito do gênero é preciso citar pelo menos algumas das marchas, dos compositores e cantores que marcaram os velhos carnavais. Os carnavais de salão, com confete e serpentina, e personagens simbólicos, de um triângulo amoroso farsesco: Colombina, Pierrô e Arlequim.

Trata-se de uma seleção dificílima, principalmente quando ela deve ser breve, mas talvez se deva começar por aquela que mais permaneceu na memória dos brasileiros e que se tornou um verdadeiro sinônimo de carnaval: Mamãe eu quero mamar, de 1937, composição do alagoano Jararaca (José Luís Rodrigues Calazans, 1896-1977) e do paulistano Vicente Paiva (1908-1964).

Em segundo lugar, a clássica Chiquita Bacana, de 1949, dos cariocas Braguinha (1907-2006) e Alberto Ribeiro (1902-1971), que se tornou um símbolo de brasilidade, retormado pelo Tropicalismo: Caetano Veloso escreveu A filha de Chiquita Bacana. Além disso, "Chiquita" faz um carnaval filosófico, com uma célebre alusão ao existencialismo.

A Pequena Notável

Pode-se seguir, fugindo à ordem cronológica, ao maior sucesso do carnaval de 1930, que estourou na voz da legendária luso-brasileira Carmen Miranda (Maria do Carmo Miranda da Cunha, 1909-1955) Para você gostar de mim, também conhecida como "Taí", composta pelo mineiro Joubert de Carvalho (1900-1977).

Mas não se pode falar em marchinhas e carnaval sem mencionar o célebre carioca Lamartine Babo (1904-1963). Cantor e compositor de tantas obras excepcionais, só arbitrariamente, se pode escolher uma única composição para representá-lo. Por exemplo, sua homenagem às mulatas brasileiras O teu cabelo não nega, de 1929, em parceria com os irmãos João e Raul Valença. 

Convém lembrar que Babo gostava das sátiras políticas e suas composições sofreram com a censura do Estado Novo(1937) de Getúlio Vargas.

Paradoxalmente, o ditador e depois presidente Vargas era, por assim dizer, um grande admirador do carnaval e especialmente da vedete carioca Virgínia Lane (nascida em 1920) que chegou ao estrelato justamente com a música Sassaricando, de 1951, composta pelos também cariocas Oldemar Magalhães (1912-1990), Luís Antônio (Antônio de Pádua Vieira da Costa, 1921-1996) e pelo paraense Zé Mário (Joaquim Antônio Candeias Jr., nasc. 1923).( Fonte: Vestibular )


Chiquinha Gonzaga -1899                                                                                                 

Ô abre alas que eu quero passar
Ô abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Rosa de Ouro é quem vai ganhar

Ô abre alas que eu quero passar
Ô abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Rosa de Ouro é quem vai ganhar.


Piedade e Jorge Faraj - 1939

Ò abre alas / Que eu quero passar
Peço licença / Pra poder desabafar
A jardineira abandonou / O meu jardim
Só porque a rosa / Resolveu gostar de mim

A jardineira abandonou / O meu jardim
Só porque a rosa / Resolveu gostar de mim

Ò abre alas / Que eu quero passar
Peço licença / Pra poder desabafar
A jardineira abandonou / O meu jardim
Só porque a rosa / Resolveu gostar de mim

A jardineira abandonou / O meu jardim
Só porque a rosa / Resolveu gostar de mim

Eu não quero a rosa / Por que não a rosa
Que não tenha espinhos / Eu prefiro
A jardineira carinhosa / A flor cheirosa
Dos teus carinhos

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