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Adulterado, Antonio Prata

     Oi. Meu nome é Antonio Prata, tenho 23 anos e algo estranhíssimo aconteceu comigo: me transformei num adulto. Deve ter sido na calada da noite, enquanto eu dormia, pois confesso que não percebi nada.  É normal, talvez diga a leitora, sem entender o meu susto: é porque não aconteceu com você - ainda.

     Foi num forró, em São Paulo, que me dei conta do ocorrido. Entrei, olhei a pista e percebi que o público, antes da minha idade, estava mais jovem. Como sei que que é impossível rejuvenesce e era muito pouco provável  que aquelas quase duzentas pessoas houvessem feito cirurgias plásticas só para me enganar, havia apenas uma explicação: eu é que estava mais velho. E se eu não era mais um adolescente como eles eu só poderia ser ... um adulto! Tomei um susto.

     Dias depois, outra situação me mostrou que já não era mais o mesmo. Encontrei num bar o cara que foi meu coordenador pedagógico durante o colegial. O carrasco que  me dava advertências e, uma vez até me suspendeu ( por razões que não vêm ao caso). E, em vez de tentar nocauteá-lo com o cardápio ou meter-lhe o paliteiro goela abaixo, sentei-me com ele e tomamos chope, como dois adultos.

     Céus! As evidências estão por todo lado, como não tinha percebido?! Tenho carteira de motorista e o cartão de descontos do supermercado, elejo meus representantes e, se eu fizer uma besteira muito grande, não sou mandado para fora da sala, mas para a cadeia. Isso é ser adulto, não é?

      Eu, que me dizia contra adultos! E criticava suas roupas e cortes de cabelo, suas vidas medíocres e trabalhos chatos; seus sonhos que não iam além de um sofá novo, um carro melhor e comida com menos colesterol. Eram nervosos demais, tensos demais e buzinavam demais...

     Querem saber? Não me renderei às evidências. Apesar de  matematicamente estar mais perto dos 30 do que dos 15, continuo achando bigode um negócio horrível, deixo toalha molhada em cima da cama e, se depender de mim, nunca tirarei a bandeira de Bob Marley da parede do meu quarto. Nem tamparei a pasta de dentes.

      Talvez a leitora esteja achando meio besta esse papo de se revoltar contra o bigode ou detergente, um pouco infantil essa minha posição de não tampar a pasta de dentes. Cuidado: tais lampejos de maturidade podem ser um sinal de que você também está se transformando numa adulta. Mantenha a calma e respire fundo: como tentarei demonstrar nas próximas crônicas, é estranho, mas até que não é tão ruim assim.

Em: Adulterado, Antonio Prata, Ed. Moderna, São Paulo 2009. Págs.10-11.

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