Era meu irmão quem organizava da Inglatera as chamadas dominicais de Zoom, nosso turbulento ritual
de lockdown: dois de nós entravam de Lagos, outros três dos Estados Unidos, e meus pais, às vezes com muitos ecos e chiados, de Abba, a cidade de nossos antepassados no sudoeste da Nigéria. No dia 7 de junho lá estava meu pai, como de costume som com a testa aparecendoo na tela, porque ele ninca sabia muito bem como segurar o telefone durante as chamadas de vídeo: "Mude um pouco a posição do telefone, pai", dizia um de nós. Meu pais estava preocupado com meu irmão Okey por causa de um novo apelido, depois disse que não jantou porque tinha almoçado tarde, depois falou sobre o bilionário da cidade vizinha que queria confiscar as teras ancestrais da aldeia. Não estava se sentindo bem e andava dormindo mal, mas nào precisávamos nos preocupar. No dia 8 de junho, Okey foi visitá-lo em Abba e disse que ele parecia cansado. no dia 9, não me alonguei muito em nossa conversa para ele poder descansar. Ele riu baixinho quando fiz minha imitação brincalhona de um parente. "Ka chi fo", disse. Boa noite. Suas últimas palavras para mim. No dia 10 de junho, ele se foi. Meu irmão Chuks me e eu desmoronei.
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Minha filha de quatro anos diz que eu a assustei. Ela se ajoelha no chão para demonstrar e sobe e desce no ar o punho cerrado, e por sua imitação passo ver como eu estava: inteiramente fora de mim, aos gritos, dando murros no chão. A notícia é como um desenraizamento cruel. Ela me arranca do mundo que conheço desde a infância. E eu resisto: meu pai leu o jornal naquela tarde, beincou com Okey sobre fazer a barba antes de sua consulta com o nefrologista em Onitsha no dia seguinte, debateu resultado dos exames feitos no hospital com minha irmã Ijeoma, que é médica... então como isso pode estar acontecendo? Mas lá está ele. Okey segura o celular acima do rosto do meu pai, e ele parece estar dormindo, o semblante em repouso belo e relaxado. Nossa chamada de Zoom é surreal, e nós só conseguimos chorar e chorar em diferentes partes do mundo, olhando incrédulos para um pai adorado que agora deita imóvel numa cama de hospital. Aconteceu poucos minutos antes da meia noite, horário sa Nigéria, com Okey a seu lado e Chuks no viva-voz. Não paro de encarar meu pai. Não consigo respirar direito. Será isso o choque, quando o ar se transforma em cola? Minha irmã Ulche diz que acaba de avisar por mensagem um amigo da família, e eu quase grito: "Não! Não conte para ninguém, porque se a gente contar vira verdade". Meu marido diz: "Respire devagar, tome, beba um pouco d'água". O casaco que sempre uso em casa, meu uniforma de lockdown, está jogado no chão todo embolado. Mais tarde meu irmão Kane dirá, de brincadeira: Tomara que você nunca receba uma notícia devastadora em público, já ue sua reação ao choque é arrancar as próprias roupas".
Notas Sobre O Luto, Chimamanda Ngozi Adichie
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