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Vai Um Cafezinho Aí? texto de Priscila Aquino

O verão no Brasil não é para amadores. Em várias cidades, de Norte a Sul, os termômetros vêm
esbarrando facilmente na casa dos 40 graus nesses últimos dias. Esse fato, por si só, deveria significar algumas mudanças de hábitos e comportamentos que podem amenizar o calorão que toma conta do país.

Banhos frios são bem-vindos seja no mar, em piscinas, chuveiro e mesmo de mangueira; a alimentação pede cardápios mais frescos com frutas e saladas; e as roupas ganham tecidos finos e cortes mais curtos e soltos. Mas é curioso observar como o brasileiro se mantém fiel a um hábito diário que em nada ajuda a superar o calorão. O cafezinho!

É como se o cafezinho fosse um símbolo de resistência, uma espécie de amor à primeira xícara que, por mais que o calor aperte, nunca deixa de ser parte da rotina do brasileiro. Essa relação que vai além da bebida, se manifesta como um vínculo emocional, cultural e quase instintivo. Um cafezinho quente pela manhã, ou um expresso depois do almoço, continuam sendo momentos de prazer e de aconchego, independente dos números registrados no termômetro. A história de amor dos brasileiros com o café se mantém fiel e duradoura. A receita ideal pode até variar, mas costuma girar em torno de uma colher de sopa de pó de café para cada 200 ml de água em ponto de fervura. Repito: água em ponto de fervura! Nada menos óbvio para um país tropical que registra temperaturas equatoriais no alto verão. Acontece que o brasileiro é absurdamente resistente à possibilidade de abrir mão de um cafezinho mesmo quando o orçamento aperta ou o termômetro está prestes a explodir e o suor está escorrendo pela testa, o café é sempre bem-vindo, com sua capacidade de nos proporcionar não só uma sensação física de despertar, mas também um recuo e respiro emocional.

Na busca por tentar compreender esse fenômeno podemos explorar os efeitos da cafeína no corpo. Não há como negar que um café quentinho pela manhã ou logo após o almoço, age como estimulante, espanta o sono e ajuda a aumentar a concentração, não é mesmo? E quem já não recorreu ao velho e bom café naqueles dias de estresse mais elevado para combater a fadiga e, até mesmo, para reduzir uma dor de cabeça incômoda? Isso acontece porque a cafeína age diretamente no sistema nervoso central e proporciona essa sensação de alerta, disposição e energia.

Associada aos efeitos da cafeína, a boa relação do brasileiro com o café também pode ser observada quando fazemos do momento do cafezinho verdadeiros rituais de conexão. Seja quando alguém busca pelo próprio equilíbrio fazendo uma pausa no meio de um dia turbulento no escritório para bebericar aquele café de licitação com qualidade duvidosa. Seja em um encontro com pessoas especiais explorando sabores e harmonizando humores. Seja nas muitas reuniões importantes em que é na hora do cafezinho que as pessoas se aproximam, se descontraem e muitas conexões são feitas. Ou mesmo quando incorporado na típica demonstração de hospitalidade brasileira de receber a todos com um cafezinho.

E é aí que entra o espírito criativo e inventivo do brasileiro. Quando mesmo com o calor escaldante, não se abre mão do ritual do café, o jeito é inovar! Para aqueles que não conseguem encarar a bebida quente em dias de altas temperaturas, surge o café com gelo! Um simples café gelado ou um refinado frappé, ajudam a enfrentar o calorão e manter a tradição do cafezinho. A necessidade do paladar pelo cafezinho, assim, resolvida. O ritual não desaparece, apenas se adapta às necessidades, sob o olhar atento e empreendedor de pessoas visionárias que conseguem fazer da necessidade uma oportunidade. O hábito permanece, mas com uma sutil mudança de tom e temperatura.

Definitivamente, o café tem seu lugar cativo na mesa do brasileiro. A rotina, hábito ou cultura do café, mesmo quando o calor aperta, é uma combinação de tradição, necessidade social, adaptação e prazer. O Brasil é conhecido mundialmente por seu povo alegre, criativo e receptivo. O café agrega muito significado a esse jeitinho brasileiro único que sempre consegue encontrar formas de se ajustar em qualquer contexto. Com o café não seria diferente, não é mesmo? Não importa a temperatura, a relação do brasileiro com o café representa aconchego, energia, e momentos compartilhados. E, para quem ama café, não importa se o termômetro marca 10 ou 40 graus, o cafezinho nosso de cada dia continua a ser parte do cotidiano – com ou sem gelo!


Leia também: Narrativas Epistolares, Alfredo Sampaio e Priscila Aquino

Comentários

  1. Que crônica gostosa de ler! Tão boa quanto uma xícara do café produzido aqui no Espírito Santo! Parabéns, Priscila Aquino!

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  2. Amo café, independente da temperatura que marca o termômetro. Só estou pronta para o mundo depois da minha sagrada xícara de cafézinho pela manhã.

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    1. É isso aí! O mundo que aguarde nossa preciosa xícara de café matinal!

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  3. Independente do clima, não troco meu café por nada! Amei a crônica amiga. Beijão

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    1. Um banho gelado, um café quentinho e não se fala mais nisso!

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  4. Confesso que a crônica foi escrita sob calor escaldante tendo uma boa xícara de café como aditivo!

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  5. Essa é nossa relação com o café. Sento-me totalmente representado. Você conseguiu captar com leveza e precisão a paixão do brasileiro por essa bebida que é muito mais do que um simples estimulante. Parabéns pela criatividade em abordar um tema tão corriqueiro de uma forma tão original e interessante!

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    1. Temas cotidianos nos permitem transpor em palavras o que vivenciamos em modo automático!

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  6. Mais uma vez P. Aquino me confere a honra de ter acesso a uma de suas criações. Uma crônica leve, bem escrita, com estruturas simples, agradáveis de se ler. O tema, o café, nos leva a sentir todas as sensações possíveis ao consumirmos uma boa xícara de café. Parabéns, P. Aquino, é uma honra ter acesso a mais uma de suas criações.

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  7. O texto da Priscila é envolvente e bem-humorado, retratando com sensibilidade e criatividade a relação afetiva do brasileiro com o café, mesmo sob um calor escaldante. A leveza da escrita e as observações culturais tornam a leitura deliciosa, como um bom cafezinho!

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  8. Seu texto é envolvente e bem-humorado, retratando com sensibilidade e criatividade a relação afetiva do brasileiro com o café, mesmo sob um calor escaldante. A leveza da escrita e as observações culturais tornam a leitura deliciosa, como um bom cafezinho!

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