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O Boi de Barro, poema de Mauro Mota

A abelardo Rodrigues

Andando em muitos sapatos
e jamais nas suas patas,
entre enormes chifres curvos
sente-se ( o boi) entre aspas.


É um boi verde vidrado
acuado em cima da estante.
É um boi desenterrado,
telúrico e ruminante.


Quem o desenterrou foi
Abelardo em Tracunhaém.
No barro da beira-rio
estava escondido o boi


desgarrado do rebanho.
Feito do gado anterior,
de estrume e de capim seco,
é este boi ruminador.


Estava desfeito ou feito?
No ato da exumação,
apareceram sangrantes
as feridas do aguilhão,


da corda e do pau da canga
da asfixia do cambão,
de ferro em brasa nas ancas
da chaga da castração.


As quatro rodas chiadeiras
do carro que já puxara
rodaram sobre o esqueleto,
fizeram sulcos na cara.


A semente vacum dentro
do chão mole do curral.
O boi vegetariano,
vegetal e mineral,


comeu do pasto e foi pasto,
misturou-se com o chão
para nascer no roçado,
oculto na plantação,


dando marradas no vento
da várzea pernambucana,
esse boi de chifres doces,
chifres de cana-caiana.


Toca o chocalho. O mugido
do boi de barro enche a sala.
(Cresce a grama no tapete.)
Pego no boi, ele racha.

Em: Itinerário, Mauro Mota, Ed. José Olympio, 1975, págs.39-40

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