Antigamente, a cutia tinha rabo mais comprido que o macaco. um dia, os dois estavam na beira da estrada conversando e o rabo dela estava estendido no chão. Veio uma charrete, passou por cima e cortou fora. A cutia ficou cotozinha e começou a chorar:
- Ai! Buá, Buá...
Tem dó
fiquei cotó.
A charrete era de um fazendeiro, que ficou com pena da coitada. E prometeu dar um saco de ouro para compensar o rabo cortado. E disse que todo dia ia mandar dar comida para ela no terreiro da fazenda. E que ia deixar uma mata inteirinha nas terras dele para a cutia correr e fuçar quanto quisesse. Ela podia passar o dia inteiro catando frutas e raízes para comer. Ninguém nunca ia caçar por lá.
A cutia topou, parou de chorar e lá se foi, toda pimpona na charrete com o fazendeiro, receber seu ouro, sua comida e sua mata.
O macaco ficou pensando naquilo. Achou que a cutia tinha feito um ótimo negócio, que rabo devia ser que nem galho de árvore, que a gente poda e depois volta com mais força. Ou feito rabo de lagartixa que cresce de novo. E como tinha muita vontade de ir para Angola - que todo mundo dizia que era um lugar lindo e alegre -, teve uma ideia para fazer a viagem.
Foi para a beira da estrada, estendeu o rabo no chão e ficou esperando a charrete do fazendeiro passar.
Quem passou foi o barbeiro, numa carroça. A roda cortou o rabo do macaco, que começou a fazer um escândalo:
- Ai, uai!
Tem dó
fiquei cotó.
O barbeiro parou a carroça, ficou com pena dele, mas não propôs dar nada. O macaco berrava e insistia:
- Seu malvado! Cortou fora meu rabo, seu diabo! Agora vou ter de viajar, ir para Angola me tratar! Me dá meu rabo, me dá meu rabo, me dá meu rabo!
Não adiantou nada. O homem não oferecia nenhum saco de ouro nem passagem para Angola.
Cansado de se esgoelar, o macaco acabou propondo:
- Me dá meu rabo, me dá meu rabo, me dá meu rabo! Ou então me dá alguma coisa para eu parar de gritar.
O barbeiro deu a ele uma navalha. E o macaco segui pela estrada cantarolando:
- Do meu rabo fiz uma navalha,
do meu rabo fiz uma navalha...
Tinguilim-guilim-gue
que eu vou pra Angola
Andou, andou, andou. Mais adiante, encontrou um cesteiro trançando uns cestos de cipó, com uma faca cega de dar pena. Assim que viu a navalha na mão do macaco, o cesteiro pediu:
Me empresta essa navalha aí para me ajudar a fazer meus cestos?
O macaco emprestou. Mas o cesteiro foi cortar o cipó de mau jeito e a navalha quebrou. O macaco começou a berrar:
Me dá minha navalha, me dá minha navalha, me da minha navalha!
Ou então me dá alguma coisa para eu parar de gritar.
O cesteiro deu a ele um cesto. E o macaco segui pela estrada cantarolando:
- Do meu rabo fiz uma navalha,
da minha navalha eu fiz um cesto.
Tinguilim-guilim-gue
que eu vou pra Angola.
Andou, andou, andou. Foi ficando com fome. Mais adiante, foi começando a sentir um cheirinho maravilhoso de pão bem fresco. Depois de uma curva na estrada, apareceu uma venda. num puxadinho do lado de fora, um homem tirava um monte de pão de dentro de um forno e tentava botar dentro de um saco. Mas estava difícil, porque o saco tinha rasgado, e toda hora quase caía tudo no chão.
Quando viu o cesto, o padeiro pediu emprestado. Mas encheu demais. Ficou tão pesado, que o fundo do cesto soltou. O macaco começou a berrar:
Me dá meu cesto, me dá meu cesto, me dá meu cesto! Ou então me dá alguma coisa para eu parar de gritar.
O homem deu a ele um monte de pão, tudo o que cabia no tal saco rasgado. E o macaco seguiu pela estrada cantarolando:
- Do meu rabo fiz uma navalha,
da minha navalha eu fiz um cesto,
do meu cesto eu fiz um pão
Tinguilim-guilim-gue
que eu vou pra Angola
Daí a pouco, passou por um violeiro que estava tocando na beira da estrada. Parou para ouvir, e ficou comendo seu pãozinho enquanto escutava a canção.
Com fome, o violeiro pediu um pedaço. O macaco lhe passou o saco para ele se servir à vontade. Mas o homem não viu que o saco estava rasgado, pegou de mau jeito e uns pães se espalharam pelo chão. O macaco começou a berrar:
- Me dá meu pão! Me dá meu pão! Me dá meu pão! Ou então me dá alguma coisa para eu parar de gritar.
O homem ficou aflito, achou que não tinha nada para dar. Depois lembrou da viola e ofereceu ao macaco. Era isso mesmo que ele queria, e saiu pela estrada cantarolando:
- Do meu rabo fiz uma navalha,
da minha navalha eu fiz um cesto,
do meu cesto eu fiz um pão
do meu pão fiz uma viola
Tinguilim-guilim-gue
que eu vou pra Angola
Tinguilim-guilim-gue
que eu vou pra Angola
E pelo tempo que passou desde que isso aconteceu, se o macaco não se perdeu no caminho, já deve ter chegado com sua viola nas bandas de Angola, um lugar lindo e alegre.
Fonte: Histórias à Brasileira. Vol 1, A Moura Torta e outras histórias, recontadas por Ana Maria Machado, ilustrações de Odilon Moraes. Cia da letrinhas 2009. Págs.23-26
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