O irmão mais novo foi assassinado, numa rixa de botequim lá na cidade. A notícia lhe chegou logo, trazida à fazenda por um de seus vaqueiros. O assassino havia fugido, tomando rumo ignorado.
- Se o senhor quiser, nós vamos caçar o homem, patrão.
-Deixa – ordenou ele: Isso é serviço para mim.
Na manhã seguinte, depois do enterro, montou no seu cavalo e partiu. Virou a região de pernas para o ar, colhendo informações aqui e ali: eram parcas as notícias do assassino. Acabou perdendo seu rastro e ao fim de uma semana regressou, estropiado, sujo, barba por fazer:
- Não faço esta barba enquanto não der cabo dele – jurou.
A mulher sugeriu-lhe que ao menos tomasse um banho. Recusou-se:
- Quando raspar a barba eu tomo.
E se deixou ficar, como estava, estirado na rede. Nos dias que se seguiram não fez outra coisa senão treinar pontaria, dando tiros de revólver no terreiro. Largou de lado a administração da fazenda. Em vão o pessoal o procurava, atrapalhado.
- Não faço mais nada enquanto não liquidar o homem.
Parecia um fantasma, andando pelos cantos, com sua idéia fixa na cabeça: sujo, barbado, descabelado e fedorento. Ninguém tinha coragem de se aproximar dele. À tarde deitava-se na rede, uma nuvem de mosquitos o rodeava. Dali mesmo praticava tiro ao alvo: o mourão de porteira já estava todo marcado de bala.
- Parece um bicho – queixava- se a mulher, tentando demovê-lo: - tira essa idéia desgraçada da cabeça!
- Eu jurei que acabava com ele: então não sou homem de cumprir juramento¿
- Acaba com ele mas toma um banho, homem de Deus!
Às vezes chegava uma notícia e ele desaparecia por uns dias. Regressava cada vez mais sujo e barbado:
- Esteve em Paracatu: escapou por pouco.
Descansava uma semana e tornava a sair. Voltava, desanimado.
-Dizem que fugiu para Goiás. Vou até o fim do mundo.
No dia em que vieram lhe dizer que o homem havia morrido em Goiás, e de morte morrida, quase perdeu a cabeça:
-E agora? Estou liquidado. Nunca mais faço a barba. Nunca mais tomo banho.
Rogou duas pragas, cuspiu para o lado, passou a mão no revólver e saiu.
No botequim da cidade, pôs-se a beber cachaça junto ao balcão.
- Dizem que o homem morreu...
- Estou me danando.
- O senhor está vingado.
- Vingado uma ova: não matei ele, essa é boa!
- O senhor não pode matar um morto.
- Mas também não posso mais fazer a barba.
Quem é aquele frajola?
Numa das mesas ao fundo um cometa, recém chegado na cidade, contava lorotas para dois capiaus. Vestia um terninho tropical, usava sapato branco e marrom, camisa riscadinha e gravata borboleta de bolinhas. Tinha o cabelo esticado a brilhantina e era o que se podia mesmo chamar de frajola: usava óculos raibã, lenço colorido no bolso do paletó, e com gestos delicados ia enchendo de fumo americano um cachimbo americano de espuma-do-mar. Viajava de cidade em cidade negociando miraculosas mercadorias:
-Vejam o meu caso – dizia no momento, todo pernóstico: -Também saí de um lugarejo como este e hoje sou isto que vocês vêem.
Junto ao balcão o barbudo o observava.
- Quem é esse boneco? -repetiu, carrancudo: - Não vou com a cara dele.
- Chama-se Clodomir – informaram-lhe.
- Clodomir? Isso é lá nome de gente?
Sacou do revólver, e antes que o impedissem, fez pontaria, atirou. A bala acertou em cheio no cachimbo que Clodomir acabava de levar à boca, espatifando-o no ar. A estupefação foi geral. Clodomir se deixou ficar, estatelado de susto. O homem soprou calmamente a fumaça da arma e colocou-a no coldre:
- Quer saber de uma coisa¿ Estou vingado.
No mesmo dia tomou um banho, fez a barba.
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