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Romance LXI ou Dos Domingos do Alferes, Cecília Meireles


Quando sua mãe sonhava,
como uma simples menina,
já falava esse nome
DOMINGOS
Domingos Xavier Fernandes,
que era o nome de seu pai.


Quando a menina dizia,
agora já mulher feita,
DOMINGOS
- era Domingos da Silva
dos Santos. Outro Domingos.
Domingos com quem casou.


E quando, depois, sorria,
estudando para mãe,
DOMINGOS,
Domingos - ia dizendo
E assim ao primeiro filho filho
Domingos, chamou também.


   Esse nome de Domingos
   por toda parte o seguira.
   DOMINGOS:
   na infância ao longe deixada,
   na adolescência perdida,
   em todo tempo e lugar...


-Ah, Domingos de Abreu Vieira,
quem batizará meu filho?
DOMINGOS,
meu amigo poderoso
as coisas vão levar volta,
quem sabe o que vou passar?


Domingos sobre domingos
nas folhas dos calendários:
DOMINGOS
- para a carta de Silvério,
para a subida à Cachoeira,
para a denúncia vocal...


Ai! de domingo em domingo,
chega ao caminho do Rio.
DOMINGOS!
Encontra Domingos Pires:
"Leva pólvora, Domingos,
que a venderás muito bem!"


   Domingos conta a Domingos...
   ( É nome predestinado!)
   DOMINGOS!
   Já se desenrola a história...
   Já vem da Vila à Cidade,
   do Visconde ao Vice-Rei...


E, como vê sentinelas
sobre os seus passos rodarem,
DOMINGOS!
Sobe por aquela escada,
envolto na noite escura
como um criminoso vil.


   E era a casa de Domingos.
   na Rua dos Latoeiros:
   DOMINGOS!
   Entre as imagens de prata,
   banquetas e crucifixos,
   Domingos Fernandes Cruz.


Era a casa de Domingos...
e era um dia de domingo...
DOMIINGOS!
- último dia de sonho,
que, agora, os domingos todos
são domingos de prisão.


Certa manhã tenebrosa,
no Campos de São Domingos,
DOMINGOS!
(Sempre o nome de Domingos)
lhe apontaram a alta forca
de vinte e cinco degraus.


E num dia de domingo
seus quartos foram salgados.
DOMINGOS!
- despachados para sítios
onde alguém o tinha ouvido
falar de conspiração...


   Lá vai cortado em pedaços,
   lá vai pela serra acima...
   DOMINGOS!
   Domingos Rodrigues Neves,
   com os oficiais de justiça,
   tranquilamente o conduz.

   (Fonte: Antologia poética de Cecília Meireles 3.ed. 1963 págs.141-143)

 





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