Réquiem para Rachel de Queiroz
Cearense de Fortaleza, Rachel de Queiroz nasceu no dia 17 de novembro de 1910. E morreu no dia 4 de novembro, portanto às vésperas de completar 93 anos. Ao longo destes anos, tão bem vividos, ela foi sempre uma admirável escritora, que ainda há pouco tempo lançou o livro Tantos anos, escrito a quatro mãos com a irmã Maria Luíza. “Sem ela, não haveria livro, que me arrancou à força. Trabalhamos juntas durante quatro anos, ela me perguntando e eu respondendo”, contava a autora de livros consagrados e referenciais, como O Quinze - escrito quando tinha apenas 20 anos, uma obra pronta e acabada, que a consagrou no universo literário do país. Escreveu também Lampião, A beata Maria do Egito, João Miguel, Caminho de pedras, O galo de ouro, Memorial de Maria Moura, Dôra Doralina e As três Marias, seus dois melhores romances.
Transparente, coerente e sincera, com a sensibilidade nordestina à flor da pele, Rachel ofereceu-nos sempre uma permanente lição de fidelidade à sua vida de contadora de histórias. Poucos autores conseguiram, melhor do que ela, escrever com tanta desenvoltura e simplicidade. Sua prosa é sóbria, coloquial e escorreita; trafega, límpida, fagueira e impávida, pelos olhos do leitor, sem transbordamentos, sem excessos e sem retumbâncias, dentro de uma narrativa não raro dramática, com enfoque especial contra os estamentos preconceituosos da aristocrática sociedade de então.
Foi a pioneira da temática social no romanceiro nordestino: dos paraibanos José Américo, José Lins do Rêgo e Ariano Suassuna; do pernambucano Gilberto Freyre; do alagoano Graciliano Ramos; do sergipano Amando Fontes e do baiano Jorge Amado.
Foi pioneira também na Academia Brasileira de Letras, a primeira mulher a eleger-se em nossos quadros de Membros Efetivos, para a Cadeira n.º 5, na sucessão de Cândido Mota Filho. O presidente Jânio Quadros quis nomeá-la ministra da Educação, mas ela não aceitou o convite, por entender que uma professora do Ceará não devia ocupar um Ministério. E se perguntava: “Como continuar sendo escritora e ministra ao mesmo tempo?”
Revelava que aos 20 anos já estava no Partido Comunista: “Logo cedo, porém, vi que era impossível a convivência de pessoas inteligentes com comunistas militantes. Dois anos depois, rompi com o partido, quando ele censurou uma peça minha e quis me obrigar a fazer uma auto-censura. Fui então expulsa solenemente. Chamaram-me até de policial-fascista, embora ainda hoje me tenho como socialista e, por isto mesmo, estou a milhares de quilômetros da Rússia”.
Seu tataravô era tio e padrinho do romancista José de Alencar, do qual se considera assim uma descendente. Por parte dos Alencares, era prima do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
Morou durante 12 anos na ilha do Governador; residiu durante 14 anos na Rua Cândido Mendes, na Glória; e há vários anos, morava em seu refúgio da Rua Rita Ludolf, no Leblon.
Sua única filha morreu com 1 ano e meio de idade. Coube-lhe criar a irmã Maria Luíza, além dos netos Flávio e Daniel, que considerava filhos. Dizia: “Os avós não têm obrigação de educar os netos. Só de amá-los. Educação é tarefa dos pais”.
E quanto aos seus livros? “Não costumo relê-los. De certo modo, sinto até um pouco de vergonha deles, embora alguns me persigam até hoje. De nenhum fiz propriamente um lançamento, com noite de autógrafos. Eles sempre chegavam discretamente às livrarias e aí ficavam à disposição”.
Rachel se considerava uma senhora avó, que já havia pago todas as prestações da vida. E, ao contrário do sertanejo, que, quando recebe um convite para tomar chá, responde: “Obrigado, mas não estou doente”, Rachel gostava de chá e, por isto, não estranhou o da Academia Brasileira de Letras, nas nossas quintas-feiras.
Vascaína e adepta do casamento, ela escrevia por obrigação, nunca teve fé, era uma atéia mística, com nostalgia de religião, de Deus e de uma alma imortal, que não sabia se tinha, mas que gostaria de ter.
Nota: o blog manteve a grafia original.
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