Pular para o conteúdo principal

Primeira Página: A Organização, Malu Gaspar.

 Prólogo


     Na cadeia tudo muda. Na cadeia onde estava Marcelo Odebrecht, mais ainda. Cada um de seus companheiros da ala no Complexo Médico-Penal do Paraná, ou CMP, integrava um capítulo da história do dinheiro sujo que irrigou os governos recentes do Brasil. Eram ex-ministros, lobistas, empreiteiros, ex-deputados. Atrás das grades, adquiriam nova feição. Inimigos tornavam-se parceiros, subalternos convertiam-se em líderes, homens fortes desabavam diante de problemas comezinhos. Ali, mais do que cargo ou do que o tamanho da conta bancária, o que valia era saber como conseguir a troca de uma lâmpada, conquistar a boa vontade do carcereiro ou convencer os outros a ajudar na limpeza da cela. Para sobreviver era preciso mudar. - e talvez até entregar antigos companheiros à justiça.

     Só Marcelo, o mais célebre e poderoso deles, continuava o mesmo. O mor empreiteiro do Brasil, workaholic assumido, mantinha lá dentro os hábitos cultivados do lado de fora. Acordava de madrugada para ginástica. Falava pouco. Lia processos. Preocupava-se com o que acontecia na empresa. E, acima de tudo, dava ordens. Dizia o que os colegas de cela deviam ou não comer.  Determinava o que os advogados tinham de fazer, de que forma esperava que tocassem seus processos. E, como não renunciava ao cargo, ainda era formalmente o presidente da Odebrecht  - para onde enviava determinações em bilhetes escritos à  mão.



Gaspar, Malu
A Organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo
1 ed. São Paulo, Cia. das Letras, 2020
Págs.25-25 (Prólogo)

Comentários

Postar um comentário

comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.