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Dia dos Professores 2020, historinha 2/6

     Hoje é o dia dos professores. Se eu acertasse fazer selfie, buscava uma maçã ( que há muito tempo distanciou-se de Eva e aproximou-se da professora), fazia uma e dedicava à essa classe. Inábil, abraço os profissionais, a quem todos nós somos devedores eternos, relacionando minhas irmãs Nalize, Leda e Iracema, minha sobrinha Sandra, meu primo Júlio Valença, Dona Elita que me ensinou a ler, Oswaldo Ferreira, Ladjane Duarte e Enéas ... carinho imenso por vocês. 



Regime fechado, visão aberta

     “Quando eu saio da minha casa, já penso que tenho duas maneiras de encarar meu dia: ficar reclamando, ou fazer uma aula boa”, diz Di Gianni de Oliveira Nunes. Para o professor de história, a motivação é a chave de tudo. E é isso que quer ver em seus alunos, não importa quem eles sejam.

     Há 12 anos, ele tem encontrado formas de trazer a melhor experiência para seus alunos com o conteúdo. “Uma vez, ia dar uma aula sobre a invasão nazista em Guernica, mas o quadro negro estava rachado. Levei os alunos para o campo da escola e usei o espaço para a explicação. Por tradição, há oito anos dou essa aula assim”, conta Di Gianni.

     Foi em uma aula sobre o império romano, no ano passado, que um aluno fez a pergunta que daria início ao projeto finalista do Educador Nota 10: a Bíblia poderia ser usada como uma fonte histórica? O aluno fazia parte da turma do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), em Lagoa da Prata, Minas Gerais, onde Di Gianni leciona há três anos. Todos na turma são detentos do regime fechado, têm defasagem de série e cumprem o final de suas penas.

     Ao invés de encerrar o assunto, o professor usou aquela curiosidade para delinear um projeto de pesquisa e debate com os alunos. Sem acesso à internet, eles começavam sempre com a Bíblia, lendo as passagens e buscando paralelos na história, seguindo a cronologia apresentada no livro religioso e usando livros e revistas como fontes de pesquisa. “Não faz parte da matéria debater ou questionar a fé de cada um, mas podemos usar o texto para entender a sociedade da época”, explica o professor.

     Di Gianni não esperava que os alunos se animassem tanto. “Eles se tornaram pesquisadores e arqueólogos dentro da própria cela”, ele conta. Até mesmo fora da sala de aula eles continuavam se dedicando ao projeto, fazendo uma leitura atenta da Bíblia e dos materiais de pesquisa, pedindo por filmes sobre o império romano e o Egito antigo para ver nas horas vagas.

     Dos debates sobre os templos, locais e diferentes civilizações representadas na Bíblia, a classe começou a compreender melhor os conflitos atuais no Oriente Médio, como a destruição de patrimônios culturais pelo Estado Islâmico ou a tensão entre palestinos e israelenses. “Hoje, meus alunos conversam com a cabeça erguida. Um deles quer fazer faculdade de história. Além do conhecimento que adquiriram, eles cresceram pessoalmente, tendo melhor autoestima, oratória e interpretação”, conta Di Gianni.

     A APAC é um projeto da Secretaria de Educação de Minas Gerais, mas que não abrange todo o sistema prisional. Após repercussão, o projeto vai se expandir para todas as turmas na EJA em que Di Gianni leciona. O professor foi convidado para aplicar o trabalho em outras unidades da associação.

     Para ele, o melhor de ganhar o prêmio foi ver sua motivação passando para seus alunos da EJA e do Ensino Médio regular, que viram o trabalho ganhando destaque. “Nunca vou esquecer quando saiu a notícia de que ficamos entre os dez melhores. Uma mãe me ligou, falando que antes o filho dela só aparecia em página policial, agora aparece num projeto de educação em nível nacional”, conta ele. “A APAC representa um sistema prisional diferente, feito não apenas para punir, mas recuperar a pessoa. Pela primeira vez, meus alunos sentiram a educação que muda e sentiram satisfação em aprender”.

Fonte: Revista Exame 16.10.2027

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